sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Repetindo o mantra

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Editorial
Repetindo o mantra
A vitória da direita nas eleições presidenciais argentinas, o resultado das eleições parlamentares venezuelanas e a situação política brasileira confirmam que está em curso uma contra-ofensiva regional das direitas latino-americanas, com a devida contribuição de seus aliados nos EUA e Europa.
Não estamos surpresos com isto. Desde pelo menos 2008, análises publicadas no Página 13 vem alertando para a existência desta contraofensiva, negada tanto por setores governistas quanto por setores esquerdistas.
Derrotar os governos do Brasil, Venezuela e Argentina provocará a desarticulação do processo de integração regional latino-americano e caribenho e afetará os BRICS. Tirar o PT do governo brasileiro é parte essencial deste processo.
No caso brasileiro, está em curso uma ofensiva simultânea da direita partidária, da direita social, da alta burocracia de Estado, do grande capital e do oligopólio da mídia.
Não existe um “comitê central” coordenando esta ofensiva de direita. Além disso, os diferentes setores citados no ponto anterior adotam frequentemente táticas também diferentes, que oscilam em torno de duas variantes fundamentais:
a) os que preferem empurrar o governo Dilma a implementar o programa econômico de Aécio Neves, desgastando o PT e facilitando assim a eleição, em 2018, de um presidente do campo tucano;
b) os que preferem o afastamento da presidenta Dilma, por exemplo via impeachment seguido imediatamente de novas eleições ou então via impeachment com Michel Temer assumindo a presidência (possibilidade que explica o tucaníssimo texto programático divulgado recentemente pelo PMDB).
Embora existam diferenças táticas, há também um amplo consenso estratégico na direita em torno dos seguintes objetivos:
a) realinhar o Brasil ao bloco internacional comandado pelos Estados Unidos (portanto, afastando-o tanto dos BRICS quanto da integração latino-americana);
b) reduzir os níveis de remuneração, direta e indireta, da classe trabalhadora brasileira (o que inclui desde alterações na legislação trabalhista até cobrança de serviços públicos, passando por revisão nas políticas de reajuste do salário mínimo e repressão à movimentos sociais reivindicatórios);
c) reduzir o acesso dos setores populares às liberdades democráticas em particular e aos direitos humanos e sociais em geral.
Para derrotar a direita, é preciso fazer o PT alterar seu comportamento e sua estratégia; e é preciso fazer o governo mudar de politica, especialmente (mas não só) de política econômica. Este continuará sendo nosso mantra durante o ano de 2016, pois este é o caminho mais seguro para a vitória da classe trabalhadora.
Boa leitura e um 2016 de muitas lutas!!!
Os editores 
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quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O PT deve expulsar Delcídio Amaral?

(texto que será apresentado para debate na reunião da direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, que ocorrerá nos dias 28 e 29/11/2015)


1.O Supremo Tribunal Federal determinou a prisão preventiva do Senador Delcídio Amaral (PT-MS), basicamente sob a acusação de tentativa de obstrução da Justiça, configurando flagrante delito.

2.O Supremo Tribunal Federal tomou esta decisão com base em gravações de diálogos mantidos pelo Senador com outras pessoas, algumas das quais também foram presas. Não se conhece ninguém que questione a autenticidade e legalidade das referidas gravações, nem tampouco a gravidade do que ali é dito.

3.O Senado Federal decidiu, em votação realizada depois da prisão, validar a prisão. A maior parte da bancada do PT votou contra, argumentando que não estaria sendo respeitado aquilo que a Constituição prevê como condição para a prisão de um mandatário popular.

4.Não se trata de um tema simples, envolvendo desde interpretações da Constituição até a análise do significado político da prisão do líder do governo Dilma no Senado Federal.

5.Isto posto e por isto mesmo, somos de opinião que a maioria da bancada do PT no Senado Federal errou. Ao Partido dos Trabalhadores e ao Governo Dilma interessa separar o joio do trigo. E o fato é que o Senador Delcídio Amaral traiu a confiança do governo, traiu a confiança do PT, traiu a confiança do eleitorado popular. 
6.É verdade que o STF aplica, contra petistas e filiados ao PT, um rigor que não adota quando se trata de filiados a partidos de centro-direita. Exemplo disto é o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB), que até este momento segue solto. Entretanto, não é de esquerda a tese segundo a qual enquanto não restaura-se a moralidade, locupletar-se é permitido. Está provado que o Senador usava o cargo para tentar cometer um crime, em benefício próprio e em prejuízo dos interesses do Brasil, do governo e do próprio PT, que seriam inevitavelmente acusados de estarem por trás da eventual fuga do criminoso que Delcídio Amaral queria impedir de colaborar com a Justiça.

7.Por tudo isto, a bancada do PT no Senado deveria ter votado a favor de chancelar a prisão preventiva determinada pelo STF. E com muito mais motivos -- pois neste caso não está em jogo uma interpretação da Constituição, mas sim o estatuto e o código de ética do Partido-- , a Comissão Executiva Nacional do PT deve abrir imediatamente um processo disciplinar contra o senador, reafirmando o caráter pessoal e anti-partidário de suas ações e sinalizando explicitamente a disposição de expulsá-lo do Partido.

8.O presidente nacional do PT, companheiro Rui Falcão, divulgou uma nota na qual declara perplexidade com a atitude do Senador. Apoiamos o presidente do Partido em sua atitude de não prestar solidariedade a Delcídio Amaral, mas não compartilhamos de sua perplexidade. 

