segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Renato Rabelo chama a atenção do PT

No dia 25 de fevereiro, quinta-feira passada, o ex-presidente nacional do Partido Comunista do Brasil "tuitou" a seguinte mensagem:

Atenção PT vocês querem entregar na bandeja a cabeça da presidenta para a direita? Onde pretendem ir?


Confesso que fiquei surpreso com o tom da mensagem, mas não com o conteúdo.

Afinal, dentro do próprio Partido dos Trabalhadores e nas reuniões da Frente Brasil Popular, sempre há vozes alertando para o risco que corremos, toda vez que "subimos o tom" nas críticas à política implementada pelo governo Dilma.

De maneira geral, considero bem-vindo este tipo de alerta, pois de fato a situação é muito delicada e exige um permanente ajuste fino. 

Mas tal ajuste fino não pode ser unilateral, não pode desconsiderar aspectos importantes da realidade política.

É verdade que a contraofensiva da direita é brutal. 

Mas não há como negar que a direita tira parte de suas energias do desânimo popular com o governo, que por sua vez decorre em parte da política econômica do governo. Sem alterar esta política, fica muito mais difícil combater a direita.

É verdade que a contraofensiva é politicamente golpista, o que no curto prazo implica em anular o resultado das eleições presidenciais de 2014, seja via impeachment na Câmara, seja via cassação na Justiça. 

Mas o afastamento da presidenta Dilma não é a única pauta antidemocrática da direita. 

Há também a criminalização dos movimentos sociais, a judicialização da política, a partidarização da justiça, a tentativa de cassar a legenda do PT e de condenar Lula, a redução global das liberdades democráticas e dos direitos humanos. 

E não há como fugir de um fato: em vários momentos o governo Dilma contribui com a pauta acima, seja pela passividade do espero sainte ministro da Justiça, seja por iniciativas desastrosas como a Lei supostamente anti-terrorismo.

É verdade que a contraofensiva da direita é essencialmente política. 

Mas ela inclui desde já e visa principalmente objetivos econômicos e sociais mais estratégicos, como a redução da massa salarial e a subordinação do Brasil ao bloco comandado pelos EUA. 

E não há como negar que o programa de ação do anterior e também do atual ministro da Fazenda incorporou parte do programa de nossos inimigos. 

A obsessão com o ajuste fiscal e com a reforma da previdência são dois exemplos disto. 

Quando olhamos o conjunto da realidade, fica claro ser impossível desvincular a defesa da democracia da luta por outra política econômica. 

Entre outros motivos porque, mantida a atual política econòmica, será cada vez mais difícil ter apoio popular para defender o governo. E sem apoio popular, seremos derrotados, mais cedo ou mais tarde.

Aí surge a questão: por qual motivo dizer isto, com estas ou com outras palavras, seria "entregar na bandeja a cabeça da presidenta para a direita?"

"Entregar na bandeja" é uma expressão popular bastante conhecida e acho que tem origens bíblicas (João Batista). 

Em todas as versões que conheço, há uma dupla de malvados: quem "entrega na bandeja" e quem recebe a cabeça. Já a pessoa decapitada é, sempre, a vítima da dupla maldosa.

Não faço ideia dos motivos pelos quais Renato Rabelo escolheu justamente esta expressão, para referir-se a então possível e hoje consumada aprovação, pelo Partido dos Trabalhadores, de um documento propondo uma política econômica alternativa.

Mas, seja quais forem os motivos, achei totalmente inadequado.

A presidenta é filiada ao PT. Por duas vezes, o PT a escolheu como candidata e fez sua campanha. Miltantes, filiados e simpatizantes do PT constituem a maioria, senão absoluta relativa, dos que foram as ruas durante todo o ano de 2015 em defesa de seu mandato. Além disso, como é público, o Congresso do PT realizado em 2015 derrotou (por 56% a 44% dos votos, aproximadamente) um projeto de resolução que criticava explicitamente a política adotada pelo governo.

Por outro lado, como também é público e notório, a presidenta vem tomando decisões estratégicas sem ouvir seu Partido, nem os partidos de esquerda que constituem sua base efetiva de sustentação. E, o que é pior, tais decisões estratégicas vão na contramão do programa vitorioso nas eleições de 2014. E o que é pior ainda, tais decisões estão colocando em risco não apenas o mandato da presidenta, nem tampouco as chances de vitória da esquerda em 2018; as opções feitas pelo governo estão contribuindo para uma derrota estratégica da esquerda brasileira e dos setores populares.

Sendo estes alguns dos fatos, se tem alguém entregando alguma coisa numa bandeja, este alguém não é o PT.

Portanto, respondendo a segunda pergunta de Rabelo e fazendo uso da imagem que ele mesmo usou: apresentar um programa alternativo contribui para evitar que sejamos, todos nós, a começar pela presidenta Dilma, o PT e o PCdoB, "entregues na bandeja". 

Finalmente: considero que a política econômica é a quinta coluna da ofensiva golpista. A presidenta Dilma tem os meios para tentar adotar outra política. A esquerda tem o dever de defender que ela faça isto. Entre outros motivos porque nossos compromissos incluem, mas não se limitam, a mandatos e governos. Renato Rabelo, estou seguro, sabe disto tanto quanto eu. Entendo, embora discorde, os motivos pelos quais defende outra maneira de agir. E espero que ele venha a entender os motivos que levaram à aprovação, pelo Diretório Nacional do PT, da resolução sobre uma política econômica alternativa. 



























sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Ricardo Berzoini: uma entrevista reveladora

Recomendo a leitura da entrevista concedida pelo ministro Ricardo Berzoini ao jornalista Renato Rovai e disponível no endereço abaixo:

http://www.revistaforum.com.br/blogdorovai/2016/02/25/berzoini-defende-do-acordo-no-senado-politica-nao-e-tudo-ou-nada/

Recomendo por três motivos:

1) muitas divergências políticas à parte, Berzoini está ministro mas é petista; 

2) Renato Rovai é uma pessoa de esquerda, simpático a Berzoini, portanto sua entrevista é confiável;

3) a maneira como Berzoini tenta explicar e justificar os motivos do governo explicita uma concepção estratégica que, mantida, nos levará de derrota em derrota, até o final.

Embora não esteja necessariamente de acordo, não me deterei aqui em questionar os argumentos de Ricardo Berzoini, acerca da situação atual do mercado internacional de petróleo, acerca da correlação de forças no Senado ou das diferenças entre o que foi aprovado e o projeto original do intragável José Serra. 

Outros já o fizeram, em diversos artigos e entrevistas publicadas nos últimos dias e não teria nada a acrescentar.

Apenas peço aos leitores que atentem para o seguinte: segundo entendi da entrevista de Berzoini, a opção por um acordo foi motivada pelo avaliação de que seríamos derrotados. 

Mas, se é assim, por qual motivo o senador José Serra também optou pelo acordo

Uma possível explicação é: Serra também considerava a hipótese de ser derrotado

A diferença é que, para Serra, o acordo era uma meia-vitória. Para nós, o acordo era (no mínimo) uma meia-derrota.

