sábado, 8 de outubro de 2016

Como diria Freud

Depois de ler o texto "A direção do PT deve renunciar?"...

(disponível no endereço http://valterpomar.blogspot.com.br/2016/10/sobre-os-epitafios.html)

...um cidadão chamado Daniel Pereira da Silva escreveu uma mensagem com o seguinte conteúdo:


Daniel Pereira da Silva Valter, por que a autoproclamada "esquerda petista", tão ciosa de seus princípios, certa da superioridade de seu programa, sua tática e estratégia, simplesmente não sai do PT e forma um novo partido democrático-popular, socialista, para aí agir à vontade, com toda a liberdade? Parece masoquismo perder todos os últimos PEDs, encontros e congressos e, mesmo assim, permanecer em uma agremiação com uma direção dominada por um campo tão recalcitrante a mudanças fundamentais. Parece servidão voluntária! Ademais, fica também a impressão de que essas tendências esquerdistas precisam acalentar um "bode expiatório" - a maioria dirigente, a articulação de forças que se perpetua no comando, a hegemonia que os impede de serem felizes. Com isso, mantém-se a castidade, pois a suposta pureza nunca será efetivamente posta à prova no confronto com a realidade, continuando no plano da abstração, da imaculada retórica. Freud explica...


A pergunta do Daniel é mera figura de retórica.

Ele não quer saber minha opinião.

Quer apenas expor a dele.

Mas tanto a pergunta quanto a resposta são reveladoras de um "jeito errado de pensar acerca do PT".

O PT não resulta da ação de uma pessoa ou de um grupo.

O PT é uma obra coletiva de dezenas de milhões de pessoas.

A existência do PT contribui para o bem-estar, para as liberdades democráticas, para a soberania nacional e para a luta pelo socialismo.

Por todos estes motivos, quem se considera de esquerda deve defender o PT.

Mesmo quem não é petista deveria pelo menos em alguma medida defender o PT (algo que o PSOL de Aracaju e o PSOL de Recife não entenderam).

Defender o PT inclui, hoje, alterar a linha política e a maneira de funcionar do Partido.

Quem é petista e quer defender o PT, precisa lutar por mudar o PT.

Alguns petistas compreendem esta necessidade e consideram que a melhor forma de fazê-lo é dando a palavra às bases, através de um congresso plenipotenciário.

Outros petistas não compreendem a necessidade de mudanças tão profundas. Resistem a convocação de um congresso plenipotenciário. Consideram que primeiro devemos eleger uma nova direção e só depois fazer um congresso.

Por conta disto, há muitos militantes achando que o PT corre risco de vida. 

Minha opinião a este respeito está no seguinte texto: 

http://valterpomar.blogspot.com.br/2016/10/passado-presente-e-futuro-disputando-os.html

PT é um partido político de esquerda.

Como qualquer partido político de esquerda, o PT vive uma permanente luta para definir sua linha política e o seu jeito de funcionar.


Em tempos normais, existe uma coalizão majoritária que dirige o Partido, em torno de uma estratégia política que orienta a tática, as alianças e o funcionamento cotidiano da organização.

Foi assim com a "Articulação dos 113" (1983-1993) e também foi assim com a "Unidade na Luta" (1995-2005).

Naqueles tempos normais, quem divergia da coalizão majoritária podia escolher entre aderir, disputar ou desistir

Mas qualquer que fosse a atitude adotada pelos divergentes, em tempos normais a vida partidária seguia em frente.

Já em tempos anormais, como são os tempos em que estamos vivendo, não existe propriamente uma direção partidária.

Em tempos anormais, não existe uma coalizão que dirige o Partido com base numa estratégia; a confusão domina a tática e a política de alianças, o funcionamento cotidiano se desorganiza. 

Na minha opinião, esta é a situação do PT hoje, ao menos em âmbito nacional.

Não estamos conseguindo defender o Partido dos ataques da direita, não estamos conseguindo formular um balanço das derrotas que sofremos, não estamos conseguindo formular uma estratégia para o futuro, não estamos conseguindo alterar o modo de funcionamento do Partido.

