sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Eles têm um plano C

A classe dominante estava no plano A: Aécio.

Agora está no plano B: Marina.

Mas também tem um plano C: pressionar o segundo mandato de Dilma, para que este não corresponda aquilo que própria presidenta, Lula e o PT vem defendendo na campanha eleitoral.

Dizendo de outro jeito: a classe dominante, o grande empresariado capitalista, tem diferentes frações, bem como diferentes representantes políticos e intelectuais.

Nos últimos anos, o conjunto destas segmentos fez uma opção majoritária anti-PT e anti-Dilma. 

Derrotados eleitoralmente, não se farão de rogados e buscarão outros caminhos para implementar seus planos de "ajuste fiscal, desemprego e redução de salários".

Buscarão, não.

Já estão buscando.

Sinais desta busca estão no artigo de Claudia Safatle no Valor Econômico de 12 de setembro, discutindo como seria a "nova Dilma" num segundo mandato.

O texto é parcialmente baseado em declarações atribuídas a um "integrante da campanha à reeleição", que teria explicado "o que o PT imagina que viriam a ser mais quatro anos de governo Dilma".

Reproduzido na íntegra ao final, o texto informa que para o "núcleo da campanha", a "nova Dilma" seria:

-uma pessoa mais afeita ao diálogo
-mais propensa a ouvir
-menor disposição a experimentar suas próprias ideias.
-ação mais amigável junto ao setor privado, especial atenção à indústria que definha e à classe média.

Genial, não?

Pela suposta boca de um suposto integrante da campanha, temos uma lista de defeitos

Estabelecida a premissa (Dilma teria que ser outra), o texto continua: "talvez esse grupo não saiba, mas Dilma terá tarefas urgentes já no dia 27 de outubro".

Depois de se apoiar num suposto "integrante da campanha", que supostamente fala pelo "núcleo da campanha", a jornalista passa a informar como Dilma deve agir para "reconstruir as pontes que ela mesma dinamitou no curso da campanha".

Ou seja: uma campanha eleitoral que está conseguindo politizar e ganhar o apoio do povo, é criticada por dinamitar pontes com setores da elite e seus queridinhos.

Claro: para certa imprensa, esquerda boa é aquela que apanha, perde e muda de lado.

A preocupação da jornalista é monotemática: "não bastará recompor a figura do ministro da Fazenda, tratado com descuido nos últimos dias, como carta fora do baralho. Importante será decidir o que fazer com o Banco Central, instituição cuja reputação vem sendo destroçada por Dilma nas últimas semanas, tanto nas declarações que faz para os jornais quanto na propaganda do horário eleitoral".

Portanto, a reputação do Banco Central seria "destroçada" toda vez que dizemos tratar-se de um banco público, portanto deve estar subordinado às instituições eleitas pelo povo. 

Esta concepção democrática acerca do BC, óbvio, não pode mesmo agradar a quem acredita que o compromisso primeiro de qualquer governo é "preservar o valor da moeda". Nem  a quem leva a sério a comparação entre o Banco Central e a invenção da roda.

Correndo o risco da repetição, perguntamos: em que mundo esta gente vive?

Como é possível que num mundo vítima de imensa crise econômica, crise que tem como epicentro a atuação da banca, num jornal especializado em economia, seja possível ler um texto que critica como "deformado" o propósito de manter o Banco Central "controlado com rédeas curtas pela presidente da República e pelo Congresso, sob o risco de servir à ganância desmedida dos bancos".

A quem serve um Banco Central, se não for controlado "com rédeas curtas" pelos representantes da população???

Desde quando criticar a proposta de independência do Banco Central marca "um impensável retrocesso institucional que pode custar caro ao país"???

O trecho final do artigo de Claudia Safatle recorre novamente ao off, desta vez de uma "alta fonte" (sic) e de "um amigo e ex-colaborador de Lula".

A primeira teria dito que "todos os presidentes reeleitos mudaram" e que "nós aprendemos errando". A segunda diz que Dilma teria "pouco compromisso com a realidade". Ou seja, uma prevê mudanças, outra não, mas ambas criticam a presidenta. 

Claudia Safatle conclui dizendo que "Dilma pode não se reinventar mas, para o bem do país, terá que ao menos atualizar as suas convicções e recuperar a política econômica".

Moral da história: a batalha pela natureza do segundo mandato Dilma não termina na eleição. 