9.Registre-se que quando Delcídio Amaral pediu filiação ao PT, nós da tendência petista Articulação de Esquerda recorremos contra no seu diretório municipal. Derrotados, impugnamos a filiação no Diretório estadual do PT-MS. Derrotados, questionamos a filiação junto ao Diretório Nacional. Nós sabíamos quem ele era, acompanhamos sua trajetória pública desde então e por isto não estamos perplexos.

10.Não é necessário lembrar agora, quem patrocinou, apoiou, deu os votos necessários ou simplesmente lavou as mãos, permitindo por ação ou omissão a filiação de Delcídio Amaral. 

11.Mas aquele erro está na origem do que ocorre agora, quando o conjunto do Partido sofre os efeitos da filiação de alguém que nunca teve qualquer passado de esquerda. E que em diversas oportunidades -- por exemplo na CPI dos Correios, no processo do chamado mensalão, na discussão do regime de partilha do petróleo, nos temas indígenas etc.--  demonstrou ter uma mentalidade empresarial e tucana, traindo inclusive aqueles que estimularam sua filiação ao PT.

12. O caso de Delcídio Amaral, assim como os de André Vargas e Candido Vaccarezza, são sintomáticos da falta de critério, da falta de vigilância, da falta de limites, do oportunismo e do pragmatismo que predominam em certos setores do Partido. 

13.Se quiser sobreviver ao cerco da direita, o PT não precisa apenas mudar de política, precisa também mudar de comportamento. O que significa, em casos como este, que precisamos depurar. Por tudo isto, o PT deve expulsar Delcídio Amaral.

A crise atual e o futuro do PT

(projeto de resolução, versão em debate e sujeita a alterações)

1. Os próximos dias, semanas e meses serão marcados por um agravamento da situação internacional e nacional. A classe trabalhadora, as organizações populares e cada militante devem preparar-se para enfrentar e vencer batalhas cada vez mais duras e perigosas. Nosso pior inimigo são os que subestimam a gravidade da situação: vivemos tempos de guerra e, por isto, precisamos de um partido para tempos de guerra.

2. No cenário internacional, falar de guerra não é uma metáfora. Como aconteceu em outros momentos de predomínio e crise do capitalismo, a guerra econômica entre classes e nações deriva para conflitos militares cada vez mais intensos. O atentado terrorista cometido na França e a derrubada de um avião russo pela força aérea turca são peças de um quebra-cabeças cujo desdobramento lógico – que, portanto, ainda pode ser evitado-- será um conflito militar em larga escala, cujo principal motor é o esforço desesperado que as potências imperialistas fazem para reverter seu declínio e restaurar sua plena hegemonia. Como naqueles outros momentos da história, há muitos que dizem ser impossível ou improvável um conflito militar em larga escala. De nossa parte, cerramos fileiras com aqueles que lutam pela paz, mas não temos nenhuma ilusão acerca dos propósitos do imperialismo, nem dúvidas acerca dos desdobramentos cada vez mais prováveis desta escalada da insensatez.

3. No cenário regional, falar de tempos de guerra pode deixar de ser metáfora. A vitória da direita nas eleições presidenciais argentinas -- por uma diferença menor do que a apregoada pelos meios -- foi acompanhada imediatamente de uma exibição pública dos cavernícolas. Um exemplo disto foi o editorial do jornal La Nacion, que de fato faz uma defesa aberta dos responsáveis pelo genocídio de 30 mil argentinos durante a ditadura militar naquele país. Setores da oposição de direita venezuelana dão sinais de que também pretendem, a depender do resultado das eleições parlamentares de 6 de dezembro, subir o tom e a forma de seu combate contra a República Bolivariana da Venezuela. A integração regional autônoma frente aos EUA corre sérios riscos.

4. No Brasil, os setores de ultradireita seguem ganhando destaque no discurso hegemônico na coalizão de forças responsável pela ofensiva conservadora. Os direitos dos pobres, das juventudes, dos negros e negras, das mulheres, da classe trabalhadora, os direitos humanos e democráticos, os direitos civis, a liberdade de organização sindical e partidária, os direitos sociais, tudo vai sendo empacotado e apresentado como parte de uma grande conspiração “lulo-petista-comunista-bolivariana” que precisa ser extirpada, para que o Brasil possa seguir adiante. Com este discurso, prepara-se o terreno não apenas para uma vitória neoliberal nas eleições de 2016 e 2018, não apenas para uma supressão dos direitos previstos pela Constituição de 1988, mas também para o regresso de traços típicos do Brasil pré-revolução de 1930.

5. Os principais traços da presente conjuntura são, portanto: a contraofensiva conservadora no plano nacional e no regional, num contexto internacional marcado pela crise do capitalismo e por ações do Estados Unidos e aliados em busca de reverter o declínio de sua hegemonia global. Nesta conjuntura, o centro da nossa tática consiste em deter a ofensiva conservadora no Brasil, recuperar protagonismo em âmbito regional e contribuir com outros BRICS, especialmente no sentido de interromper a tendência dos EUA de buscar uma saída militar para os conflitos internacionais.