E o que faz, diante disto, o grupo de pessoas que até agora possui maioria numérica na instância nacional do Partido? 

Na minha opinião, o principal equívoco que este grupo está cometendo é obstruir a realização de um congresso plenipotenciário. Um congresso no qual as bases do Partido poderiam tentar dar conta das tarefas citadas dois parágrafos acima.

Em decorrência desta obstrução, estamos sendo obrigados a gastar uma imensa energia discutindo os entretanto, ao invés de tratar dos finalmente.

Os entretanto são, por exemplo: congresso? PED? Renúncia? Novo presidente?

Os finalmente são, entre outros: balanço, programa, estratégia, táticas, modo de funcionamento.

Na minha opinião, o grupo que hoje possui maioria numérica na instância nacional não consegue entender o tamanho da mudança que o PT terá que fazer, para poder sobreviver.

Não percebe que esta mudança passa, inclusive, pela maneira de escolher as direções partidárias.

Hoje as direções são escolhidas através do chamado PED (processo de eleição direta). 

Na teoria, eleição direta é uma coisa fantástica. 

Na prática, qualquer petista conhece seus defeitos, inclusive alguns muito parecidos com o que vemos nas eleições tradicionais.

Entretanto, na atual conjuntura, há três características do PED que são particularmente problemáticas:

1) o PED torna o PT prisioneiro da cúpula das tendências (que decidem quem integra ou não as chapas de delegados/as que disputam o voto dos/as filiados/as);

2) no PED, não há vínculo obrigatório entre voto e debate. O direito de escolher no voto qual será o futuro do Partido não é vinculado a participação dos "eleitores" nos debates sobre o futuro do Partido;

3) as direções são eleitas ANTES do debate e não depois dele. Neste método, quando o congresso nacional se reúne para debater a linha política, a direção nacional já está eleita.

Apesar disto, ou por causa disto, o grupo numericamente majoritário na instância nacional do Partido considera que o PED é uma "questão de princípio".

Talvez acreditem que através do PED, manterão sua maioria numérica.

Pode ser, pode não ser. 

Mas isto é um problema para quem está preocupado com os entretantos.

Para quem está preocupado com os finalmente, o problema é outro: vença quem vencer, este método eleitoral não contribuirá para o tipo de debate que precisamos fazer, se quisermos tirar o Partido dos Trabalhadores da situação em que estamos.

Em tempos anormais como os que estamos vivendo, quem é minoria não pode se dar "ao luxo" de escolher entre aderirdisputar ou desistir

Em tempos anormais como os que estamos vivendo, quem é minoria está convocado a lutar para construir uma nova maioria, uma nova estratégia e um novo padrão de funcionamento.

Dito de outro jeito, uma nova direção (seja no sentido de linha política, seja no sentido de grupo dirigente) que seja capaz de salvar o Partido.

De resto, como diria Freud, as vezes um charuto é apenas um charuto. A saber: ficamos no PT porque somos petistas.




































3 comentários:

  1. Caro Valter, antes do que respondeste, que acho pertinente e correto, acho que cabe fazer notar que essa sugestão do Daniel é a típica napoleônica imperialista 'dividir para vencer', à qual a esquerda tanto tem sucumbido.

