quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Sobre o “quero prévias”

No dia 21 de outubro, participei de um debate na Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

O debate foi organizado pelo professor Aldo Fornazieri (ESP) e tinha três temas: a “derrota das esquerdas”, “prévias populares para 2018” e “organização da frente progressista e democrática”.

Além de mim e do Aldo Fornazieri, participou também o professor Marcos Nobre (USP). Estava prevista a presença da Natalia Szermeta, que por motivos alheios a sua (dela) vontade não pode estar presente.

O primeiro a falar foi o Aldo Fornazieri. Sua abordagem corresponde ao que tem dito em artigos publicados recentemente pela imprensa.

Um destaque ficou para o que Fornazieri considera um bom exemplo para a esquerda brasileira, a saber, a Frente Amplio do Uruguai.

Sobre isto, expliquei que o PT tem ótimas relações com a FA, que realmente há o que aprender, existindo entretanto diferenças profundas entre os dois países, inclusive de cultura política, motivo pelo qual querer copiar o modelo organizativo “uruguaio” incorreria no mesmo erro dos que desejavam, nos anos 1970 e 1980, copiar um suposto modelo “russo” de partido.

Além disso, a Frente Amplio é um partido, não uma frente de partidos e movimentos. E no caso brasileiro, precisamos construir uma frente de partidos e de movimentos sociais.

Após o professor Aldo Fornazieri, coube a mim apresentar um balanço do primeiro turno das eleições municipais. O que disse corresponde, no fundamental, ao que está no texto disponível seguinte endereço: https://espacoacademico.wordpress.com/2016/10/12/a-esquerda-frente-a-derrota/

O terceiro a falar foi o Marcos Nobre. Ele informou ter saído do PT em 1995, quando o Zé Dirceu foi eleito presidente do Partido; apresentou um balanço da situação política do país; e apresentou a proposta de prévias para definir a candidatura a presidente em 2018.

Seu ponto de vista sobre a situação política pode ser encontrado neste e noutros artigos disponíveis no mesmo sítio: https://textosmarcosnobre.wordpress.com/2016/10/03/a-velhice-do-novo-e-a-novidade-do-velho/

Destaco deste artigo uma frase que ele repetiu no debate: “O PT tem diante de si a tarefa dificílima de reconquistar a posição de líder do campo da centro­esquerda”.

Discordo deste ponto de vista; similar ao Aldo Rebelo, Marcos Nobre parte de um problema real (a esquerda precisa liderar um campo para além da esquerda) de maneira inadequada (pois antes de qualquer outra coisa, precisamos reconstruir uma frente política e social de esquerda, na qual há muito questionamento acerca do papel que deve ser jogado pelo PT).

Este ponto de vista – reconquistar a liderança da centro-esquerda -- tem muita importância para a maneira como Marcos Nobre defendeu, no debate, a proposta de prévias presidenciais.

Embora ele seja um dos impulsionadores da proposta, não faço ideia se o ponto de vista dele é também o dos demais. A esse respeito, sugiro ler o seguinte: http://www.compartilhadores.queroprevias.org.br/#block-2830

Desconheço se o Marcos Nobre escreveu algum texto, antes ou depois do debate, detalhando seu ponto de vista. De toda maneira, prefiro não reproduzir aqui o que anotei de sua fala, inclusive para evitar ser inexato.

A seguir rememoro, de forma editada, algumas de minhas respostas ao que entendi de sua (Nobre) opinião.

1. A esquerda brasileira está chamada a produzir uma nova estratégia. É com base nesta estratégia que definiremos como abordar as eleições em geral e as presidenciais de 2018 em particular. Mas o centro desta nova estratégia não pode ser a disputa de eleições, nem mesmo presidenciais. Deste ponto de vista, a proposta de prévias não pode nem deve ser considerada como o “eixo” (nem teórica, nem organizativamente) ao redor do qual se reorganizará as esquerdas. Quem faz isto reincide num erro muito comum e que contribuiu para estarmos como estamos hoje, a saber: colocar os temas organizativos, táticos e eleitorais no centro do debate, em detrimento dos temas estratégicos e programáticos;

2. A esquerda brasileira precisa construir frentes políticas, sociais e culturais. O processo de constituição destas frentes está apenas no início. A Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo são expressões tanto das potencialidades, quanto das limitações deste esforço frentista. Se tivermos êxito neste processo, disputaremos as eleições presidenciais de 2018 com uma única candidatura. Entretanto, além de ser errado em si (pelos motivos citados no ponto anterior), será muito mais difícil construir uma frente de esquerda tendo como primeiro ponto de pauta a definição de nossa candidatura em 2018;