6. A contraofensiva conservadora consiste numa operação simultânea, em paralelo, de diferentes setores: a direita social (em que têm grande influência “coxinhas” e “cavernícolas”); a direita partidária (em que disputam hegemonia o PSDB e o PMDB); a direita midiática (na qual também há táticas distintas, por motivações políticas ou financeiras); a direita empresarial (a quem interessa sobremaneira a redução dos ganhos da classe trabalhadora); e a direita incrustrada no aparato de Estado (especialmente na Justiça e nas Forças Armadas). Paradoxalmente, a inexistência de um centro único de comando tornou-se um fator que contribui para a contraofensiva de direita, isto por três motivos principais: a) eles têm unidade estratégia; b) eles têm divergências táticas, mas suas duas táticas alimentam-se reciprocamente; c) eles enfrentam uma esquerda divida na estratégia, dividida na tática, na defensiva e na qual destacam-se uma quinta-coluna e uma “tendência suicida”.

7. As diferentes direitas estão unidas em torno dos seguintes objetivos estratégicos: realinhar o Brasil ao eixo comandado pelos Estados Unidos, nos afastando da integração regional e dos BRICS; reduzir o nível de remuneração, direta e indireta, da classe trabalhadora brasileira; reduzir o nível de liberdades democráticas, direitos humanos e sociais da população brasileira. Não se trata apenas, portanto, de reconquistar o governo; seus objetivos estratégicos supõem reduzir ao mínimo possível a influência da classe trabalhadora e da esquerda sobre os rumos nacionais. Por este motivo, iludem-se os que ainda dizem frases do tipo: “eles não terão coragem”, “eles não irão até este ponto”. Eles irão até onde for necessário, especialmente no que diz respeito ao “programa máximo” da chamada Operação Lava Jato: atingir Lula.

8. As diferentes direitas dividem-se em torno de duas táticas: a) os que defendem concentrar energias em fazer o governo Dilma cumprir o ajuste fiscal, desmoralizando assim o PT e a esquerda e pavimentando o caminho para uma vitória eleitoral “limpa” dos neoliberais em 2018; b) os que defendem afastar o mais rápido a presidenta Dilma, assim como interditar o mais rápido tanto o PT quanto Lula, para evitar qualquer possibilidade de surpresa eleitoral por parte das esquerdas em 2018. Embora diferentes, as duas táticas alimentam-se reciprocamente: a tentativa de impeachment e operação de criminalização do PT e Lula servem para acuar setores da esquerda e empurrar o governo para uma política cada vez mais conservadora; ao tempo que um governo que promove e um partido que assiste sem reagir a uma política de ajuste fiscal recessivo tornam-se cada vez mais fáceis de interditar. Deste ponto de vista é especialmente grave que setores do governo falem em parcelar o aumento do salário mínimo e adiar reajustes já acertados com os servidores, indicando para 2016 um cenário ainda mais grave do que o atual.

9. As diferentes direitas, apesar de divididas e sem comando único, avançam porque no fundamental não têm enfrentado reação à altura e porque contam com os efeitos corrosivos da política econômica. Os movimentos sociais, setores dos partidos de esquerda e setores do governo tentam reagir, às vezes com mais, às vezes com menos êxito. Mas o núcleo central do governo e o setor majoritário na direção nacional do PT não têm contribuído com a resistência.

10. No caso do grupo majoritário do PT, predomina a passividade, a inércia, a reação retardada, o cálculo miúdo e a contemporização com os erros nossos (especialmente aqueles evidenciados na Operação Lava Jato) e com os crimes da direita. No caso do núcleo central do governo, predomina a política de ajuste recessivo e a atitude contemplativa frente a partidarização de setores da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal, bem como frente aos crimes cotidianamente cometidos pelo presidente da Câmara e pelo oligopólio da mídia.

11. O ajuste recessivo não vai resolver o problema fiscal, entre outros motivos devido à política de juros. Mas o ajuste recessivo provocou uma crise econômica profunda, ao reduzir a ação do Estado, exceto naquilo que favorece a especulação financeira. Como resultado, o povo vive pior do que antes, o governo se enfraquece diante dos inimigos e perde o apoio dos que o elegeram, causando ademais profunda divisão nas esquerdas.

12. A atitude contemplativa do governo frente aos crimes cometidos por seus inimigos nos faz pensar, cada vez mais, que o ministro da Justiça optou pela inação premiada. A declaração que o ex-secretário-geral do Partido, José Eduardo Cardoso, deu recentemente à revista IstoÉ é impossível de adjetivar, salvo ofendendo sensibilidades mais refinadas. Afinal, como é possível ouvir dizer que a lei é para todos, quando todos sabem que para petistas nem mesmo a lei vem sendo cumprida??? Até mesmo a imprensa conservadora, hipocritamente, questiona os dois pesos e duas medidas, presente por exemplo na tramitação do "mensalão tucano" e do "trensalão de Alckmin", para não falar de que apenas tesoureiros do PT foram presos.

13. Frente a esta situação, temos pela frente quatro grandes tarefas: mudar a orientação do Partido dos Trabalhadores, mudar a orientação do governo, construir uma frente única das forças populares e deter a ofensiva conservadora, nas ruas, em 2016 e em 2018.

14. Reafirmamos nossa proposta de convocação imediata de um Encontro Extraordinário do PT, com delegados eleitos na base, para reorientar não apenas a tática, mas também a estratégia partidária. Caso a direção nacional do PT resista às evidências de que é preciso convocar imediatamente tal encontro, os delegados e delegadas ao recente Congresso devem reunir-se para tratar de tal convocação.