    ResponderExcluir
  2. Companheiro Valter, pense na minha alegria em ver a tua resposta, tão bem elaborada, publicada em teu blogue! Você é um dos meus intelectuais orgânicos preferidos do nosso tão combativo e combatido PT. Uau, que honra! Perdido em meio a tantos comentadores aqui, achei que a minha contribuição à reflexão ("food for thought") passaria despercebida.
    Bem, vamos então ao sadio e salutar debate - prática infelizmente cada vez menos constante no seio de nossa agremiação.
    Para começar, se você quiser me tratar como "companheiro" ou "camarada" a "cidadão", creio que conferiríamos um tom fraterno, já que estamos no mesmo partido, não é?
    A pergunta que abriu o meu texto não é mera retórica, mas a expressão franca e sincera de uma perplexidade que me assombra há um certo tempo. Se eu não quisesse saber a tua opinião e apenas expor a minha, não o teria marcado, nem empregado os termos "parece" e "fica a impressão", apriorísticos, e não taxativos.
    Recorro a Gramsci, que nos ajuda a iluminar nossa conturbada conjuntura: "a crise consiste precisamente no fato de que o velho (PT?) está morrendo e o novo (Frente Ampla?) ainda não pode nascer".
    Poxa, será que não estamos incorrendo em atitude semelhante àquela que imperava no Partidão, que se arrogava o direito de representar a verdadeira e legítima esquerda, condenando o suposto divisionismo dos que se lançaram na empreitada do PT?
    E, contra a análise ortodoxa, o PT encerrou o ciclo do PCB. O novo instrumento partidário conjugou forças vivas da sociedade, que, por caminhos diferentes, seguiram trajetórias ascendentes de luta política e social, e se encontraram na legenda petista. Empiricamente, um elemento além da tríade "aderir, disputar ou desistir": desbravar. Encarnou-se uma convergência de novos atores, ao contrário dos prognósticos pessimistas e fracassomaníacos da "nomenklatura" e "inteligentsia" comunista.
    O petismo, assim como o socialismo soviético de Lênin e Trotski, somente vicejou nos primeiros tempos. O lulismo, o socialismo realmente existe que vigorou no PT, desde meados dos anos 90, apresenta indícios de esgotamento de sua estratégia de conciliação.
    Pois bem, o "jeito errado de pensar acerca do PT" se consubstancia mais na profissão de fé de que a minoria convencerá uma maioria que se eterniza no poder a ceder gentilmente nas regras do jogo que justamente a mantém no comando. Qualquer semelhança com a ilusão dos socialistas utópicos e seu fervor na auto-reforma do sistema não é mera coincidência. Não mais a tragédia, mas a farsa.
    Você não acha que entre o encontro de delegados e o PED poderia haver uma síntese, conciliando o caráter de partido de quadros com o de massas? O vício estaria no PED ou na deficiência na formação política em larga escala no Partido, para que, dialeticamente, a quantidade se tornasse qualidade?
    Trocar de identidade nominal (PT) não significa transformismo ideológico, mas deixar de coonestar com as práticas famigeradas do campo majoritário. Findaria-se assim o contentamento com as migalhas, as concessões pontuais do grupo hegemônico.
    Sei que pesa na decisão de não sair do PT as experiências malfadadas das dissidências: PCO, PSTU e PSOL. Por que partir do certo para o duvidoso? É tão compreensível o medo da aventura pela senda do desconhecido. Mas pelo menos os camaradas egressos, por maiores que sejam os defeitos de suas práxis - as quais não ecoam, capilarizam e enraizam entre aqueles que julgam representar, condenando-os ao nanismo, ainda assim tentam.
    À luz dos ensinamentos das caminhadas erráticas dos desmembramentos do PT, poderíamos extrair lições e, em um novo espaço partidário, com coesão e coerência, catalisar o "entretanto" para tornar viável o "finalmente", galvanizando a classe trabalhadora.
    "Eppur si muove"...

    ResponderExcluir
  3. Epílogo da crônica da submissão a um relacionamento outrora amoroso e agora abusivo

    Segundo a Psicologia, os sinais de um relacionamento abusivo são, entre outros:
    - O abusador (Articulação/Campo Majoritário/Construindo um Novo Brasil...) faz promessas de mudanças que jamais vai cumprir;
    - O abusador é manipulador e transforma a cena ou situação de maneira a beneficiar sempre a vontade própria;
    - Justifica seus erros de forma a transferir convincentemente a culpa para você ou para os outros.
    Então, o amor acabou. Está na hora de romper e tomar outro rumo, e, mesmo sendo difícil, após 36 anos de relacionamento – o fator tempo pode gerar acomodação, iniciar o terceiro ciclo da esquerda brasileira e recomeçar...
    O PT morreu. Viva o PT!

    ResponderExcluir