quinta-feira, 7 de abril de 2016

Espancamento do PT: a que serve este esporte?

Participei no dia 6 de abril do ciclo Crise e Democracia, organizado pela reitoria da Universidade Federal da Bahia, com o apoio das entidades representativas de docentes, estudantes e técnicos administrativos.

O ciclo teve início no dia 4 de abril e vai até o dia 8 de abril, com debates transmitidos (parcialmente) ao vivo pela TVE e pela TV da UFBA. 

Da mesa que participei, coordenada pelo reitor da UFBA, fizeram parte os professores Jorge Almeida e Vladimir Safatle (ambos do PSOL) e Haroldo Lima (do PCdoB).

Os quatro nos posicionamos, de diferentes maneiras, contra o golpismo. O debate deve ser disponibilizado na íntegra pela TVE, motivo pelo qual considero desnecessário resumir aqui os argumentos utilizados. 

Entretanto, quero destacar um aspecto da polêmica.

Na minha segunda e última intervenção, fiz referência ao fato de que os debatedores ligados ao PSOL haviam praticado uma modalidade esportiva muito comum em certos meios: o espancamento do PT.

Como todos podem conferir no vídeo com a íntegra do debate, o PT e/ou o governo foram acusados, entre outras coisas, de neoliberalismo e estelionato; Lula foi comparado à farsa e Dilma à tragédia; esta última teria a legalidade, mas não a legitimidade; e petistas foram indiretamente acusados de terem entrado pobres e saído ricos do governo. 

Claro que se tudo isto fosse verdade, tornar-se-ia incompreensível o esforço que a direita faz para impedir Dilma, prender Lula e destruir o PT.

Tenho a impressão de que aquele tipo de crítica corresponde, de um lado, ao esforço que setores da esquerda fazem para "dialogar" com parcelas dos setores médios que anteontem foram petistas, ontem manifestaram simpatia pela esquerda crítica ao PT e hoje frequentam manifestações coxinhas.

Corresponde, por outro lado, a uma tentativa de reduzir potenciais danos supostamente decorrentes de, na prática, terem de aliar-se ao PT e ao governo contra a direita.

Dilema que Luciana Genro, ao afirmar não pretender ser linha auxiliar do PT, parece querer resolver de outro modo.

No debate, busquei responder aos ataques feitos contra o PT e contra o governo, lembrando que não é pelos defeitos (reais ou não) que a direita nos ataca. Somos atacados pelas qualidades passadas, presentes e (potencialmente) futuras. 

Obviamente, sem superar ao menos parcialmente aqueles defeitos, não vamos conseguir derrotar a contraofensiva conservadora.

Minha linha de argumentação não foi aceita nem por Jorge Almeida, nem pelo professor Safatle. Este último insistiu numa argumentação que -- para além de eventuais exageros retóricos e erros de informação -- revela existirem na esquerda pelo duas "matrizes de interpretação" sobre a atual conjuntura.

Uma delas adota como fio da meada a insatisfação e frustração dos setores populares, com o que foi feito desde 2003. 

É como se a crise fosse produto dos de baixo não quererem mais viver como antes, como se o problema estivesse no fato do PT ter bloqueado, impedido, obstruído a radicalização das massas. 

Para esta matriz de explicação, as manifestações de junho de 2013 (devidamente depuradas de seus muitos aspectos contraditórios) constituem o elemento central. 

No fundo, para os adeptos desta "matriz de interpretação" a crise atual é vista nos termos daquela equação clássica de Lenin acerca das situações revolucionárias. Ocorre que não estamos diante de uma crise revolucionária, mas sim de uma contraofensiva reacionária.

A outra matriz de interpretação adota como fio da meada a mudança de comportamento do grande capital, a partir do momento em que a crise internacional agravou-se.

A partir de então, tornou-se progressivamente intolerável para o grande capital a continuidade das políticas adotadas desde 2003, mas também dos aspectos positivos da Constituição de 1988 e até mesmo da CLT. 

Para esta segunda "matriz de explicação", 2011 marca o início da atual contraofensiva conservadora e a insatisfação é principalmente dos de cima.

Claro que os defensores de uma e de outra matriz consideram elementos da interpretação oposta. 

Mas "ojo": quem considera que o elemento central é a frustração dos de baixo frente aos limites do PT e seus governos, muito facilmente desliza para a tese segundo a qual a saída estaria em superar o petismo. O que, na conjuntura atual, pode gerar "afinidades eletivas" entre certa esquerda e certa direita.

Defender o legado do petismo (ou, em termos mais gerais, defender o legado do período 1989-2016) não significa negar que exista frustração, erros imensos e a necessidade urgente de mudanças, não apenas na política econômica mas também na estratégia geral.

Assim como recusar a afirmação de que o PT é uma quadrilha não significa fechar os olhos para os gravíssimos erros cometidos (ou deixados cometer).

A questão, digamos assim, está no contexto, ou melhor, no peso relativo de cada variável. 

Um exemplo de dosagem incorreta é a "teoria" crítica ao lulismo. 