15. Reafirmamos nossa proposta de que o governo mude imediata e radicalmente a política econômica, assim como abandone o comportamento contemplativo frente à ofensiva da direita. Não fazer nada frente ao "programa máximo" da Operação Lava Jato é ser cúmplice.

16. Reafirmamos nossa proposta de Construção da Frente Brasil Popular, em defesa das liberdades democráticas, por outra política econômica e por reformas estruturais. É preciso instalar a Frente em todos os estados e em todas as grandes cidades do país, e convertê-la em dinamizadora da mobilização política e social.

17. Afirmamos que as eleições de 2016 devem ser encaradas como parte da disputa nacional, onde seremos chamados a defender o PT e a sustentar uma mudança de rumos no governo, de que depende no fundamental o resultado eleitoral. Motivo pelo qual repudiamos com veemência propostas como as de trocar Levy por Meirelles, que implicariam em manter o governo capturado pelo setor financeiro, de cujo desmonte depende sairmos da crise.

18. Setores importantes do Partido, inclusive setores do grupo atualmente majoritário no Diretório Nacional, concordam, parcial ou integralmente, com as preocupações e propostas anteriormente expostas. Mas o que predomina, pelo menos até agora, é um comportamento burocrático, defensivista, imobilista, cujo resultado prático tem sido criar confusão na nossa base (que esperava, por exemplo, uma postura clara e taxativa em favor da cassação de Eduardo Cunha) e nos fazer perder terreno, além de sinalizar para as direitas que não haverá resistência efetiva do lado de cá, na hipótese deles consumarem seu programa máximo: afastar Dilma, interditar o PT e Lula.

19. O grupo majoritário na direção nacional do Partido precisa compreender, antes tarde do que nunca, que ter maioria nas instâncias não é a mesma coisa que ter maioria no petismo. Precisa compreender, também, que não basta ter maioria: é preciso ter uma política e um comportamento que sejam capazes de coesionar o PT e outras forças da esquerda política e social, que sejam capazes de produzir vitórias no enfrentamento da contraofensiva da direita. Sem isto, a atual maioria do DN se tornará arquiteta de derrotas cada vez mais profundas. 

20. Quanto ao "comportamento", não podemos deixar de lembrar que desde 1995 até 2015, só há um cargo na executiva nacional do PT que nunca deixou de ser controlado pelo grupo majoritário: a tesouraria. Isto é revelador de uma concepção acerca de como formar maiorias. Concepção que, se continuar predominando, provocará danos irreversíveis ao nosso Partido, situação frente a qual não é suficiente nem correto alegar "perplexidade". Afinal, quando os malfeitos são cometidos por personagens como André Vargas, Delcídio Amaral e Candido Vaccarezza, personagens que nunca foram discretos no seu modus operandi e que tiveram papel tão destacado, é preciso reconhecer que há algo de errado nos controles internos e nos métodos de formação das maiorias partidárias.

21. Frente a esta situação tão difícil, refirmarmos o papel estratégico do Partido dos Trabalhadores. Uma derrota estratégica do PT, sob qualquer forma que possa ocorrer, seria acompanhada de um retrocesso brutal para o conjunto da esquerda brasileira, para o conjunto da classe trabalhadora e do povo, para o conjunto dos povos que lutam contra o imperialismo na região e no mundo. Estes são motivos mais do que suficientes para que não poupemos esforços no sentido de fazer, de nosso Partido dos Trabalhadores, um partido à altura dos tempos de guerra em que vivemos.

(projeto de resolução, versão em debate e sujeita a alterações)



terça-feira, 24 de novembro de 2015

1917-2017 Centenário da Revolução

Em março de 1917, o que era para ser uma grande manifestação em homenagem ao Dia Internacional da Mulher converteu-se numa greve geral que, após alguns dias, provocou a renúncia do Czar Nicolau e o fim da monarquia na Rússia.

Poucos meses depois, em novembro de 1917, o governo provisório republicano é derrubado. No seu lugar, instala-se o Conselho de Comissários do Povo, organismo eleito pelo Soviete de Deputados Operários, Soldados e Camponeses.

O principal dirigente do novo governo chama-se Vladimir Ilich Ulianov, conhecido como Lênin, principal dirigente da facção “bolchevique” do Partido Operário Social-Democrata Russo.

De 1917 até 1921, o novo governo luta por sua sobrevivência, ameaçada pelos exércitos alemães, pelos exércitos “brancos” (financiados pelos latifundiários e capitalistas) e pela desorganização da economia, após anos de conflito militar.

Neste período, prevalece o chamado “comunismo de guerra”, cuja expressão mais simples é a requisição forçada da produção dos camponeses, para alimentar as cidades e o Exército Vermelho.

Como resultado, o campesinato, que constituía a imensa maioria da população russa, reduz a produção e coloca-se paulatinamente contra o governo soviético. Para manter a aliança operário-camponesa e garantir o funcionamento da economia, o Partido Comunista Russo (denominação assumida, em 1918, pelos bolcheviques) adota a NEP (Nova Política Econômica).

Segundo esta Nova Política Econômica, os camponeses passam a ter o direito de vender o excedente de sua produção, devendo apenas pagar impostos ao governo. Acabam as requisições forçadas. Os camponeses voltam a abastecer as cidades.

De 1921 até 1927, os comunistas russos debatem os caminhos para a construção do socialismo naquele país.

Contra as expectativas alimentadas pela liderança bolchevique quando da tomada do poder, em nenhum outro país a revolução havia vencido. O isolamento internacional era agravado pelas características da sociedade russa, economicamente atrasada e tida como um país em que poderia ser mais fácil começar a revolução, mas onde seria muito mais difícil construir o socialismo.