Registro, embora não tenha como provar, que Serra sabia que provavelmente seria derrotado e por isto preferiu a meia-vitória. O caráter (digamos assim) do senador indica que ele, se estivesse seguro da vitória, não aceitaria o acordo.

Mas admitamos, para fins de discussão, que o resultado era incerto. Sendo assim, por qual motivo o governo não quis correr o risco e escolheu fazer o acordo?

Segundo entendi, Berzoini dá duas explicações. 

A primeira explicação é que "poderíamos ter marcado posição, trabalhado e torcido para ganhar. Ou a gente poderia negociar com pensamentos diferentes e buscar uma solução que não prejudicasse tanto a Petrobrás". 

Ou seja: o texto aprovado tem "salvaguardas importantes" para a Petrobrás. E entre o risco de uma derrota total e uma meia-derrota, melhor esta última, que no limite (na opinião de Berzoini) preserva os interesses nacionais.

Acho que Berzoini "doura a pílula". O governo abriu mão de uma política de Estado. Passamos a ter uma política "de governo". E, como lembra Berzoini, "a presidência é resultante de uma eleição nacional. Hoje é a Dilma e daqui a três anos pode ser alguém de qualquer orientação política". 

Mas o mais interessante na argumentação de Berzoini é a segunda explicação. Trata-se de uma teoria que, na minha opinião, explica o que denomino de "opção preferencial pelos péssimos acordos, no lugar de boas brigas".

Segundo Berzoini, "política não é tudo ou nada. Política não é ou eu aprovo o que eu quero ou não participo da discussão. Política é saber analisar a correlação de forças de um determinado ambiente, ver quais são as possibilidades para buscar o melhor resultado possível e tomar a decisão com base nisso".

Trata-se de uma versão expandida da famosa "arte do possível". Um raciocínio aparentemente carregado de bom senso e, não por acaso, de muito conservadorismo. 

Aplicando o raciocínio de Berzoini, temos o seguinte:

a) num "ambiente" em que a correlação de forças é favorável, o "melhor resultado possível" é geralmente um acordo. Pois o acordo, num ambiente favorável, é uma meia-vitória, sem os custos de uma vitória completa e sem os riscos de uma derrota;

b) já num ambiente em que a correlação de forças é desfavorável, o "melhor resultado possível" é... também um acordo, pois neste ambiente a vitória é uma alternativa pouco provável, ao tempo em que é muito grande a chance de derrota. 

Para o empresariado capitalista, esta "teoria" é ótima, pois mesmo quando a correlação de forças é favorável aos trabalhadores, estes nunca chegarão ao ponto de questionar o controle que a classe dominante mantém sobre a mídia e determinados aparatos de Estado.

Mas para os trabalhadores, esta "teoria" não é suficiente, pois ela nunca chega ao ponto de alterar estruturalmente os fatores de dominação já mencionados, para não falar do controle das empresas.

Sigamos adiante no raciocínio: 

a) quando o "ambiente" é favorável, o preço pago por não arriscar "uma boa briga" só é percebido depois, quando os inimigos conseguem inverter a correlação de forças (usando para isto aqueles fatores de poder que ficaram intocados pelas "meias-vitórias"). Neste momento nos perguntamos: porque não fizemos isto? Porque não tentamos aquilo? Mas Inês já é morta;

b) quando o "ambiente" é desfavorável, o preço pago por não arriscar "uma boa briga" é percebido imediatamente, já na disputa seguinte, quando a correlação de forças se torna ainda pior, deixando como opções uma derrota ainda mais devastadora ou uma concessão ainda mais desmoralizante. E assim sucessivamente.

Novamente fica claro porque, para o empresariado, esta "teoria" acerca do que é política permite sobreviver com relativa tranquilidade nos momentos de correlação desfavorável e permite destruir a esquerda quando a correlação de forças muda.

Já para os trabalhadores, esta "teoria" não permite extrair todo o possível nos momentos de vacas gordas, ao mesmo tempo que conduz a um recuo sem fim nos momentos de vacas magras.

O mais grave, contudo, é que esta "teoria" acerca do que é a política não aponta, não indica, não sugere o que deva ser feito para alterar a correlação de forças a nosso favor, quando o "ambiente" é negativo.

É uma "teoria" que só funciona em tempos de vento a favor. Pois nesses momentos, mesmo fazendo concessões, a gente consegue avançar um pouco.

Mas e nos momentos de vento contra? Como parar de recuar e voltar a avançar?

A definição do que é política segundo Berzoini não responde a este tipo de pergunta. 

Cada meia-derrota nossa é uma meia-vitória do inimigo. Eles avançam, nós recuamos. Com um agravante: não dispomos das mesmas reservas estratégicas (apoio internacional, controle de capitais, o oligopólio da mídia, pedaços da máquina do Estado etc.) que eles dispõem. Portanto, num "ambiente" desfavorável, a opção por meias derrotas tende a produzir apenas novas derrotas. 

Ricardo Berzoini admite isto explicitamente quando diz que pode ser que "alguns que estão criticando o texto que saiu do Senado ontem se sintam na obrigação de defendê-lo na Câmara. Porque a opinião da maioria dos deputados sobre esse tema é mais complexa. Nós temos mais pessoas com visão liberal na Câmara do que no Senado".

Para deter o círculo vicioso de derrotas que geram derrotas, é preciso deter a ofensiva inimiga. Como fazer isto?

Claro que num "ambiente desfavorável", isto implica em escolher o momento certo, o tema certo, a melhor correlação de forças possível. Implica, inclusive, em não travar algumas batalhas, em aceitar meias-derrotas ou até mesmo em sofrer derrotas (os que jogam xadrez sabem que as vezes ceder uma peça é parte de uma ofensiva). Mas além disto tudo, para deter a ofensiva inimiga é preciso, também, alguma disposição de correr risco.

(Foi o que fizemos, por exemplo, quando Eduardo Cunha chantageou a bancada do PT, no final de 2015. Corremos o risco.)

Acontece que a "teoria" de política explicitada na entrevista de Berzoini padece de "aversão ao risco". Por isto, mesmo havendo sinais de que poderíamos ganhar na votação do Senado, a opção foi pelo acordo.

Berzoini não diz isto e certamente negará pensar isto, mas a prática tem demonstrado o que segue: nos últimos anos tem prevalecido, na prática de parte da esquerda brasileira, a "opção preferencial pelos péssimos acordos, no lugar do risco inevitável das boas brigas".

Berzoini nos dá um bom exemplo disto, quando fala o seguinte acerca da reforma da previdência: o "governo não tem nada a ganhar com a mudança que possa vir a ser feita em 2016 ou 2017, mas o país tem. É por isso que estamos debatendo o tema".

Acompanhem o raciocínio: o governo Dilma vai brigar com uma parte de sua base social, tornando-se ainda mais fraco, pavimentando o caminho para uma vitória da direita em 2018... e isto... fará o país ganhar??? De que "país" estamos falando???