3. A esquerda brasileira deve ter como objetivo influenciar, hegemonizar, atrair, dirigir outros setores políticos e sociais, que não compartilham nossos objetivos de longo prazo. Neste sentido é correto falar que, para além de uma frente de esquerda, devemos também construir uma frente de centro-esquerda. Porém, a experiência recente demonstrou que a ordem dos fatores altera o produto. Construir uma frente de centro-esquerda sem antes construir uma forte unidade de esquerda pode conduzir, na prática, a dividir e enfraquecer a esquerda, dando aos setores de centro (e centro-direita) a hegemonia de fato. Neste sentido, a pergunta é: com que tática e com qual política de alianças pretendemos disputar as eleições de 2018? Com um programa e com uma política de alianças de esquerda ou de centro-esquerda? Responder estas questões é algo preliminar a qualquer debate sobre o processo de escolha de candidaturas.

4. A esquerda precisa atualizar seu programa, tanto de curto quanto de médio prazo. Em tese, quando um partido faz prévias para escolher candidaturas, o programa já está dado. Nesta situação, escolhe-se entre candidaturas (supostamente) comprometidas com um determinado programa.  Mas a proposta de “prévias abertas” (ou seja, em que votam pessoas de diferentes partidos e sem partido) introduz um problema de outro tipo: qual o programa comum com o qual o escolhido vai se comprometer? Se a intenção for transformar uma prévia aberta em mecanismo de escolha simultânea da candidatura e do programa, objetamos o seguinte: uma prévia não é o mecanismo mais adequado para a definição de um programa. Ademais, escolher ao mesmo tempo programa e candidatura tende a “fulanizar” o processo de definição do programa, em benefício das posições programáticas de quem é mais conhecido. Vale dizer que – especialmente no âmbito de uma eleição presidencial -- isto ao menos por enquanto não prejudicaria a nós do PT, mas poderia prejudicar muito outros setores, que veriam suas posições programáticas “esmagadas” pela força estritamente eleitoral dos concorrentes. E se o objetivo for contar com um amplo leque de setores da esquerda, é preciso levar em conta este problema.

5. Além das questões acima resumidas, de natureza mais política, programática e estratégica, há outras dificuldades envolvidas na proposta de “prévias abertas”. Desde 1996 até recentemente o PT acumulou uma larga experiência em realizar prévias para definir nossas candidaturas à presidência da República, a governos estaduais e a prefeituras. Os problemas acumulados foram tão grandes que é muito forte, no Partido, a crítica ao processo de prévias para escolha de candidaturas. Por exemplo: houve casos em que outros partidos e inclusive governos buscaram incidir no processo de escolha de nossas candidaturas. Como evitar este e outros problemas políticos e logísticos envolvidos num processo de “prévias abertas”?

6. Por tudo isto, seria de se esperar que os impulsionadores da iniciativa estivessem dialogando mais com os partidos de esquerda. A não ser que a intenção seja “impor” a ideia aos partidos, de fora para dentro. Ou que a intenção seja converter este processo em plataforma para o lançamento de uma alternativa partidária (ou de determinada candidatura presidencial). Dito de outra forma: se apresentaria já completamente formatada uma proposta, que seria abraçada apenas por um determinado setor ou candidatura. Uma das muitas questões a ser tratada previamente com os partidos, por exemplo, é: haverá (ou poderá haver) mais de uma candidatura por partido? Caso a resposta seja positiva, isto significaria que os partidos teriam que abrir mão de sua autonomia e soberania, que seria transferida para um corpo eleitoral por enquanto indefinido. Não se trata de uma questão trivial para quem milita e defende a importância dos partidos políticos.

7. É preciso levar em conta várias experiências internacionais, entre as quais as primárias nos Estados Unidos e o processo de escolha das candidaturas na Argentina. Neste último caso, é bom lembrar que o processo é regulamentado por lei e implementado por órgãos de Estado. Suponho que não se esteja pensando em fazer isto em nosso caso.

Por fim: considero que a proposta de prévias abertas deve ser analisada com interesse pelo PT e por outras forças partidárias e sociais de esquerda, entre outros motivos porque tenta ser uma resposta para uma questão debatida na Frente Brasil Popular (e suponho que também na Frente Povo Sem Medo), a saber: quais serão os mecanismos através dos quais a militância não organizada em partidos, sindicatos e movimentos poderá influir organizadamente?

Responder a esta questão é muito importante. Começar a responder tendo como foco um processo eleitoral, mais exatamente as presidenciais de 2018, poderá muito facilmente converter-se no oposto do desejado. A este respeito, aguardemos o que dizem os impulsionadores da proposta, que aparentemente será oficialmente divulgada dia 8 de novembro.



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