quarta-feira, 7 de junho de 2017

Haddad e o republicanismo inocente, de autoria do professor Yuri Soares

Haddad e o republicanismo inocente
* Por Yuri Soares

O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad fez um relato de sua recente trajetória política na revista Piauí nº 129, da editora Abril. Haddad comenta acontecimentos e reflexões sobre suas gestões no MEC, na prefeitura, campanhas eleitorais e reuniões com lideranças. A íntegra pode ser lida aqui: https://www.evernote.com/shard/s35/sh/ca05532e-84ac-49e5-bec6-6e4466abcad5/d9cfff537612f4c1
Por se tratar de uma narrativa de cunho pessoal se torna difícil estabelecer um debate público e coletivo em torno dos temas abordados. Mesmo assim creio ser necessário abordar alguns fundamentos políticos presentes nas suas observações.
Haddad acerta ao apontar o patrimonialismo, ou a “versão beta do cronycapitalism, o capitalismo clientelista ou de compadrio” como origem da corrupção no Brasil.
No entanto o seu longo relato possui algumas inconsistências. Seria cansativo para o autor e principalmente para o leitor destrinchar cada ponto abordado pelo ex-prefeito. Decidi, portanto, me restringir a algumas questões especialmente importantes.
Haddad é extremamente condescendente, para dizer o mínimo,com o entreguismo de FHC. Este jamais pensou um plano para que o Brasil pudesse ter uma melhor inserção no mercado internacional. Quando se trata de políticas públicas a prática é o critério da verdade, e não podemos medir governantes por suas supostas vontades, mas sim pelas decisões tomadas e ações realizadas. A pecha de entreguista neoliberal só colou em FHC por condizer com os fatos concretos realizados durante seu governo que reforçam esta tese. Fernando Henrique Cardoso jamais buscou reposicionar o Brasil, apenas adaptá-lo à divisão internacional do trabalho e as novas configurações do capitalismo internacional. E isto não por ser refém das baixas pretensões das nossas classes dirigentes, mas por ser ele próprio representante do projeto político e econômico fruto da aliança entre as elites econômicas e políticas locais e internacionais que lhe deram sustentação.
Não fica claro qual seria a proposta de “acerto de contas com 1932”. Aparentemente Haddad, assim como boa parte da intelectualidade uspiana, não analisaram corretamente o papel da elite paulistana no conflito e tampouco digeriu a derrota.
Na análise da política econômica ele acerta ao criticar o fato de Dilma ter comprado uma agenda equivocada, elaborada em parte pela Fiesp: desonerações, redução da tarifa de energia elétrica (que beneficiou principalmente as indústrias), swap cambial, administração de preços públicos etc. Como sempre, os empresários ficaram com os lucros para si e os prejuízos foram socializados.
Sobre as alianças do último período Haddad continua refém da ilusão nas aproximações com o PMDB como garantia de estabilidade. Ele aparenta criticar a guinada de Dilma quanto esta isolava o partido no Governo Federal, enquanto em âmbito municipal PT e PMDB se aproximavam. O problema maior não é escolher entre PMDB e PSD, entre Chalita e Kassab, mas entre modelos de sustentação política, baseados em acordos de gabinetes ou em pressão popular sobre os parlamentos e governos. 
Em tom de brincadeira Haddad diz que perdeu as eleições para a prefeitura porque "faltou comunicação". O problema da ironia neste caso é a ausência de uma posterior análise séria sobre os motivos que levaram a derrota. Esta mereceria um longo e detalhado debate político ainda ausente, que levasse em conta a conjuntura nacional e local, os atores políticos envolvidos e também uma série de autocríticas por parte do partido e do próprio prefeito. Não adianta apenas analisar as jogadas dos adversários como determinantes do resultado da partida, é preciso refletir sobre os nossos posicionamentos e ações. Ou somente bastaria que Marta e Erundina não tivessem sido candidatas para que sua candidatura obtivesse êxito?
Sobre os meios de comunicação Haddad critica corretamente o tratamento desleal que lhe foi dado durante sua gestão, apesar de sua relação pessoal cordial e amistosa com as famílias proprietárias destes meios. No entanto ele não tira daías devidas ações necessárias. O problema não é somente falta de regulação do mercado, é também a inexistência de grandes meios de comunicação da própria esquerda, nos tornando reféns das pautas e narrativas dos nossos adversários.
Concordo com Haddad que a ilusão da esquerda com a internet e as redes sociais é equivocada. Vários estudos demonstram que o fluxo da informação ainda se origina nos grandes meios de comunicação. E todos sabemos que as plataformas são de propriedade de empresas estrangeiras. Sem debater a sério o papel da internet controlada pelo imperialismo nos golpes de novo tipo estaremos sempre reféns da manipulação estrangeira que Putin e Erdogan alertaram a Dilma e Lula. Não foi à toa que na Rússia e na China foram criadas ferramentas e plataformas de comunicação e redes sociais próprias.
É equivocada a avaliação positiva e sem críticas que ele faz do fortalecimento da PF e da autonomia do MP que foi feita por nós. E que as práticas patrimonialistas se fixariam justamente onde esses órgãos tinham um espaço muito menor de atuação.É fato que estas instituições precisam ser fortalecidas, mas com algum tipo de controle social. Quando um determinado aparato do Estado passa a gozar de total independência sem se reportar a ninguém, ele próprio se torna uma corporação a serviço do patrimonialismo das elites. Afinal de contas, quem vigia os vigilantes?
Cabe lembrar que mesmo nos Estados Unidos da América inexiste tamanha autonomia. Recentemente o presidente Donald Trump demitiu o diretor do FBI, James Comey, que o investigava por ligação com a Rússia, sob uma genérica explicação que ele não seria capaz de, efetivamente, comandar o FBI.
Haddad faz uma série de críticas a várias instituições: Ministério Público, justiça, imprensa, partidos e lideranças. Ele, no entanto, não aprofunda sobre a necessidade de mudanças estruturais nestas áreas, o que certamente significaria uma política de ruptura, em contraposição à política de conciliação que tivemos até este momento.
Ficamos com a pergunta em aberto sobre qual seria a arena da grande política que Haddad cita? Sem se basear no antagonismo entre as classes, entre as elites e a maioria do povo, entre imperialismo e desenvolvimento nacional soberano, Haddad parece se fundamentar muito mais numa oposição etapista entre atraso e modernidade, patrimonialismo e social-liberalismo.
Me pergunto se os atores desta grande política serão as maiorias em luta nas ruas, nas praças, nas escolas, universidades e locais de trabalho ou serão os puros filósofos políticos de centro-esquerda e centro-direita unidos sob a bandeira de um “republicanismo” inocente e anacrônico.
Ao contrário do que afirmam alguns intelectuais, a apropriação privada do Estado não se restringe à Portugal e tampouco é mero resquício de um modelo arcaico que sobreviveu à modernização. Todo Estado está a serviço de algo ou de alguém. Em um país capitalista periférico como o nosso, está aparelhado, apropriado e a serviço das elites locais atrasadas e subservientes.
A arena de combate hoje se dá em torno defesa dos direitos da maioria do povo contra a concentração de renda e privatização das vidas, sonhos, cidades e países em nome do lucro de poucos. O cenário atual impede qualquer tipo de diminuição de desigualdade e ampliação de políticas sociais sem avançar sobre as riquezas do andar de cima.
O lamento de Haddad, sem enxergar a origem terrena da força do gigante chamado patrimonialismo, é incapaz de apontar para um enfrentamento consequente deste. Tal qual o Anteu da mitologia grega, é preciso lhe retirar a base de sustentação para matá-lo.
Não é possível combater o efeito sem atingir sua origem. Somente atacando as elites e seus aparatos será possível combater o seu patrimonialismo.