Entre as várias polêmicas daquele período, uma das mais importantes dizia respeito a como ampliar a industrialização do país, cuja economia era majoritariamente composta pela pequena produção familiar camponesa.

Grosso modo, dois caminhos foram propostos. O primeiro deles prevê um longo período de estímulo à pequena produção camponesa, cujo crescimento econômico geraria as bases para uma ampliação da indústria. O segundo deles prevê reduzir o número de pequenas propriedades camponesas (que seriam reunidas em cooperativas ou fazendas coletivas), gerando assim o mercado (tanto de mão-de-obra, quanto de consumo) necessário para uma industrialização rápida.

No final dos anos 20, o Partido Comunista Russo opta pelo caminho da coletivização e industrialização forçadas. O campesinato é forçado a adotar formas coletivas de produção. Os operários são convocados a um brutal esforço produtivo. A expressão política e ideológica desse processo é um dos aspectos do que se convencionou chamar, posteriormente, de estalinismo.

Dez anos depois, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas transforma-se numa potência industrial, que se demonstrará capaz de derrotar a máquina nazista, na Segunda Guerra Mundial.

A opção pela coletivização e pela industrialização rápida foi, do ponto de vista econômico-social, uma nova revolução. A principal transformação foi que milhões de pessoas deixaram de ser pequenos proprietários e transformaram-se em operários (industriais ou agrícolas).

A nova classe operária, surgida deste processo, não tinha a experiência política prévia, adquirida ao longo de muitos anos, pelo proletariado que protagonizou a revolução de 1917. Os novos operários, bem como a maioria dos novos integrantes do Partido Comunista, eram recém-saídos das fileiras do campesinato. Sua principal escola havia sido a guerra, seu principal traço psicológico era a crença de que a vontade política era capaz de superar qualquer desafio.

Nesse contexto social, o Partido Comunista também sofre grandes mudanças. Em 1917, quando a revolução começa, os bolcheviques eram menos de 15 mil. Em 1921, são mais de trezentos mil. No final dos anos 1920, o PC russo e as organizações de massa que ele dirige reúnem milhões de pessoas.

Em decorrência, o trabalho de educação política ganha uma nova dimensão. As escolas, o cinema, a rádio, as artes gráficas, a literatura são colocadas a serviço da formação destes milhões de “homens novos” do socialismo soviético.

Trata-se de incutir, em dezenas de milhões de pessoas, os valores da nova ordem. A fusão entre as “artes” e as necessidades educacionais e políticas do regime soviético dá origem, assim, ao chamado “realismo socialista”.

A decisiva contribuição dada na derrota dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial transforma a URSS em um dos pólos do poder mundial, contrapondo-se durante a “guerra fria” aos Estados Unidos.

Embora tenha sido capaz de derrotar o capitalismo existente até a Segunda Guerra, o socialismo de tipo soviético não foi capaz de derrotar o capitalismo surgido posteriormente. As tentativas de reforma política e econômica não tiveram êxito e a última delas, realizada na segunda metade dos anos 1980 sob a liderança de Mikail Gorbachev, resultou no desmanche da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Quase três décadas passaram-se desde então. A URSS não existe mais. A revolução russa vai comemorar 100 anos. Mais que uma efeméride, a data é uma oportunidade para que a classe trabalhadora conheça, estude e extraia, tanto da revolução quanto da trajetória do Estado por ela criado, ensinamentos úteis para a luta pelo socialismo no século XXI.


Com este propósito, a Associação de Estudos Página 13 – através da Editora, do jornal Página 13 e da revista Esquerda Petista— promoverá um conjunto de atividades. E proporá, às demais forças políticas e sociais de esquerda, a realização de grandes atividades conjuntas, nacionais e internacionais, para marcar o centenário da revolução russa de 1917. Acompanhe pelo site www.pagina13.org.br as iniciativas propostas. E lembre: cem anos não são nada!!!

domingo, 22 de novembro de 2015

Sabáticos

http://www.pagina13.org.br/publicacoes/editora-pagina-13-lanca-o-livro-sabaticos-de-valter-pomar/#.VlG373arSUk

Apresentação
Sabáticos é uma coletânea de textos escritos e publicados entre 3 de dezembro de 2013 e 3 de dezembro de 2014. Na primeira data, deixei de ser dirigente profissionalizado do Partido dos Trabalhadores. Na segunda data, fui aprovado no concurso para professor de economia política internacional da Universidade Federal do ABC.
Ao longo daqueles doze meses, que considerei como um “período sabático” (daí o título desta coletânea), escrevi dezenas de textos – alguns publicados com a minha assinatura, outros não – geralmente publicados nowww.valterpomar.blogspot.com.br
Sabáticos reúne tais textos, submetidos a uma triagem que eliminou basicamente repetições e informes organizativos, bem como exclui a resenha de cada um dos 50 volumes das Obras Completas de Lênin, trabalho que reservei para uma publicação que pretendemos editar em homenagem aos 100 anos da revolução russa.
A coletânea que o leitor tem em mãos concentra-se, em sua maior parte, no debate sobre a linha política do PT, do governo Dilma e da campanha eleitoral de 2014.
No blog, o leitor poderá encontrar não apenas os textos publicados neste livro, mas também – em muitos casos – a versão integral das entrevistas, artigos e documentos com os quais polemizo.
Concluo reafirmando o que é dito no trecho final do último artigo desta coletânea: venceremos. Mesmo que às vezes pareça ser contra quase tudo, contra quase todos e contra a maioria de nós mesmos, venceremos.

