sexta-feira, 13 de maio de 2016

Palpites de uma sexta-feira 13

Aos que tem acompanhado outros textos deste blog, sugiro pular direto para o ponto 9 deste texto.

1. No dia 17 de abril de 2016, a Câmara dos Deputados aprovou (367x137) a admissibilidade do impeachment. No dia 12 de maio de 2016, foi a vez do Senado aprovar (55x22) a admissibilidade. A presidenta Dilma Rousseff foi afastada do cargo por até 180 dias, prazo máximo para o Senado realizar o julgamento do mérito. Caso 1/3 dos senadores considere a presidenta inocente, ela reassume o cargo. Mas já no primeiro round os golpistas demonstraram ter mais de 2/3 dos votos.

2. As acusações contra a presidenta e a defesa feita na Câmara dos Deputados pela Advocacia Geral da União podem ser lidas nos endereços citados ao final. O resumo da defesa é o seguinte: não houve crime, não houve crime de responsabilidade, se houvesse crime de responsabilidade ele teria sido praticado também pelo vice-presidente da República. E sem crime de responsabilidade, impeachment é golpe. Não há base legal para o impeachment. Mas como o STF está dominado, aos inimigos nem mesmo a lei é garantida.

3. A maioria do Congresso Nacional forjou um pretexto ilegal para afastar a presidenta da República, contando com o respaldo cúmplice do Supremo Tribunal Federal, com a cobertura do oligopólio da mídia, com os efeitos especiais da Operação Lava-Jato, com o financiamento do grande capital, com a devida assessoria internacional, abençoado pelo fundamentalismo religioso e com a colaboração entusiasmada de grande número de "extras" (coxinhas).

4. A maior parte do povo brasileiro assistiu a trama pela televisão, grande parte torceu contra nós, um bom número começa a dar-se conta de que os bandidos venceram, mas apenas uma pequena parcela do povo está disposta a sair às ruas para denunciar o golpe e tentar derrotar os golpistas.

5. O roteiro do golpe é tão óbvio, os personagens são tão canastrões (vide o novo ministério, cheio de ricos corruptos, homens brancos, raposas da política), as reações tem sido tão intensas (vide o ocorrido nos dias 12 e 13 de maio, nas ruas de várias cidades brasileiras, nas redes sociais, até em posse de ministro), que é lícito perguntar: eles terão cometido um erro ao optar pelo golpismo? Do ponto de vista deles, não teria sido mais inteligente aguardar as eleições presidenciais de 2018? Será que ao optar pelo golpismo, não produzirão uma reação popular que não apenas os derrotará, mas também sustentará transformações mais profundas no Brasil?

6. A resposta completa para estas questões depende do que vai acontecer. Mas a opção deles pelo golpe era previsível: como o escorpião da fábula, faz parte da sua natureza. O grande capital e seus representantes têm um DNA golpista. Tendo a oportunidade, escolhem naturalmente este caminho. E ao longo dos últimos anos estas circunstâncias foram criadas.

7. Falando em termos políticos: no plano internacional, os Estados Unidos tem pressa em alterar a política externa do governo brasileiro e com isso consolidar o giro à direita que está ocorrendo na América Latina. O grande capital também tem pressa: precisa reduzir muito e rapidamente os salários, anular os direitos sociais e trabalhistas, realizar privatizações e alterar a Lei da Partilha. No plano interno, a Operação Lava-Jato e o oligopólio da mídia criaram a “narrativa legitimadora” indispensável para qualquer golpe. Havia um vice-presidente da República, um presidente da Câmara, um presidente do Senado e uma maioria no STF – além de personagens aparentemente menores como Delcídio do Amaral-- preparados para cumprir seu papel (que, na opinião dos que acreditavam neles, foi o de traidores). E, finalmente, tivemos as opções adotadas pelo governo Dilma Rousseff desde novembro de 2014, opções que reduziram e debilitaram nosso apoio na classe trabalhadora.