* Yuri Soares é professor de História e Secretário de Políticas Sociais da CUT Brasília

5 comentários:

  1. Em um país capitalista periférico como o nosso, está aparelhado, apropriado e a serviço das elites locais atrasadas e subservientes.......

    Nosso País não é periférico. É ator de peso, muito importante. Daí a contra ofensiva da direita!...
    Toda elite de direita contra o trabalho é atrasada e subserviente ao capital em qualquer País do mundo!....

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  2. Não vamos fulanizar, nem falar no varejo, nem chover no molhado. Não errou apenas Haddad. De uma maneira ou de outra, erramos todos nós, lideranças e liderados, que apoiamos um “projeto de país popular e democrático”. Do contrário não estaríamos aqui chorando pitangas.
    A política “Paz & Amor” foi definitivamente um erro, a política “realista” da conciliação se mostrou de fato totalmente irrealista para o nosso projeto.
    Nossas lideranças não enfrentaram de maneira efetiva nossos adversários mesmo quando nos atacavam insidiosamente.
    Ao priorizar o “carisma” e a perigosa “aliança” com setores fisiológicos do Congresso, que mais tarde veio a ser mostrar fatal, e como modo de compensar o baixo investimento na formação de uma bancada de apoio forte no Congresso e de novas lideranças políticas pelo resto do país, como havia feito até 2002, nossas lideranças são também responsáveis pela perda da mais efetiva a arma de luta que tínhamos a mão: o PT como partido.
    São também responsáveis por desmobilizar após cada nova eleição os milhões de simpatizantes e os milhares de militantes do nosso projeto de país. Foi um erro também se afastar dos principais movimentos sociais.
    Além disso, suicidamente nossas lideranças políticas deram munição em forma de dinheiro e espaço aos nossos principais e mais ativos adversários: o principal partido de oposição, os meios de comunicação.
    Mesmo após as vitórias eleitorais, nossas lideranças acenavam sempre e uma vez mais aos nossos adversários com o lenço do Paz & Amor e buscavam antes o apoio de nossos adversários do que o apoio dos nossos simpatizantes e militantes fiéis. O caso do imediato pós Dilma II é o exemplo mais acabado dessa estratégia.
    A aliança com certos setores do empresariado também me pareceu se não irresponsável pelo menos uma política ingênua levada a cabo pelas nossas lideranças.
    Se não quisermos depender do erro de nossos adversários, sem recuperar nossa principal arma de luta democrática, o partido, um “projeto de país popular e democrático” realisticamente me parece a cada dia mais distante e utópico.

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  3. ????,,,quem é você?....nessa disfunção cognitiva que apresenta?...

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  4. Deve ser um infiltrado!...Igual aos Black blocs!...

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  5. Muitas exclamações e interrogações e anglicismos para poucas frases. Sr. Sérgio por favor aos argumentos.

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