Nota editorial
Esta coletânea inclui três tipos de textos: roteiros de cursos, aulas e palestras; artigos assinados; e textos de autoria e/ou assinatura coletiva, em cuja elaboração contribui.
Ao pé de cada texto, é indicado o endereço eletrônico onde encontrar a versão original. Isto é importante no caso dos textos que polemizam com artigos e/ou entrevistas de terceiros que foram publicadas na grande imprensa; bem como no caso dos raros textos que sofreram modificações em relação a sua versão original.
Valter Pomar
30 de outubro de 2015

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Entrevista II

Entrevista concedida a Carolina Ernst, repórter do Portal PUC-Rio Digital.

Em sua opinião, como a política internacional americana foi redirecionada? (Que ações evidenciam?)

Na sua primeira campanha, Obama prometeu uma política econômica diferente de Bush. Mas seu governo, por diversos motivos, manteve no fundamental uma política externa similar a de seu antecessor. Agora, no seu segundo mandato, está claro um redirecionamento. Importante: não se trata de uma mudança nas intenções. Obama não é Gorbachev e os EUA não pretendem deixar de ser uma potência imperialista. A mudança fundamental diz respeito a como lidar com a China e com os aliados da China. Isto exige reduzir outras zonas de conflito, para concentrar energias no que eles consideram o inimigo principal. Os tratados interoceânicos e as alterações na doutrina militar (que vem de antes) são ações que evidenciam isto. 

Cuba e o Oriente Médio são, em sua opinião, exclusivos da agenda do século XX? Como traduzem sua importância no século XXI apesar de terem surgido anteriormente? Passaram para o segundo plano?

Nem Cuba nem Oriente Médio vão sumir do mapa. Portanto, seguem na agenda do século XXI. Num caso e noutro, com razões e processos distintos, os Estados Unidos enfrentam opositores com base social e visão estratégica de longo prazo. No Oriente Médio, o cenário é complicado pela política terrorista adotada há tempos pelos que controlam o Estado de Israel. Para os Estados Unidos, claro, interessa que estas e outras zonas de conflito passem para um segundo plano, pois isto libera forças e atenção para o conflito fundamental. Mas não acredito que isto ocorra assim. 
 

Como as relações dos Estados Unidos se transformaram de um século para outro?

As relações dos EUA com o mundo passaram por três grandes momentos: até o final do século XIX, seu foco estava na integração e desenvolvimento internos. Entre o final do século XIX e a metade do século XX, galgaram o posto de força hegemônica no campo capitalista. Entre o final da Segunda Guerra e o fim da URSS, praticaram e venceram a chamada Guerra Fria contra o campo socialista. Hoje eles enfrentam os desafios decorrentes desta vitória, que teve como efeito colateral trazer a tona os conflitos intercapitalistas, agregados ao papel que a China assumiu no final do século XX e início do século XXI. O grande desafio dos EUA hoje é deter e reverter o declínio de sua hegemonia.
 
Como o cenário mundial do século XXI se difere do XX?

No século XX tivemos três cenários globais: o período que vai até o final da Segunda Guerra; o período que vai do final da Segunda Guerra até o fim da URSS; e o período que se inicia então e vem até hoje. Este terceiro cenário (1990-2015) se diferencia do segundo (1945-1990) e se assemelha ao primeiro (1900-1945) no seguinte: tanto no primeiro quanto no terceiro, o conflito fundamental, que organiza os demais, é o conflito intercapitalista. Além disso, nos dois casos, há uma forte tendência a polarização social. 

Que aspectos do século passado são indispensáveis para entendermos o cenário atual?

Os efeitos do desenvolvimento capitalista, quando suas tendências destrutivas estão mais forte do que as contra-tendências.

Quais são os focos do século XXI?
Depende de quem foca. Do ponto de vista das classes trabalhadoras, o foco é como lidar com as tendências destrutivas do capitalismo, em todos os terrenos: econômico, social, político, militar e ambiental. Dito de outra forma, como -- através da disputa entre classes em cada país e da disputa entre Estados no terreno internacional -- derrotar o capitalismo, parcial ou completamente.

 Que país deve atrair a atenção dos EUA ainda nesse século? Alguma especulação?

Em primeiro lugar, os próprios Estados Unidos. A situação interna dos EUA é seu principal calcanhar de Aquiles. Em segundo lugar, a China. Em terceiro lugar, aqueles países que -- por diferentes motivos e através de diferentes meios-- não quiserem colaborar com o movimento de reafirmação da hegemonia dos Estados Unidos.

O avanço da China assusta os EUA. Até que medida influencia a sua postura? Que atitudes do governo chinês afligem?
O que aflige os Estados Unidos é que a China -- ao contrário da URSS -- não caiu, ao menos até agora, na armadilha da corrida armamentista. E está suplantando os EUA no terreno em que eles se achavam insuperáveis: o dinamismo econômico.

 
Como o Estado Islâmico e o terrorismo se encaixam nessa agenda? E os BRICS?