Neste ponto, a "teoria" de política expressa por Berzoini revela seu lado patológico, uma mistura de síndrome de Estocolmo com tendência ao suicídio.

Claro: o único jeito de tornar tolerável, para pessoas de esquerda, um caminho que acumula derrotas, é convertendo focinho de porco em tomada. 

Desta forma, nossa derrota é apresentada como um ato de sacríficio no altar da pátria.  O programa do inimigo é apresentado como se fosse ao menos parcialmente nosso. E, num objetivismo digno do Conselheiro Acácio, ficamos sabendo que "o ajuste fiscal é uma realidade do mundo". 

Da minha parte, entendo que os trabalhadores precisam de outra concepção de política, que nos oriente sobre como fazer para alterar a correlação de forças, o que implica em travar combates, mesmo quando não temos certeza da vitória. O papel da Petrobrás no pré-sal era e continua sendo bom motivo para um combate deste tipo. Combate que poderíamos ter vencido e que ainda podemos vencer.






xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Berzoini defende acordo no Senado: política não é tudo ou nada
25 de February de 2016

Ministro da Secretaria de Governo defende articulação feita para aprovar substitutivo do senador Romero Jucá, que tira da Petrobras a operação única do pré-sal. “Política é saber analisar a correlação de forças de um determinado ambiente, ver quais são as possibilidades para buscar o melhor resultado possível e tomar a decisão com base nisso”, argumenta Berzoini

Blog do Rovai – Ontem foi aprovado um projeto originalmente do senador José Serra, com emenda do senador Romero Jucá, que contraria boa parte, senão a totalidade do discurso e dos compromissos assumidos pela presidenta Dilma na sua campanha de reeleição em relação ao pré-sal. Por que isso aconteceu, ministro?

Ricardo Berzoini – Em primeiro lugar porque o Senado é um espaço pluripartidário. Não é um espaço do governo federal e do poder Executivo. E lá há várias opiniões diferentes sobre o tema do petróleo e do pré-sal. Segundo porque o mercado do petróleo mudou radicalmente nos últimos anos. Não é mais o mesmo mercado de 2012, 2013 e do começo de 2104. E terceiro porque num ambiente em que se tem a possibilidade da aprovação de um projeto que era praticamente a exclusão da Petrobrás do pré-sal e foi possível evoluir para um texto que tem salvaguardas importantes para a empresa, tem que se levar em consideração isso. Política não é tudo ou nada. Política não é ou eu aprovo o que eu quero ou não participo da discussão. Política é saber analisar a correlação de forças de um determinado ambiente, ver quais são as possibilidades para buscar o melhor resultado possível e tomar a decisão com base nisso. Evidentemente que nem agradando a todos, mas buscando conciliar o que é possível na defesa dos interesses nacionais.

Blog do Rovai – Há senadores da base que dizem que faltou empenho do governo na primeira votação da urgência…

Berzoini – Havia senadores ausentes do país, senadores que não estavam na votação. O governo buscou o máximo possível de votos, mas nós não mandamos nos senadores. Posso garantir que empenho não faltou.

Blog do Rovai – Na votação de ontem à noite, o senador Lindbergh Farias e a senadora Gleisi Hoffman, que defende com muito empenho o governo na Casa, disseram que o governo fez uma negociação sem conversar com a bancada do PT sobre sua mudança de orientação e sobre o acordo que foi aprovado.

Berzoini – Nós mantivemos durante todo o dia conversas. Na segunda-feira à noite me reuni com líderes da base. É preciso entender que a nossa base não é homogênea. A nossa base é heterogênea e fizemos o debate para fazer uma análise mais profunda sobre as implicações da aprovação daquele projeto e eu disse que deveríamos buscar esse objetivo, ao mesmo tempo sabendo que havia um desejo de parte significativa dos senadores, tanto da base e como da oposição, de votar este projeto nesta semana. Ou seja, também não é um jogo onde o governo pilota de forma burocrática a sua base. A base do governo é heterogênea e o Brasil sabe disso.

Blog do Rovai – O governo vai defender o que foi aprovado ontem no Senado na Câmara?

Berzoini – O governo vai continuar acompanhando a tramitação e analisando o cenário. Pode ser que alguns que estão criticando o texto que saiu do Senado ontem se sintam na obrigação de defendê-lo na Câmara. Porque a opinião da maioria dos deputados sobre esse tema é mais complexa. Nós temos mais pessoas com visão liberal na Câmara do que no Senado.Poderíamos ter marcado posição, trabalhado e torcido para ganhar. Ou a gente poderia negociar com pensamentos diferentes e buscar uma solução que não prejudicasse tanto a Petrobrás.

O texto obriga o Conselho Nacional de Política Energética a oferecer à Petrobrás os blocos para serem contratados no regime de partilha. Não é verdade que ele acaba com o regime de partilha. Segundo, ele obriga depois que a resposta da Petrobrás seja enviada à presidência da República. A decisão final ainda passa pelo crivo da presidência. A presidência é resultante de uma eleição nacional. Hoje é a Dilma e daqui a três anos pode ser alguém de qualquer orientação política. É resultado do processo democrático. Ou seja, está assegurado que a Petrobrás terá o direito de forma voluntária como operadora a explorar o pré-sal.

Blog do Rovai – Essa é uma das críticas que estão sendo feitas, o que era uma questão de Estado passou a ser decisão de governo?

Berzoini – Na verdade, a definição das áreas que seriam exploradas ou não era do governo. A única coisa diferente era que a Petrobrás precisava participar obrigatoriamente de todos. Agora, a diferença é que ela pode escolher todos. Ou não. Não estou defendendo que este projeto melhora ou piora a exploração do pré-sal, mas sim que o projeto que foi aprovado, se a gente tiver condições de defendê-lo, vai permitir que a Petrobrás exerça totalmente ou quase totalmente a preferência da exploração.

Blog do Rovai – Ministro, como o senhor dialoga com o discurso de que hoje a presidenta Dilma governa com o plano de governo do candidato Aécio? Além dessa questão do pré-sal, tem a mudança da previdência, a privatização da CELG e mesmo o ajuste fiscal do jeito que vem sendo feito.

Berzoini – Você conhece minha posição sobre previdência há mais de 30 anos. Previdência Social é um tema complexo que tem a ver com expectativas econômicas e demográficas de longo prazo. Quando você percebe que o vento está mudando,  tem a obrigação no Estado ou fora dele de discutir garantias para que o sistema continue forte. O governo não tem nada a ganhar com a mudança que possa vir a ser feita em 2016 ou 2017, mas o país tem. É por isso que estamos debatendo o tema.

O ajuste fiscal é uma realidade do mundo. Existe uma mudança de padrão de desempenho da economia mundial e no Brasil isso está um pouco mais grave por conta da dependência das commodities. A Vale, por exemplo, que apresentava lucros vultuosos, apresentou resultados negativos. Isso impacta na arrecadação. A gente tá buscando fazer o ajuste, garantindo que não haja redução do Minha Casa Minha Vida, no Bolsa Família, em programas de educação etc. Se a gente tiver uma postura frouxa, vai estourar a inflação. E por isso temos de fazer o ajuste.