8. Falando em termos sociais: desde 2005 os setores médios tradicionais estão em pé-de-guerra, mas apesar disto vencemos as eleições de 2006 e 2010. Desde 2011 o grande capital entrou no modo confronto, mas apesar disto vencemos as eleições de 2014. Acontece que desde novembro de 2014, amplos setores da classe trabalhadora mudaram de posição. O que forneceu o elemento que faltava para ativar o chip golpista do grande capital e das direitas. Afinal, a oposição de direita perdeu as quatro últimas eleições presidenciais e sabe que pode perder novamente em 2018. Isto a levou a forjar um pretexto para, utilizando a sua maioria, liquidar a fatura agora, no momento em que sentiu que a esquerda estava mais fragilizada, evitando que em 2018 pudesse ocorrer o mesmo que em 2006.

9. Repondo a questão: o golpismo produzirá uma reação popular que não apenas os derrotará, mas também criará as condições para sustentar transformações mais profundas no Brasil?

10. Há condições objetivas para isto. Para começo de conversa, o caráter dos personagens e o roteiro canhestro ajudam a consolidar a certeza de que houve um golpe. Há contradições na coalizão golpista, tanto sobre o que fazer agora, quanto sobre 2018, que vão criar dificuldades para o golpismo. E o principal é que o programa dos golpistas (ver endereço ao final deste texto), a composição do ministério e suas primeiras medidas tem um profundo sentido anti-nacional, anti-popular, anti-democrático, anti-ambiental, homofóbico, racista e machista. 

11.Ou seja: Michel Temer na presidência significará a adoção integral do programa derrotado nas eleições de 2014, 2010, 2006 e 2002. Trata-se de realinhar o Brasil com os Estados Unidos, afastando-nos dos BRICS e da integração regional; reduzir ao mínimo os salários e os direitos sociais; destruir os avanços obtidos desde 2003; anular os aspectos positivos inscritos na Constituição de 1988 e na CLT; consolidar o domínio do país pelo capital financeiro, destruir o que resta do nosso parque industrial, converter-nos novamente numa combinação entre fazenda e mina.

12. Portanto, o impeachment não é apenas uma farsa e uma fraude, é a substituição das eleições diretas feitas pelo povo, por uma eleição indireta feita pelos parlamentares, como parte de uma operação estratégia de maior vulto.

13. Em 1964 ocorreu algo ainda mais explícito. E isto não impediu a ditadura miliar de sobreviver por duas décadas. Assim, não basta constatar que o lado de lá é “feio, sujo e malvado”. Precisamos também criar as condições subjetivas para derrotar o golpismo. Um bom ponto de partida é não subestimar os inimigos.

14. Os golpistas sabem que houve e segue havendo resistência contra o golpe. Sabem também que tende a haver uma crescente resistência contra as medidas que já estavam implementando via parlamento e que agora estão aprofundando via governo. Por isto, não podem e não vão se limitar ao que fizeram até agora. Como está dito no final do documento “Ponte para o futuro”, será necessário “ordem e progresso”. E para bom entendedor, duas palavras e um determinado militar no ministério bastam.

15.Por exemplo, está no menu da direita:

a) fazer as maldades o mais rápido e intensamente que for possível, para que elas possam ser atribuídas à “herança maldita” supostamente recebida do governo encabeçado pelo PT;

b) administrar os efeitos colaterais da Operação Lava Jato, o que supõe entregar à “opinião pública” alguns bodes expiatórios mais gordos do que os até agora oferecidos;

c) impedir que Lula possa ser candidato às eleições presidenciais de 2018. Desmoralizar, processar, condenar, tornar inelegível e se necessário prender;

d) reprimir e inviabilizar o funcionamento do Partido dos Trabalhadores, assim como atacar o conjunto das organizações politicas e sociais vinculadas à esquerda brasileira;

e) se necessário, alterar o regime político brasileiro, por exemplo adotando algum tipo de parlamentarismo, eliminando com isto o fator de imprevisibilidade criado pelas eleições presidenciais diretas;

f) continuar na criminalização das lutas sociais, na judicialização da política e na partidarização da justiça;

g) em decorrência do conjunto da obra, convidar as forças armadas a voltar a ter papel ativo na política nacional.

16. Dito de outra forma, os golpistas vão atuar politicamente, para impedir que as esquerdas tenham capacidade de estimular, organizar e dirigir o descontentamento popular. Se tiverem êxito, o governo Temer será um “governo de transição”, que fará o serviço sujo, entregando em 2018 a faixa para um governo “limpo e cheiroso”. Caso consigam chegar neste ponto, terá tido êxito o rompimento que eles fizeram com os parâmetros dentro dos quais a política brasileira veio se movendo desde 1988.