Esta "teoria" faz, implícita ou explicitamente, um paralelo com o varguismo. Ocorre que o varguismo foi, num certo momento, hegemônico na sociedade brasileira. Já o lulismo nunca foi hegemônico. Portanto, o paralelo entre os dois é estruturalmente imperfeito e quem não percebe isto acaba caindo no erro de responsabilizar o PT, Lula e os governos encabeçados pelo PT por absolutamente tudo, de Cunha à dependência externa. Atitude que a direita adota, sem o menor pudor e com toda hipocrisia. E que setores da esquerda ecoam, as vezes sem perceber.

Uma curiosidade, que me foi apontada por uma companheira: imputar tudo à moderação da esquerda é atitude simétrica aquela que responsabiliza o radicalismo da esquerda pelo golpismo, como fazem alguns historiadores brasileiros ao discutir o golpe de 1964 e também o golpe encabeçado por Pinochet. 

Num e noutro caso, a direita é tratada como uma variável menor do processo.

De fato, este tipo de erro, cometido por parcelas da esquerda crítica ao PT, não tem nada de original. 

Erro similar foi cometido pelo Partido Comunista frente ao governo Vargas em 1954 e por outros setores da esquerda frente ao governo João Goulart em 1964. Para não falar dos erros cometidos por setores da esquerda chilena frente ao governo Salvador Allende em 1973. 

Felizmente, hoje este erro não está sendo cometido pela maior parte do campo democrático popular e da esquerda brasileira: sabendo dos erros do PT, sabendo dos erros do governo, sabendo dos erros de Lula, tem colocado em primeiro lugar derrotar a direita, o oligopólio da mídia e o grande capital.

Não se trata, portanto, de uma polêmica "acadêmica", acerca de diferentes critérios de análise. Embora também possa existir esta dimensão, o fundamental são as diferenças políticas que daí resultam.

Safatle, por exemplo, defende antecipar as eleições presidenciais.

Segundo entendi, ele parece achar que desta forma devolveríamos ao povo a decisão, permitindo assim que aquela frustração ache outras maneiras de se organizar, uma vez que a esquerda não estaria a altura da tarefa (Safatle chegou a dizer que a esquerda teria sido, cito de cabeça, dizimada). 

Falando em tese, parece genial. Mas a coisa adquire outra feição quando nos dispomos a analisar a correlação de forças, as condições em que seriam tais eleições e também quando lembramos da campanha que visa exatamente deslegitimar o governo e pedir sua renúncia, campanha que inclui vozes importantes da direita pedindo exatamente a antecipação do pleito presidencial.

Outra diferença política, num certo sentido mais importante no médio prazo, é a atitude frente ao petismo. 

Evidente que a esquerda brasileira é plural e continuará sendo. Não é preciso ser petista para cometer acertos, nem tampouco para cometer erros.

Isto posto, o tema me parece o seguinte: será possível derrotar o golpismo sem o PT, apesar do PT ou contra o PT? Será possível mudar a política econômica, ganhar as próximas eleições, realizar reformas estruturais e articular isto com a luta pelo socialismo, sem o petismo, apesar do petismo ou contra o petismo?

O debate do dia 7 de abril mostrou, implícita ou explicitamente, que existe quem acredite nisto. Eu não acredito. E a direita brasileira tampouco. Motivo pelo qual o espancamento do PT é um esporte não recomendável para quem é de esquerda.













































13 comentários:

  1. Professor, acredito que tem algumas questões que precisam ser observadas:

    1- Como bem falou um dos participantes do debate, ao culpar o PT por não ter feito essa ou aquela reforma estrutural o PSOL, além de transformar a política em um jogo voluntarista, advoga um reformismo infantil que é, na minha avaliação, também o erro fundamental que o PT cometeu. Se esse modelo de organização do PT chegou ao fim o seu racha parlamentar (PSOL) consegue a proeza de acabar antes mesmo de ter começado.

    2- Entendi que a idéia do Professor Safatle da esquerda dizimada se refira a esse modelo de organização que adotamos a partir da negação da esquerda tradicional, inclusive.

    3- Um importante autor do KPO, August Thalheimer, avalia que o fascismo toma o poder quando os de cima já não podem mais governar e os de baixo ainda não podem. Acredito que vivemos um período de, sim, desorganização da esquerda acompanhado de uma crise econômica e uma crise política, não do Governo Dilma, mas do Estado Burguês. O Capital já não pode mais governar e a Classe Trabalhadora não está nem perto de colocar a questão do poder na ordem do dia.

    4- A saída para a crise passa, necessariamente, pela organização da esquerda numa perspectiva anticapitalista, anti-imperialista e revolucionária. Qualquer análise que não coloque o capital como inimigo central da Classe Trabalhadora é inútil e, por isso, parabenizo a sua participação ontem no debate.

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    1. Oi Aluã

      Grato. Como voce acho que a questão central é, em cada situação, impor derrotas ao Capital.

      Acho que para conseguir isto, não basta organizar a esquerda uma perspectiva anti-K, anti-I e revolucionária.