Blog do Rovai – Qual a sua expectativa para este ano, ministro? O senhor concorda com as previsões de queda aproximada de 3 a 4% do PIB e inflação na casa dos 7 a 8%?

Berzoini – Eu diria que essas previsões não são alarmistas, são próximas da realidade. Estamos trabalhando para revertê-las, só que a situação do mundo é muito complexa. Hoje temos saldo na balança comercial, mas isso tem muito mais a ver com a queda da importação. Mesmo com câmbio mais alto, o que é uma decisão correta a meu ver, a exportação não aumentou. Por isso estamos trabalhando internamente para que alguns setores voltem a crescer. E por isso que a gente não vai mexer no Bolsa Família e nem no Minha Casa Minha Vida porque eles, além de gerarem emprego, garantem renda para parte da população. Hoje nós temos um desemprego que aumentou, mas que ainda é metade daquele que recebemos ao final do governo Fernando Henrique. O quadro é desafiador.

Blog do Rovai – Recentemente o senhor deu uma entrevista na qual foi duro com o juiz Sérgio Moro. Acha que ele é hoje o líder da oposição no Brasil?

Berzoini – Não acho isso, mas acho que o processo que ele conduz tem várias incongruências com o Estado Democrático de Direito. Hoje se induz à culpa precoce de pessoas que ainda não foram julgadas. Tanto no Judiciário como na Polícia Federal o combate à corrupção justifica o atropelamento do Estado Democrático de Direito.

Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Página 13 de fevereiro-março de 2016

http://www.pagina13.org.br/pagina-13-2/saiu-a-nova-edicao-do-pagina-13/#.Vs3ttfkrLIU

Editorial

A direita dobra a aposta. Façamos o mesmo!

O centro da tática continua sendo derrotar a contraofensiva conservadora.

Esta contraofensiva conservadora possui diversos protagonistas e métodos, mas propósitos estratégicos comuns: a)realinhar o Brasil aos EUA, afastando-nos dos BRICS e da integração regional; b)reduzir o salário e a renda dos setores populares, diminuindo as verbas das políticas sociais, alterando a legislação trabalhista, reduzindo direitos, não reajustando salários e pensões, provocando desemprego e arrocho; c)diminuir o acesso do povo às liberdades democráticas, criminalizando a política, os movimentos sociais e os partidos de esquerda, partidarizando a justiça, ampliando o terrorismo policial-militar especialmente contra os pobres, moradores de periferia e negros, subordinando o Estado laico ao fundamentalismo religioso, agredindo os direitos das mulheres, dos setores populares, dos indígenas.

Para derrotar a contraofensiva conservadora, o PT precisa mudar de estratégia e o governo precisa mudar de política. Especialmente, mas não apenas, mudar a política econômica.

Até o momento em que redigimos este editorial, a opção da presidenta Dilma vem sendo outra. Para citar o texto de Alexandre Fortes sobre o Arquivo Nacional (ver páginas 26 e 27), o que a

Presidenta está fazendo “talvez possa ser resumida pela clássica frase do jogador João Pinto, do Benfica: ‘O time estava à beira do abismo, mas tomou a decisão correta e deu um passo à frente’…”

Ou seja, frente a um ataque da direita, a presidenta foi defendida pela esquerda, mas as medidas apontadas como necessárias para superar a crise adotam o receituário da direita e prejudicam a esquerda, a classe trabalhadora, o povo.

A prioridade, em nossa opinião, deveria ser outra: reduzir os juros, investir bilhões na produção, no desenvolvimento, nas políticas sociais, na geração de emprego e renda. Ou seja, dobrar a aposta que fizemos diante da crise de 2007-2008. E nunca, nunca, fazer uma reforma da previdência que prejudica o povo e vender na bacia das almas o patrimônio nacional.

Enquanto o governo capitula ao programa da direita, a direita, o oligopólio da mídia e o grande capital continuam acenando com o impeachment. Mas o bombardeio principal agora é contra Lula e o PT.

A contraofensiva da direita faz parte de um processo sistêmico, que tem relação com a crise internacional e seus efeitos na região (vide Bolívia), tem relação com o fato da direita ter aprendido com nossas vitórias e tem relação com as debilidades, deficiências e erros da própria esquerda e de nossos governos. Se a direita tiver êxito, isto resultará em muitos anos de hegemonia conservadora. É preciso derrotar a direita. Até porque, se não os enfrentarmos e derrotarmos, o preço será muito alto e será pago pela classe trabalhadora de agora e das futuras gerações.

Por isto, furar pixulecos é um aperitivo.

Os editores

http://www.pagina13.org.br/pagina-13-2/saiu-a-nova-edicao-do-pagina-13/#.Vs3ttfkrLIU

Não há motivos para perplexidade


O texto abaixo foi escrito antes da votação do pré-sal pelo Senado. A referida votação demonstrou, para quem ainda tinha dúvidas ou ilusões, que os limites do governo são muito móveis, muito elásticos e muito relativos. O PT não deve e não pode submeter-se a este festival de genuflexão. É uma barbaridade comprometer nossos parlamentares, nosso Partido e verdadeiros aliados, com medidas que afetam a democracia, a soberania e o bem estar social. Defender a presidenta Dilma e as liberdades democráticas contra o golpismo, sim e sempre; mas isto não supõe nem exige defender o indefensável. Espero que a maioria do PT, especialmente o grupo que encabeça o Diretório Nacional, perceba isto e contribua para construir uma solução imediata, que preserve nosso Partido e principalmente preserve o futuro do projeto democrático-popular e socialista.

Participei nos últimos dias de duas interessantes reuniões: o conselho consultivo da presidência nacional do Partido dos Trabalhadores e a instância nacional da Frente Brasil Popular.

Nas duas reuniões, foi dito que a contraofensiva conservadora prossegue e se aprofunda; que o governo Dilma não corresponde à mobilização feita em sua defesa; que embora o impeachment siga uma ameaça, as baterias da direita agora focam no PT e especialmente contra Lula; que Lula segue sendo um candidato com potencial de vitória em 2018; e que a situação de conjunto exige dobrar a aposta na mobilização político-social, contra o golpismo e em defesa da democracia, por outra política econômica e por reformas democrático-populares; crescendo a impressão de que, se o governo Dilma não mudar de rumo, chegaremos mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outro, a uma situação limite.

Embora haja posições distintas, assim como outros aspectos importantes, o que foi dito no parágrafo anterior é um resumo da análise e das propostas táticas debatidas em ambas as reuniões.

Vai longe o tempo, portanto, em que metade da esquerda fugia da crítica à política econômica e da crítica ao governo, como o diabo foge da cruz. Pelo contrário, há uma impressão cada vez mais generalizada de que a presidenta Dilma vai continuar apostando numa política que é antagônica ao que ela própria defendeu, desde 2003 e até 2014. E que as escolhas feitas podem resultar, não apenas em retrocessos passageiros, mas em danos estruturais à democracia, à soberania e ao desenvolvimento.