17.Além de não subestimar o lado de lá, é conveniente não superestimar o lado de cá. Uma questão óbvia é por quais motivos o golpismo teve até agora êxito. Entre os motivos, podemos citar:

a) durante 13 anos não conseguimos alterar aspectos fundamentais da matriz econômica brasileira. Em particular não superamos o controle que os oligopólios, especialmente o financeiro, mantém sobre a economia nacional;

b) durante 13 anos não conseguimos afetar as alavancas do poder político da classe dominante. Continuaram intocados o oligopólio mediático e o financiamento empresarial das eleições. A Justiça e a Segurança Pública continuaram fora da lei e de qualquer controle social.Além disso, estimulamos ou toleramos a expansão do fundamentalismo religioso;

c) durante 13 anos não criamos mecanismos adequados de financiamento militante das atividades da esquerda política e social. Ao mesmo tempo, foi crescendo a dependência tanto do financiamento estatal, quanto – especialmente no caso do PT – a dependência frente ao financiamento empresarial. Ademais, alguns adotaram (ou deixaram adotar) o modus operandi e até mesmo os “operadores” do financiamento empresarial feito pela direita. Em parte como resultado disto, em parte devido a intensa campanha jurídica e mediática, em parte devido a reação inepta, parte importante do povo aceitou como verdadeira a “narrativa” criada contra nós no tema da corrupção;

d) durante parte destes 13 anos, mudamos para melhor a vida do povo, mas isto foi feito sem alterar o nível de consciência e organização da maioria do povo, ao menos na intensidade que teria sido necessária para derrotar a contraofensiva da direita. Nas jornadas de junho de 2013 este descompasso ficou claro, mas tanto nossa análise quanto nossa ação não tiraram as devidas consequências;

e) por final, porém do ponto de vista tático o mais importante para entender o que ocorreu nos últimos meses, a politica econômica adotada desde novembro de 2014 fez com que amplas camadas da classe trabalhadora perdessem a confiança e deixassem de nos apoiar.

18. Repetindo algo que já dissemos antes: conseguimos derrotar as camadas médias conservadoras; conseguimos inclusive derrotar a aliança entre as camadas médias conservadoras e o grande capital; mas não conseguimos mais derrotá-los a partir do momento em que perdemos o apoio de parte importante da classe trabalhadora. E foi este apoio que, nos últimos meses, contribuímos para alienar com uma politica econômica desastrosa de “ajuste fiscal”, recessão e desemprego. O que explica que grande parte da mobilização contra o golpe não tenha incluído, até agora, paralisações nos locais de trabalho.

19.Isto não é uma surpresa. No primeiro semestre de 2015, 45% dos delegados e delegadas presentes ao congresso do Partido dos Trabalhadores apoiaram uma resolução que dizia ser necessária uma mudança imediata na politica econômica, sob pena de não conseguirmos êxito na defesa da democracia. Então, 55% dos congressistas e o governo não deram atenção ao alerta.

20. Um ano depois, em fevereiro de 2016, 100% da Direção Nacional do PT afirmou a mesma ideia que antes era defendida pelos 45%. Mas o governo seguiu sem dar atenção, contribuindo desta forma para a vitória dos golpistas nos dia 17 de abril e 12 de maio.

21. Os elementos apontados antes devem nos levar a não subestimar o lado de lá e a não superestimar o lado de cá. Em segundo lugar, devem nos levar a perceber que o fator fundamental para a vitória deles foi termos perdido apoio na classe trabalhadora. E o fator fundamental para as nossas futuras vitórias será recuperar o apoio majoritário na classe trabalhadora.

22. É deste ponto de vista que devemos enfrentar alguns debates que estão em curso na esquerda hoje, sobre a palavra de ordem na luta contra o golpe, sobre as formas de luta contra o golpe, sobre as formas organizativas de luta contra o golpe e sobre o PT.