Há muito tempo os EUA adotam uma política de causar dificuldades para vender facilidades. Ou seja: criam o caos e depois se apresentam como os indispensáveis representantes da lei e da ordem, mais ou menos como certas milícias atuam no Brasil. O terrorismo e o Estado Islâmico são, neste sentido, criaturas dos EUA.
Quanto aos BRICS, são países que -- objetiva ou subjetivamente-- não contribuem com o movimento de reafirmação da hegemonia dos EUA. Portanto, o Estado Islâmico é um inimigo a convite. Já os BRICs são inimigos de verdade.

 
Há a previsão de mudanças nessa dinâmica devido às eleições presidenciais em 2016?
Previsão, não. Mas a política internacional dos EUA ainda não está consolidada, portanto pode sofrer inflexões, seja por mudanças no cenário internacional, seja por conta de quem estiver na presidência dos EUA.


Quais são os principais desafios, na sua avaliação, para a agenda geopolítica internacional no primeiro quarto do século XXI?

 
Não existem desafios universais, no sentido de que sejam realmente válidos para todos os participantes da arena internacional. Para nós do Brasil, eu diria que são os seguintes desafios: desenvolvimento intenso e rápido, aumentar a coesão social e a capacidade de defesa, ampliar a integração e defender a paz, mas preparar-se para turbulências internacionais cada vez maiores. Quanto ao desenvolvimento intenso com coesão social, isto implica em:
a) desenvolvimento de uma indústria forte e tecnologicamente avançada, com os desdobramentos que isto tem no âmbito da ciência e da engenharia nacionais (sem o que não se altera o "lugar" do Brasil na divisão internacional do trabalho);
b) a constituição de um setor financeiro poderoso e público (sem o que não haverá recursos para o desenvolvimento e continuaremos submetidos à ditadura do capital financeiro);
c) a reforma agrária e a universalização das políticas sociais (sem o que não há condições materiais para combinar crescimento econômico com elevação do bem-estar social);
d) a integração regional (possibilitando cadeias produtivas, economia de escala, recursos e retaguarda estratégica);
e) a construção de um Estado de outro tipo, baseado na ampliação da auto-organização da classe trabalhadora e na ampliação das liberdades democráticas do conjunto do povo, com destaque para quebra do oligopólio da comunicação, reforma política e do Estado, outra política de segurança pública e de Defesa, outra política de educação e cultura.

Entrevista I

Segue entrevista concedida ao Henrique Cézar, Presidente do Diretório Municipal de Socorro/SP e estudante de jornalista na UNESP/Bauru-SP.


O PT debateu por muitos anos qual o modelo de socialismo deveria adotar (um artigo seu na Caros Amigos chega a citar a existência de 4 grandes correntes ideológicas dentro do PT atualmente: social-liberalismo, desenvolvimentismo, social-democracia e socialismo). Após 35 anos de partido e 13 anos de governo, é possível definir qual socialismo o PT tentou adotar e implantar?