Ao mesmo tempo em que, ao menos aparentemente, cresce a convergência tática de diagnósticos e propostas, continua presente uma diferença importante em torno de dois temas estratégicos: como chegamos a esta situação e como vamos sair dela.

Como aquilo deu nisto?

A dificuldade de compreender como chegamos a esta situação é maior ou menor, a depender do “lugar” que cada observador ocupou nos últimos anos. 

Por exemplo, quanto maior a crença de que estávamos perto do paraíso, maior a dificuldade para compreender racionalmente como derrapamos para o inferno. 

Ou, numa variante menos bíblica, os que exaltam as qualidades e minimizam os defeitos dos governos Lula 1 e Lula 2, tendem a não perceber os vínculos que existem entre nossos problemas atuais e o que foi feito (e deixou de ser feito) naquela época. E, na ausência de explicação melhor, acabam apelando para alguma variante da tese sobre “o papel do indivíduo na história”. 

Por exemplo, sugerem que se Lula tivesse sido candidato em 2014, estaríamos numa situação completamente diferente. Ou seja: a crise que vivemos não corresponderia a processos estruturais, profundos, de longo e médio prazo. Com outra pessoa na presidência da República, as coisas não seriam apenas diferentes, elas seriam profundamente diferentes.

É óbvio que se as coisas fossem diferentes, elas seriam diferentes... Mas acontece que as condições que permitiram ao Lula 2 (2007-2010) fazer um governo melhor do que Lula 1 (2003-2006) não existem mais. Portanto, as políticas que deram certo com Lula 2 não teriam os mesmos efeitos agora. E não teriam os mesmos efeitos porque a situação internacional e nacional mudou, porque a postura das classes sociais mudou, porque a posição das forças políticas se alterou.

Por isto, aliás, é que se Lula for candidato em 2018 e vencer as eleições, seu governo não pode ser (e não será, mesmo que quiséssemos) uma repetição do que feito anteriormente.

E o que deve mudar? Deve mudar a crença de que é possível transformar o Brasil sem impor derrotas profundas ao grande capital, à direita partidária, ao oligopólio da mídia e aos “aparatos de Estado” que os protegem. 

É possível (como Lula 2 mostrou) melhorar a vida do povo, ampliar as liberdades democráticas e a soberania nacional. É possível melhorar um pouco, durante algum tempo. Mas mudanças mais profundas e mais duradouras, só com redução do poder e da riqueza das classes hoje dominantes. E isto não apenas não foi feito, como não foi tentado durante os governos Lula 1 e Lula 2. Vide a democratização da comunicação, o peso dos oligopólios (especialmente do financeiro) na economia nacional etc.

Neste sentido, Dilma 1 e especialmente Dilma 2 não são um raio em céu azul. São resultado da insistência numa estratégia de conciliação de classe, num momento em que esta estratégia não resultava mais em bônus para as classes trabalhadoras. As qualidades e defeitos da presidenta temperam, mas a mistura já estava pronta.

Como sair dessa?

Quando observamos o quadro regional, vemos que a ofensiva conservadora atinge todos os governos progressistas e de esquerda, não fazendo distinção entre “moderados” e “radicais”, entre “carnívoros” e “vegetarianos”.

Este fato não surpreende aos que acreditavam que, apesar das diferenças, não havia duas esquerdas na região, mas sim um processo comum, cujos limites ficaram mais evidentes agora.

Entretanto, para quem foi contaminado pela lengalenga das “duas esquerdas”, fica mais difícil explicar o que está ocorrendo. Dificuldade que, aliás, atinge tanto gente da esquerda ultra-moderada, quanto gente da ultra-esquerda.

Por razões que a história das ideias explica, nos dois bandos há gente apelando para explicações “estruturais”. Uma delas: “o papel do Capital na história”. Uma das variantes desta: o que vivemos no Brasil resulta do impacto da situação internacional. Ou seja: quaisquer que fossem as opções de nossos governos, desde 2003 até agora, estaríamos mais ou menos na mesma situação.

Outra delas: “o papel da Reforma na história”. Variante: a crise do governo Dilma é apenas um caso local do que sempre ocorreu com todos os governos que tentaram, pela via das reformas, modificar os padrões do desenvolvimento capitalista ou até mesmo superar o capitalismo.

Como quase toda explicação “estrutural”, estas têm sua elegância e contém parte de verdade. Mas ambas (e outras do mesmo naipe) podem conduzir a um beco sem-saída. Pois se as causas estão fora da política, então não há o que fazer. Pior: se é assim, então nos movemos à toa nos últimos 30 anos. Pior ainda: o que quer que venhamos a fazer, ainda assim estaremos sempre à mercê de variáveis que não dominamos e que estão fora de nosso alcance.

Matar a política não vai resolver nosso problema, embora reconheça que pode ser um bom álibi para quem não fez (e não fez, ao menos em parte, porque não quis e não achou necessário fazer) enfrentamentos mais profundos desde 2003. 

Por exemplo: o que fizemos em relação à PF, ao MPF e ao STF? O que fizemos em relação aos meios de comunicação? O que fizemos em relação ao grande capital? O que fizemos para devassar os crimes da privataria tucana?

A verdade é que um bom pedaço da esquerda brasileira acreditou que chegaríamos lá sem rupturas com o grande capital, através de uma estratégia reformista lenta, segura e gradual (estratégia que alguém já denominou de melhorismo). Esta crença, baseada por sua vez numa crítica mal realizada tanto das tentativas de construção do socialismo realizadas no século XXI, quanto das tradições de esquerda pré-1980, nos conduziu a crise atual.

Seja para escapar da operação de cerco e aniquilamento, seja para retomar uma ofensiva de esquerda, precisamos fazer um balanço crítico e autocrítico, especialmente do que ocorreu nas duas décadas em que prevaleceu aquela estratégia hoje esgotada. 

Espero que os seus defensores não se deixem vencer pela perplexidade e pelo desânimo, contribuindo na medida de suas forças para isto. Por exemplo, defendendo uma tática para aqui e agora que se baseie em outros pressupostos, que não os que fizeram água. E, principalmente, não contribuindo para espalhar um clima de perplexidade. Pois a verdade é que não há motivos para tal: absolutamente nada do que está acontecendo é surpresa, ao menos para quem não acreditou nas boas intenções de nossos inimigos.

ps. Como as reuniões citadas no início deste texto não foram públicas, nem tiveram ata, achei melhor não citar as pessoas que emitiram as posições aqui criticadas. Aproveito para divulgar, a seguir, dois dos três textos que escrevi (no dia 14 de fevereiro de 2016) como contribuição para a primeira das reuniões citadas.


Texto 1

Prezado Rui Falcão

Novamente agradeço pelo envio antecipado do texto "em defesa da democracia ameaçada", que será debatido na reunião do conselho da Presidência, dia 15 de fevereiro.