      Se bastasse, não estaríamos vivendo nenhuma dificuldade, pois há um grande número de organizações que se proclamam desta forma.

      Assim, a questão é como traduzir estas orientações num programa, numa estratégia, numa tática e numa organização que tenha apoio expressivo na classe trabalhadora.

      O problema das organizações atualmente existentes não reside, na minha opinião, no "modelo de organização". O problema reside essencialmente na linha política, mais exatamente na estratégia.

      O problema do PSOL, entre outros, é que cometem os erros do PT, mas não tem as virtudes do PT.

      Não sei exatamente o que o professor Safatle quer dizer. Em 2012 ele estava na campanha do Fernando Haddad e circulava no petismo. Depois afastou-se por motivos que desconheço. No debate e na imprensa, fez afirmações que me soam liberais. Enfim, não sei dizer o que ele exatamente pensa. Mas acho que ele não pensa o mesmo que voce nesta questão da organização.

      Abraços

      Valter Pomar

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  2. Oi Aluã

    Grato. Como voce acho que a questão central é, em cada situação, impor derrotas ao Capital.

    Acho que para conseguir isto, não basta organizar a esquerda uma perspectiva anti-K, anti-I e revolucionária.

    Se bastasse, não estaríamos vivendo nenhuma dificuldade, pois há um grande número de organizações que se proclamam desta forma.

    Assim, a questão é como traduzir estas orientações num programa, numa estratégia, numa tática e numa organização que tenha apoio expressivo na classe trabalhadora.

    O problema das organizações atualmente existentes não reside, na minha opinião, no "modelo de organização". O problema reside essencialmente na linha política, mais exatamente na estratégia.

    O problema do PSOL, entre outros, é que cometem os erros do PT, mas não tem as virtudes do PT.

    Não sei exatamente o que o professor Safatle quer dizer. Em 2012 ele estava na campanha do Fernando Haddad e circulava no petismo. Depois afastou-se por motivos que desconheço. No debate e na imprensa, fez afirmações que me soam liberais. Enfim, não sei dizer o que ele exatamente pensa. Mas acho que ele não pensa o mesmo que voce nesta questão da organização.

    Abraços

    Valter Pomar


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  3. Olá,Valter. Estive tb naquela noite na Reitoria da Ufba e está sensação sua não foi a toa. De fato, psol e PSTU estão aproveitando a vitrine. Contudo, na noite de hoje, houve forte reação do público presente a essa insistência dos interlocutores da extrema esquerda de fazer do debate uma imolação do PT. Na segunda parte, das intervenções da platéia tivemos muitos discursos pela unidade e críticas ao divisionismo. Amanhã, iremos para o último dia de debates com ainda mais ímpeto. Passei só pra te trazer está notícia. Um abraço. Não vai ter golpe!

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  4. Nascif tem razão: Janot é o às na manga da direita golpista.

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  5. Nascif tem razão: Janot é o às na manga da direita golpista.

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  6. Bom dia Valter, sua análise relação as posições dos senhores do Psol e do PCdoB concordo plenamente. Mais difícil é identificar hoje no Brasil quais partidos são realmente de esquerda a combater o capital a favor do socialismo. Lúcia Oliveira AE/PE.

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  7. Bom dia Valter, sua análise relação as posições dos senhores do Psol e do PCdoB concordo plenamente. Mais difícil é identificar hoje no Brasil quais partidos são realmente de esquerda a combater o capital a favor do socialismo. Lúcia Oliveira AE/PE.

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  8. Dar muita credibilidade à lógica discursiva acadêmica do Safatle e superestimar o peso do PSOL na sociedade. Ele (tanto o Safatle quan to o PSOL, que, no estágio atual mais parece uma tendência política estudantil interna ao mundo universitário) nem tem militância social suficientemente massiva para ganhar algum peso político na democracia de massas em que vivemos.

    Mas é interessante falar das matrizes de análises e distinguir as ilusões anti-dialéticas de quem se pretende mais marxista e mais esquerda do que Marx, Lênin, Gramsci, Adorno, Horkheimer, Marcuse etc.

    Fazer uma análise crítico conceitual da atual conjuntura política brasileira (para além do aspecto parlamentar) é muito mais do que construir frases escritas, com uma gramática correta, ou falar de modo oratório aparentemente coerente. É uma questão de estar firmemente embasado em dados concretos da realidade complexa, multidimensional e extremamente dinâmica em que vivemos todos.

    Nenhuma teorização é capaz de dar conta de toda a realidade (este é o princípio máximo do marxismo, de que a realidade tem precedência sobre o pensamento e é muito maior e mais complexa do que teorizações provisórias e parciais; por isto mesmo é que se fala em práxis que é algo permanentemente dialético e não se reduz a modelos teóricos platônicos e permanentes que existem antes da própria realidade, ou à revelia dela).

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  9. Pô Valter, o PT precisa mudar a sua comunicação.

    A página do PT é de doer. Perde pra qualquer comunicação de Centro Acadêmico!...

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