PT à espera de uma "nova Dilma" - Claudia Safatle- Valor Econômico 
Um eventual segundo mandato da presidente Dilma Rousseff será, como ela própria disse, um "governo novo, equipe nova". Isso, porém, não basta. Terá que trazer, também, uma "nova Dilma". Foi sublinhando por mais de uma vez a necessidade de transformação da pessoa da presidente da República, que um integrante da campanha à reeleição explicou o que o PT imagina que viriam a ser mais quatro anos de governo Dilma.
Para o núcleo da campanha, a "nova Dilma" seria uma pessoa mais afeita ao diálogo, mais propensa a ouvir, o que significaria menor disposição a experimentar suas próprias ideias.
Supostas mudanças na política econômica, nesse caso, não alterariam a essência da estratégia, de ênfase nas políticas sociais, na redução das desigualdades e no mercado interno, disse a fonte. Mas seriam conciliadas com uma ação mais amigável junto ao setor privado, especial atenção à indústria que definha e à classe média.
Se reeleita, talvez esse grupo não saiba, mas Dilma terá tarefas urgentes já no dia 27 de outubro: começar a reconstruir as pontes que ela mesma dinamitou no curso da campanha.
Não bastará recompor a figura do ministro da Fazenda, tratado com descuido nos últimos dias, como carta fora do baralho. Importante será decidir o que fazer com o Banco Central, instituição cuja reputação vem sendo destroçada por Dilma nas últimas semanas, tanto nas declarações que faz para os jornais quanto na propaganda do horário eleitoral.
A missão primordial do Banco Central - preservar o valor da moeda - que deve ser também o compromisso primeiro de qualquer governo, transformou-se nas mãos da campanha eleitoral de Dilma, em uma tarefa que, se exercida, fará apenas a alegria dos banqueiros.
Pode-se alegar que isso é somente um recurso eleitoreiro. Uma maneira de desqualificar a proposta acatada pela candidata adversária, Marina Silva, do PSB, em favor da autonomia do BC.
Mas, ao expor em praça pública um desenho deformado do Banco Central - como uma instituição que precisaria ser controlada com rédeas curtas pela presidente da República e pelo Congresso, sob o risco de servir à ganância desmedida dos bancos - Dilma feriu de morte a credibilidade do BC para desempenhar o papel que lhe cabe de coordenar as expectativas, conter a inflação, preservar o poder de compra da moeda e garantir a estabilidade financeira. Ou seja: impedir que o dinheiro que o trabalhador recebe ao final do mês se transforme em pó pela corrosão inflacionária.
Alguns estudiosos da história monetária comparam a importância dos bancos centrais, para a civilização, à invenção da roda. Exageros à parte, é preciso entender ao menos os rudimentos da política monetária para formar uma noção do papel do BC e da taxa de juros no controle da inflação, dos canais pelos quais os juros afetam a demanda e chegam aos preços nas gôndolas dos supermercados, tornando a vida das pessoas mais próspera ou não. Destruir a imagem do BC com argumentos forjados por marqueteiros marca um impensável retrocesso institucional que pode custar caro ao país.
A demissão antecipada do ministro da Fazenda, Guido Mantega, não foi um ato impensado da presidente. Foi o que sobrou da tentativa do ex-presidente Lula de convencer Dilma a fazer uma "Carta aos Brasileiros". Não como a que ele fez em 2002, comprometendo-se com o respeito a contratos e com a estabilidade econômica. A versão da carta de Dilma seria para apontar a direção de eventuais mudanças na política econômica em um segundo mandato.
A substituição de Mantega não era uma novidade. Ninguém contava com ele por mais quatro anos. Mas a forma como foi anunciada constrangeu o ministro, sempre leal à presidente, e deixou acéfala por quatro meses a pasta da Fazenda. Dilma dispensou o ministro, mas nada disse sobre o secretário do Tesouro, Arno Augustin, em tese o responsável pela forte deterioração das contas públicas.
A fé no surgimento de "nova Dilma" foi replicada por uma alta fonte: "Todos os presidentes reeleitos mudaram. Ficaram sob um novo contexto e uma outra correlação de forças no Congresso". Além do que "ela (Dilma) já reconheceu que nem tudo está perfeito. Nós aprendemos errando", disse a fonte.
Essa é uma visão otimista. Há outras, formuladas por interlocutores próximos do ex-presidente Lula: a profunda discordância entre Dilma e Lula ficou clara a partir de 2012, quando ela começou a implementar a "nova matriz macroeconômica", modelo de vida curta, implementado na marra, com juros baixos, câmbio desvalorizado e política fiscal expansionista; e a praticar o microgerenciamento. "É nisso que ela acredita. Ela tem uma agenda política muito forte e pouco compromisso com a realidade", disse um amigo e ex-colaborador de Lula.
Esse enredo não comportaria, portanto, mudanças radicais, como, por exemplo, Dilma convidar Henrique Meirelles para o lugar de Mantega, na Fazenda, no caso de um segundo mandato.
Em três anos e meio de governo, a presidente não se convenceu da importância da taxa de juros no regime de metas para a inflação e, muito menos, da necessária autonomia do BC para perseguir a meta.
Só a duras penas, e com os movimentos de protesto de rua em 2013, admitiu-se no governo que é preciso mirar a meta de inflação. Até então 6,5% (teto da meta de 4,5%) era tido como patamar bem tolerável.
Os compromissos de geração de superávit primário assumidos pela presidente foram sendo abandonados à primeira dificuldade, em nome de uma política fiscal expansionista supostamente geradora de investimentos e emprego. A crença no sistema de preços foi nula, a intervenção no setor elétrico desastrosa, a confiança no governo minguou e o investimento sumiu.
Dilma pode não se reinventar mas, para o bem do país, terá que ao menos atualizar as suas convicções e recuperar a política econômica.

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