O tom geral do texto é adequado e atende algumas das preocupações apresentadas no texto Acabou o carnaval. E o “armistício” também, que enviei como subsídio para a reunião.

Dito isto, apresento a seguir emendas que visam ampliar o diálogo com setores de esquerda, populares, democráticos e progressistas que neste momento estão profundamente críticos e decepcionados com o PT e com o governo Dilma.

1.Embora compreenda e esteja de acordo com os motivos literários e espirituais pelos quais o texto abre afirmando “a certeza de que os avanços históricos conquistados são irreversíveis”, ganharemos em exatidão científica, pedagogia política e capacidade de convocatória se deixarmos ainda mais explícito que esta “certeza” na “irreversibilidade” depende exclusivamente de nossa vontade e disposição de luta. Acredito desnecessário dar exemplos de quantos processos ditos “irreversíveis” foram derrotados, derrotas para as quais colaborou, paradoxalmente, certa crença na sua irreversibilidade.

2.Embora também compreenda e esteja de acordo com os motivos políticos e espirituais pelos quais devemos exaltar e comemorar a trajetória de 36 anos de vida do PT, considero que um tom mais humilde, acompanhado de algumas alterações na estrutura do texto, ajudariam o texto a dialogar com amplos setores da classe trabalhadora que estão desconfiados, desanimados e decepcionados com nosso Partido.

3.Um exemplo de alteração na estrutura do texto: abrir o texto com o segundo parágrafo (“Nosso território gigante”), deixando as referências ao PT e a Lula para mais adiante, sempre apresentando-nos como parte da luta geral do povo brasileiro e não como seu demiurgo. Para além da exatidão histórica, só fortalecemos o papel do PT e de Lula se nos apresentarmos como instrumentos gestados na luta e para a luta do povo brasileiro.

4.Uma alteração como a sugerida no item anterior também permitiria defender melhor o correto argumento segundo o qual “é a democracia brasileira que está em risco”. Para quem está desiludido e crítico ao PT, pode soar como demagogia e oportunismo vincular a defesa da democracia à defesa do PT. Esta reação negativa pode ser parcialmente neutralizada se a referência aos ataques contra o PT aparecer depois e na esteira dos ataques globais às liberdades democráticas, aos direitos sociais, à soberania e ao desenvolvimento.

5.Embora o sentido da argumentação seja correto, e especialmente levando em conta a presença do PT no governo federal e em vários governos estaduais, é preciso dar consequência para afirmações tão graves como: “omissões e contemporizações observadas nas mais altas e respeitáveis instâncias do poder republicano”, “escalada regressiva” que “já resultou em que o Brasil readquirisse algumas feições do Estado policial de nosso passado recente”. Por outro lado, é preciso lembrar que não foi a partir da Operação Lava-Jato que algumas regiões do país e alguns setores da população passaram a viver sob “regime de exceção”. Vide a ação criminosa que a polícia de alguns estados promove contra a juventude pobre, negra e periférica.

6.Compreendo a lógica do argumento segundo a qual a judicialização da política e a partidarização da justiça estariam em conflito com as regras do Estado Democrático de Direito. Mas esta afirmação – para além do necessário debate sobre as ilusões jurídicas e políticas contidas naquele conceito— deixa de lado um problema sobre o qual precisamos refletir melhor, inclusive no texto: as circunstâncias que tornam atrativo, para amplos setores da população, o espetáculo “seletivo” de gente rica e poderosa indo para a cadeia. Vale dizer, a este respeito, que se nossos governos tivessem feito a devassa na privataria tucana, o resultado teria sido duplamente positivo: redução na corrupção e demonstração de que é possível ser extremamente rigoroso nos marcos da lei. Vale dizer, também, que se tivéssemos nos empenhado na democratização da comunicação, não haveria a manipulação descrita no texto. Esta dupla autocrítica devemos fazer, também.

7.É correto afirmar que as mobilizações antigolpe multiplicaram seu fôlego no final de 2015, vinculando isto ao posicionamento do PT favorável à investigação dos (“possíveis”???) crimes de corrupção praticados por Eduardo Cunha. Exatamente por isto, o texto não deve criticar genericamente a “descabida identificação entre delitos de seus dirigentes e a própria idoneidade gerencial e financeira” das grandes empreiteiras. Devemos defender medidas judiciais e administrativas que preservem as empresas e os empregos. Mas é incorreto enfileirar num mesmo raciocínio a defesa do Brasil, das liberdades democráticas, do PT e... a idoneidade gerencial e financeira de empresas, especialmente as em tela.

8.Para que nosso chamado as forças democráticas seja forte e “sincero”, ele não deve se dirigir a pessoas “de todas as cores partidárias e convicções políticas”. Afinal, derrotar a “cruzada da direita” supõe exatamente derrotar “algumas cores partidárias e algumas convicções políticas”.

9.É importante que o PT manifeste “perfeita consciência de que algumas práticas condenáveis da vida política brasileira terminaram impregnando segmentos do partido”. Mas, dez anos depois de 2005, é preciso ser mais enfático a respeito. Não foram apenas “erros, equívocos e irregularidades”. Aqui é fundamental ser “menos humilde” na autocrítica, até porque baixamos demais a guarda e o fizemos por tempo demasiado longo. Por outro lado, ao tratar do assunto, o texto não dá a devida importância ao problema sistêmico do financiamento empresarial da política, dos partidos e dos processos eleitorais.

10.Por fim: concordo inteiramente com a maneira como o texto encerra. A saber: nosso “convite” só terá “eco quando provarmos que possuímos também infinitas forças para o enfrentamento”. Mas só mobilizaremos estas “infinitas forças” se ficar claro que não existe, nem pode vir a existir, entre os setores populares e as chamadas elites, um “consenso em torno dos grandes objetivos nacionais”.

São basicamente estas minhas observações e emendas ao texto, na esperança de que haja “consenso” entre nós e pedindo desculpas antecipadamente por algum erro de revisão.

Atenciosamente, saudações petistas

Texto 2

Prezado Rui Falcão

Agradeço o envio do subsídio referente ao Programa Nacional de Emergência, que será ponto de pauta da reunião do Conselho Consultivo da Presidência do PT.
Para otimizar, envio por escrito minhas considerações a respeito:

1.A conferência sobre Política Econômica precisa dedicar um tempo razoável para debater a crise mundial do capitalismo e seus vínculos com a situação do Brasil. Há tanto os que consideram que nossa crise é reflexo mecânico da situação internacional, quanto aqueles que consideram possível sair de nossa crise simplesmente repetindo ações que "funcionaram" noutro contexto internacional. Ademais, das diferentes opiniões a respeito da crise (e da profundidade de seus impactos no Brasil), deriva a maior ou menor radicalidade do Programa Nacional de Emergência. Por fim, a adesão política e social ao nosso Programa será tanto maior, quanto mais forte o convencimento de que estamos diante de uma situação nacional, regional e mundial de profunda crise estrutural.