23. Há quem considere que o golpe já está consumado, que é impossível o retorno de Dilma e, portanto, que devemos defender a realização antecipada de novas eleições (plebiscito, gerais ou presidenciais). Entretanto, enquanto durar o processo no Senado, mesmo sabendo tratar-se de cartas quase marcadas, não podemos fragilizar a defesa da Presidenta. Somente depois de transcorrido o julgamento, caso se confirme o afastamento definitivo, é que será politicamente correto defender outra palavra de ordem. Até lá: não ao golpe, fora temer!!!

A esse respeito, sugiro ler:
http://valterpomar.blogspot.com/2016/05/wanderley-guilherme-cenarios-e.html

24. Há quem considere que as massas vão engajar-se na luta contra o golpe, a partir do exemplo e da ação dos setores mais combativos. Entretanto, o que ocorreu durante o governo Dilma também ocorrerá durante o governo golpista: grande parte da classe trabalhadora movimenta-se (ou não) com base nos seus interesses materiais mais direitos. A ação que terá mais impacto na luta contra o governo golpista é preparar a mobilização da classe trabalhadora em defesa dos seus direitos. 

A esse respeito, sugiro ler: 
http://valterpomar.blogspot.de/2016/05/rodrigo-viana-como-vencer-direita.html

25. Há quem considere que estamos num momento, que exige novas formas de luta e novas formas organizativas. Isto é verdade. Mas também é verdade que não podemos nunca abrir mão das velhas formas de luta e das organizações tradicionais da classe trabalhadora e da esquerda. A direita tem todo o interesse em destruir os sindicatos, os partidos de esquerda, os movimentos sociais e populares tradicionais. Nós, pelo contrário, queremos que estas organizações se adaptem as novas necessidades políticas. Por isto, a Frente Brasil Popular e as organizações que a animam devem trabalhar para dialogar e se possível incorporar todos os que lutam contra o golpe e contra as ações do governo golpista.

26. Há quem considere que a vitória do golpismo é um bom momento para superar o lulismo e o petismo. Sem dúvida a esquerda não-petista tem todo o direito de lutar por superar o PT. E sem dúvida tanto o PT quanto Lula estão chamados a realizar uma autocrítica profunda da linha política adotada nos últimos anos, de conciliação com o grande capital, de conciliação com o oligopólio da mídia, de conciliação com setores da direita política, de subestimação da luta social e da luta ideológica etc. 

27. Entretanto, o que a direita quer? Destruir o PT e Lula. Para a direita, Lula é um alvo a ser desmoralizado, julgado, condenado e se necessário preso. Para a esquerda e para o conjunto das forças democráticas e populares, Lula deve ser defendido, independente do que pensemos acerca da política que ele implementou em seu governo e da estratégia que defendeu. A direita não ataca Lula devido a seus erros, o ataca devido a suas qualidades. Entre as quais está a possibilidade de disputar com chances de vitória as eleições presidenciais de 2018.

28. Para a direita, o PT deve ser inviabilizado. Se tiver êxito, não teremos no lugar uma “nova esquerda” melhor do que o PT. O que viria no lugar, neste caso, seria um longo período de fragmentação político e ideológica da esquerda, como houve entre 1964 e 1980. Por isto, os que integram e defendem o PT precisam fazer um imenso esforço para que o Partido seja capaz de fazer uma autocrítica, inclusive acerca de sua luta contra a corrupção; capaz também de produzir uma nova política e um novo modo de funcionar, bem como eleger uma nova direção, capaz de atuar com vento contra, em tempos de guerra, que vão durar muito tempo. Uma direção coletiva, que supere a fase em que se terceirizava o comando, seja para o governo, seja para outras instituições e pessoas. Por tudo isto é necessário realizar, ainda este ano, um Congresso extraordinário do Partido. Pois a direita mudou de estratégia e devemos fazer o mesmo.

Endereços dos textos citados

http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/denuncia-contra-a-presidente-da-republica/documentos/outros-documentos/ParecerDep.JovairArantes.pdf
http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil2013/files/files/Relat%C3%B3rio%20de%20Antonio%20Anastasia%20sobre%20processo%20de%20impeachment.pdf
http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/denuncia-contra-a-presidente-da-republica/documentos/outros-documentos/manifestacao-da-denunciada/ManifestaodaDenunciada.PDF
http://pmdb.org.br/wp-content/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-28.10.15-Online.pdf

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