2.A conferência sobre Política Econômica deve levar em consideração a existência, em nosso Partido (para não falar do governo), de diversas e algumas vezes antagônicas concepções a respeito da política econômica, bem como de diferentes avaliações sobre os governos Lula e Dilma, suas continuidades e descontinuidades. Não se trata apenas de "equívocos de diagnóstico". É por isto, aliás, que a recente troca de ministros não implicou numa mudança da política econômica; pelo contrário, o novo ministro já envelheceu.

3.A conferência sobre Política Econômica deve considerar que, para além da "conturbação política engendrada pelos grupos dominantes", existe também uma "conturbação econômica", ou seja, que o conjunto do grande capital está sob direção de uma fração de classe (o capital oligopolista) que pretende aprofundar a política neoliberal e por conta disto não "reage positivamente" aos estímulos pró-crescimento e distribuição de renda. Assim, mesmo que algumas medidas de nosso Programa Nacional de Emergência possam em tese ser do interesse econômico objetivo de determinados segmentos do grande capital, não se deve esperar que estes setores nos apoiem politicamente, pelo menos até que tenhamos superado a crise (lembrar sempre de Vargas).

4.Um Programa Nacional de Emergência voltado para a retomada do crescimento, numa lógica oposta à do receituário neoliberal, deve incorporar uma diretriz inserida por Celso Daniel na resolução do Encontro do Partido realizado em 2001, em Recife: não sairemos do modelo neoliberal sem ruptura. Em 2002, este conceito foi explicitamente retirado das diretrizes partidárias, e agora deve ser reintegrado com honras.

5.O Programa Nacional de Emergência envolve três tipos de medidas: a) medidas que não dependem do Congresso, que possuam efeito imediato ou quase, que contribuem para alterar rapidamente o estado de ânimo das bases sociais e eleitorais do governo; b) medidas que dependem em maior ou menor medida do atual Congresso, que deve ser pressionado pelas bases sociais e eleitorais reanimadas pelos efeitos daquelas medidas que não dependem do Congresso; c) medidas que dependem de uma nova correlação de forças, que deve ser constituída na eleição de 2018, tomando como base as mudanças iniciadas e propostas no Programa Nacional de Emergência. Esta hierarquização das medidas é pública e didática: trata-se de converter o plano de emergência num instrumento ao mesmo tempo econômico e político, a serviço da alteração da situação material e da alteração da correlação de forças.

6.A síntese do Programa Nacional de Emergência está em dobrar a aposta na opção que fizemos diante da crise de 2007-2008mais investimento público, mais desenvolvimento industrial, mais mercado interno, mais integração regional, mais políticas públicas, mais salário e emprego, mais Estado. Não basta repetir o que fizemos naquela época, porque a situação interna e internacional mudou.

7.Nosso Programa não supõe nenhum retrocesso institucional em relação aos patamares mínimos estabelecidos pela Constituição de 1988. Pelo contrário, nosso Programa visa criar as condições não apenas para impedir o retrocesso em relação aos avanços sociais que tenham sido obtidos desde 2003, mas também para prosseguir no caminho das mudanças.

8.O Programa Nacional de Emergência parte do pressuposto de que só haverá retomada sustentável do crescimento acompanhada de uma ampliação continuada dos direitos da classe trabalhadora, se forem atendidos três pressupostos: a) quebrar o domínio dos oligopólios sobre a economia, especialmente o oligopólio financeiro privado; b) reconstruir a indústria de bens de capital; c) ampliar e baratear a oferta dos bens que compõem a cesta básica (alimentos, transporte, moradia, saúde, educação etc.). Pressupostos que só se materializarão se houver ampliação da intervenção estatal, inclusive em termos de reforma agrária, reforma urbana e políticas universais.

9.Cabe ao Estado transformar em investimento industrial e social os recursos que hoje estão "socialmente esterilizados" pelo capital financeiro. Noutras palavras, trata-se de lançar mão dos recursos orçamentários que hoje financiam o capital financeiro, em benefício de um ciclo de investimentos, dirigidos no fundamental ao mercado interno e ao mercado regional. Isto exigirá, entre outras medidas, um alongamento compulsório do serviço da dívida pública e sua conversão em bônus compulsórios no plano de crescimento.

10.Um dos motivos pelos quais a "a adoção de um plano audacioso de investimentos públicos e expansão dos gastos sociais" deve ser baseada na "drástica redução das transferências financeiras do Estado para grupos privados" (combinada com o uso das reservas internacionais), é que esta drástica redução pode ser em grande medida implementada pelo governo, enquanto a "implementação de mudanças tributárias progressivas" depende em grande medida do Congresso.

11.A "diminuição da taxa básica de juros" é fundamental, mas não é suficiente. Da mesma forma como a existência de um oligopólio da comunicação obstrui a democracia, a existência de um oligopólio financeiro obstrui o crescimento com ampliação dos direitos. É preciso tomar as medidas políticas, administrativas e legislativas necessárias para que o setor financeiro público tenha predominância e para que o setor financeiro privado tenha papel secundário, de caráter regional e subordinado.

12.O Programa Nacional de Emergência dará destaque, como parte do programa de reconstituição da indústria de bens de capital: a) ao papel da Petrobrás (a esse respeito, é preciso derrotar a ação combinada entre setores do governo e da oposição de direita, que está promovendo a retomada da privatização, além de buscando reverter as políticas de conteúdo nacional e de partilha); b) ao papel da Vale (que deve ser retomada pelo poder público); c) a um plano de obras públicas que, a partir da construção civil, gere um efeito positivo em todo o setor industrial (destaque-se o impacto que obras de habitação e saneamento terão sobre epidemias como as causadas pelo Aedes).

13.Enfim, mesmo concordando com grande parte do que está no texto de Subsídios, me parece que: a) falta realismo (ou seja, mais radicalismo) no tema dos oligopólios, especialmente no caso do capital financeiro; b) falta detalhamento no tema da política industrial (por exemplo, o caso da Petrobrás); c) falta incluir medidas que ampliem e barateiem a oferta dos bens que compõem a cesta básica, sem as quais teremos um desenvolvimentismo conservador. Como demonstração de que nossa política de enfrentamento da crise é oposta a dos neoliberais, o governo deve adotar imediatamente algumas medidas de grande impacto que elevem o emprego e a renda dos setores mais vulneráveis da classe trabalhadora.

Atenciosamente, saudações petistas













terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Sobre a crítica de Milton Temer

Os tempos andam duros para todo mundo que é de esquerda.

Andam especialmente duros para quem não entende como aquilo deu nisso.

É o caso daqueles setores da “esquerda da esquerda” que acreditam que o PT seria um instrumento da classe dominante.

É o caso, também, dos ultramoderados que acreditavam que o PT estaria demonstrando como salvar o capitalismo brasileiro de si mesmo.

A vida derrotou ambas posições.

Mas é duro reconhecer o erro, mais fácil acusar os outros de incoerência.

É assim que interpreto a crítica que Milton Temer faz a uma entrevista recente que divulguei nas redes sociais.

A entrevista criticada por Temer está disponível no endereço:

http://www.pagina13.org.br/pt/valter-pomar-o-governo-esta-capitulando-ao-programa-da-direita-motivo-pelo-qual-o-alvo-agora-e-o-pt-e-lula/#.VsyPy8eFeOM

Sujeito educado e por quem tenho o maior respeito e carinho pessoal, Temer primeiro me afaga.

Diz que sou “do campo combativo do saudoso PT” e que eu teria “consistente formação teórica”.

Afaga, para em seguida descer o porrete.

Diz que dou “nó em pingo d’água”, para convencer meus leitores de que “só agora, há uma guinada à direita, com as últimas propostas do governo Dilma”.

Respondo: leia o que escrevi desde o início de 2015, ou até antes da posse.

Desde o primeiro dia falo que o governo está sofrendo de torcicolo.

Mas agora há uma evidente mudança de qualidade.

Tanto é assim que o próprio Temer escreve que agora estaria ocorrendo um desmonte “definitivo” (sic) da Seguridade Social.

Outro assunto: Temer pergunta ironicamente se eu esqueci das “primeiras medidas tomadas por Lula quando eleito em 2002”.

Respondo: claro que não esqueci.

Tenho uma memória de cão.

Lembro não apenas do que Lula fez e deixou de fazer, como lembro também das posições de direita defendidas por figuras do PSOL, agora e também quando militavam no PT.

Agora, o que não me esqueço mesmo é que política não é ajuste de contas pessoal.

Política é luta pelo poder entre classes sociais, entre grandes forças políticas.

Temer goste disto ou não, se a direita quer destruir o Lula, a esquerda tem a obrigação de defender o Lula.

Temer pergunta se eu pretendo “convencer alguém de que Lula é aquilo que o próprio faz questão de afirmar nunca ter sido?”

Respondo: de jeito nenhum.

Aliás, não sou nem nunca fui lulista. Sou petista.

Acontece que a direita não quer destruir o Lula pelos seus defeitos, que obviamente existem.

A direita quer destruir o Lula pelas suas qualidades.

Temer insiste em não entender isto.

E como não entende isto, não compreende que não basta “não entrar” no “cantochão absolutamente desprezível do combate sujo e despolitizado a Lula”.

Lavar as mãos não basta.

Por fim: Temer lamenta o que o “lulopragmatismo conseguiu fazer em cabeças pensantes”.

Sugiro que ele pense antes no que o anti-lulismo fez e faz com outras cabeças pensantes.


Por fim, uma historinha que me veio a mente, sei lá por qual motivo: quando os nazistas invadiram a URSS, não faltou quem ficasse lembrando isto ou aquilo da história recente. Mas fez certo quem colocou em primeiro lugar a missão de derrotar o nazismo.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Entrevista


Entrevista concedida ao Luis Tejero
http://www.luistejero.com

  • A presidenta Dilma Rousseff está tentando retomar a iniciativa neste começo do ano político. Entre todas as medidas que o Governo avalia como necessárias para superar a crise (prorrogação da DRU, volta da CPMF, reforma da Previdência...), qual deveria ser a prioridade?

A presidenta não está retomando a iniciativa. Para citar um texto do Alexandre Fortes a respeito de outro assunto, o que a Presidenta está fazendo "talvez possa ser resumida pela clássica frase do jogador João Pinto, do Benfica: 'O time estava à beira do abismo, mas tomou a decisão correta e deu um passo à frente'..."
Ou seja, frente a um ataque da direita, a presidenta foi defendida pela esquerda, mas as medidas apontadas como necessárias para superar a crise adotam o receituário da direita e prejudicam a esquerda, a classe trabalhadora, o povo.
A prioridade, em minha opinião, deveria ser outra: reduzir os juros, investir bilhões na produção, no desenvolvimento, nas políticas sociais, na geração de emprego e renda. Ou seja, dobrar a aposta que fizemos diante da crise de 2007-2008.

  • Nas próximas semanas veremos o embate nas ruas entre os defensores do Governo Dilma (e também do ex-presidente Lula) e os movimentos pró-impeachment. Porém, a minha impressão é que o ambiente está bem mais calmo que entre março e agosto do ano passado. Haverá um novo acirramento agora que passou o carnaval?

Haverá, não. Há um acirramento. A diferença é que o governo está capitulando ao programa da direita, motivo pelo qual o alvo agora é no fundamental o PT e o presidente Lula. A direita, o oligopólio da mídia e o grande capital continuam acenando com o impeachment, que continua sendo uma ameaça. Mas o bombardeio principal é contra Lula e o PT. Um dos líderes do PSDB na Câmara dos Deputados pediu a cassação da legenda do PT. E o juiz Moro vazou para a imprensa investigações diretas contra Lula. Portanto, a direita decidiu não apenas acirrar, mas está disposta a impedir que possamos disputar as eleições de 2018. O lado positivo é que isto demonstra que não somos cachorro morto.

  • Nos últimos dias corre o rumor de que um grupo do PT está planejando a criação de um novo partido mais à esquerda, talvez depois das eleições municipais. Pode realmente acontecer uma cisão?

Nos momentos de crise, existe de tudo: gente desanimada, desesperada, desbundada, desmoralizada, desmobilizada. Assim como há oportunistas preocupados não com o futuro do país, ou da esquerda brasileira, ou do PT, mas sim com terem uma legenda para disputar nas próximas eleições. Cá entre nós, se alguém quer sair do PT por razões políticas, saia logo. Escolher uma data para sair por conta da legislação eleitoral não é demonstração de que desejam algo mais à esquerda. Pelo contrário, quem age assim quer algo com todos os defeitos do PT, mas sem suas qualidades. Isto posto, não acho que esteja no cenário nenhum tipo de cisão. O risco, como expliquei antes, vem da direita, vem da tentativa da direita destruir, interditar, inviabilizar a existência do PT. Este é o risco. Frente a este risco, o resto é coisa menor. 

  • Como se vê, dentro do PT, a chegada de um liberal à presidência da Argentina e a recente vitória da oposição de direita na Venezuela? Está havendo uma mudança de rumo na região, ou são apenas casos pontuais?

Está em curso, há tempos, uma contraofensiva da direita. Não há nada de pontual, é um processo sistêmico, que tem relação com a crise internacional e seus efeitos na região, tem relação com o fato da direita ter aprendido com nossas vitórias e tem relação com as debilidades, deficiências e erros da própria esquerda e de nossos governos. A questão, portanto, não é se está havendo uma mudança de rumo. A questão é se esta mudança de rumo se completará, resultando em muitos anos de hegemonia conservadora; ou se vamos conseguir impedir que esta mudança de rumo se complete e, com isto, vamos retomar a ofensiva da esquerda. Em 1939, os nazistas sonhavam que o terceiro Reich ia durar centenas de anos. Virou pó. É este o estado de ânimo que nós, de esquerda, devemos ter frente a direita. Até porque, se não os enfrentarmos e derrotarmos, o preço será muito alto e será pago pela classe trabalhadora de agora e das futuras gerações.