A opinião do PT sobre o socialismo se alterou muito, ao longo destes 35 anos. 
As formulações iniciais do Partido eram muito genéricas, mas foram ganhando consistência ao longo dos anos 1980. Um marco disto são as definições do V Encontro nacional (1987), que falam de um programa e de uma estratégia democrático-popular e socialista.
A crise do socialismo soviético e a ofensiva neoliberal perturbaram profundamente esta reflexão. 
No início dos anos 1990, a esquerda brasileira dividiu-se: 1) uma parte defendia manter a estratégia adotada pela esquerda
nos anos 1980; 2) outra parte defendia atualizar aquela estratégia às novas condições; 3) um terceiro setor defendia mudar de estratégia para aproximar-se das posições que na Europa e na América Latina eram conhecidas como "centro-esquerda". 
Em síntese, podemos dizer que a combinação entre ofensiva neoliberal e crise do socialismo de tipo soviético estimulou fortes mudanças no pensamento político e ideológico da maior parte da esquerda brasileira. Algumas destas mudanças já
vinham se acumulando de antes, como resultado de uma análise que se fazia desde os anos 1950 acerca dos limites do socialismo soviético e da estratégia proposta pelos partidos comunistas.
Não foram mudanças uniformes, até porque a esquerda brasileira não é nem nunca foi homogênea, representando diferentes setores sociais e expressando diferentes visões político-ideológicas. Qual foi o sentido predominante das mudanças no pensamento da esquerda brasileira, sob o efeito da crise do socialismo de tipo soviético?
As mudanças que nos parecem predominantes e fundamentais -- ou seja, aquelas mudanças que afetaram a maior parte da esquerda e que determinaram a partir de que postura esta esquerda atuou num cenário marcado pelo
deslocamento da correlação de forças em favor do Capital e do imperialismo-- foram as seguintes:
Cresceu o questionamento acerca do papel protagonista da classe trabalhadora e, de maneira mais ampla, acerca do papel das classes e da luta de classes no funcionamento e na transformação da sociedade brasileira.
Cresceu também o questionamento acerca do papel dos sindicatos e dos partidos políticos, bem como do significado mesmo da
"esquerda" e da "vanguarda".
Houve uma progressiva substituição do socialismo pelo desenvolvimento como ideia estruturante do pensamento de
grande parte da esquerda brasileira.
O que nos anos 1930 a 1980 era uma subordinação política (com setores da esquerda socialista e comunista apoiando os setores democráticos burgueses na luta contra os setores conservadores) converteu-se pouco a pouco numa subordinação teórica e ideológica: setores da esquerda adotando como seu programa máximo o capitalismo.
Derivado disto, a "revolução política e social" e as "reformas estruturais" foram sendo deixadas de lado em favor da promoção
de políticas públicas a serem implantadas por governos eleitos nos marcos de democracias eleitorais.
As grandes interpretações e narrativas típicas da tradição marxista foram sendo progressivamente substituídas, ou por visões
tradicionalmente vinculadas a tradição liberal-democrática e a conservadora, ou por discursos fragmentários cuja matriz de fundo
era um irracionalismo intelectual de tipo religioso.
Algumas destas mudanças deitam suas raízes nos anos 1950 e 1960. Outras nos anos 1970-1980, de luta contra a ditadura militar e contra a "transição conservadora para a democracia". Várias ganharam ímpeto no período 1990-2002, marcado pela oposição da esquerda aos governos neoliberais. Todas repercutem ainda hoje, no período 2003-2015, quando parte da esquerda brasileira participa do governo do país.
Tais mudanças ideológicas devem ser vistas no contexto de um processo mais amplo, que alterou as condições objetivas e subjetivas em que vive e atua tanto a classe trabalhadora quanto a militância de esquerda. Entre estas alterações, destacam-se: 1) a destruição e fragmentação do parque produtivo e a consequente redução, dispersão e fragmentação da classe trabalhadora assalariada, seja de sua fração industrial, seja de seus setores comerciais e de serviços; 2) a constituição de uma imensa massa humana que não encontra opções para vender sua força de trabalho, sendo muitas vezes obrigada a sobreviver de expedientes miseráveis e antissociais; 3) a cooptação de parcelas melhor remuneradas da classe trabalhadora, inclusive de amplos setores da intelectualidade profissional (professores, comunicadores, artistas) pelo modo de vida e pensamento neoliberal; 4) a renovação geracional da classe trabalhadora, num contexto de enfraquecimento da consciência e da solidariedade de classe; 5) e, ironicamente, a normalização da vida política do país, com eleições regulares de dois em dois anos, abrindo passo para americanizar as eleições brasileiras e domesticar paulatinamente parte das esquerdas.
Olhando em perspectiva histórica, o efeito global destas mudanças no pensamento político e ideológico da maior parte da esquerda brasileira teve um efeito paradoxal. Por um lado, a flexibilização sem traição permitiu à esquerda brasileira vergar como junco, sem quebrar, conseguindo manter uma força social e institucional nos anos 1990 e ganhar a presidência da República em 2002. Por outro lado, esta mesma flexibilização sem traição reduziu a capacidade da esquerda brasileira liderar transformações mais profundas na sociedade.
Pois as tais mudanças corresponderam a uma ampliação da hegemonia burguesa, tanto na classe trabalhadora quanto em vastos setores da esquerda, que incorporaram horizontes programáticos, paradigmas explicativos, prioridades políticas, métodos de financiamento, padrões de funcionamento e estilos de democracia interna típicos dos chamados partidos tradicionais.
Como resultado disto tudo, cresce o número dos que seguem reafirmando o socialismo, mas como "horizonte". Cresce o número dos que abandonam o socialismo enquanto alternativa globalmente superior ao capitalismo, transformando-o em missão civilizatória do próprio capitalismo (ou seja, em "valores" socialistas). Cresce o número dos que Identificam socialismo com democracia, economia de mercado e Estado de bem-estar. Ou seja, com socialdemocracia .
O enfraquecimento do socialismo como bússola e como alternativa concreta foi acompanhado pela conversão de amplos setores da esquerda, até então influenciados pelo marxismo, às ideias keynesianas e neoliberais.
Como fruto dessas alterações, a polarização dominante no debate da esquerda brasileira nos anos 1990 passou a dar-se entre duas correntes de opinião: o reformismo desenvolvimentista e o reformismo social-liberal, com as correntes socialistas (revolucionárias ou reformistas) geralmente reduzidas a apoiar as posições expressas pela corrente desenvolvimentista.
Enfim, há hoje um fosso enorme entre: 1) o que o PT diz em suas resoluções congressuais acerca do socialismo; 2) o que pensam a respeito os milhões de pessoas que são petistas; 3) o que o PT faz de concreto no sentido de lutar pelo socialismo.
Evidentemente, pelos motivos citados, até agora não tivemos nenhuma oportunidade de "aplicar" medidas socialistas. 

Hoje, vivemos a chamada maior crise da história do partido. Além dos escândalos que envolvem dirigentes petistas, a militância parece distante e até com um sentimento de traição. Contudo, durante as gestões de Lula e Dilma, conquistas importantíssimas aconteceram para o país. Como petista histórico que acompanhou vários processos dentro do partido, valeu a pena lutar para o PT chegar ao poder?

A classe trabalhadora brasileira ainda não chegou ao poder e, portanto, o PT não chegou ao poder.
Quem detém o poder no Brasil, hoje e desde 2003, é quem já detinha o poder.
Quanto a crise, não acho que sua causa esteja nos escândalos. O problema é de outra natureza: esgotou-se a estratégia adotada desde 1995. Como nos últimos 20 anos se deixou em segundo plano a estratégia, até mesmo na hora de entender a crise tem gente que só olha a árvore, sem perceber a floresta.
Note que a crise também existe na Argentina e na Venezuela.
Atinge, em maior ou menor menida, todos os governos progressistas da região, que são progressistas porque, em maior ou menor medida, com maior ou menor radicalidade, querem superar a hegemonia neoliberal. 
Entretanto, gostando ou não disto, admitindo ou não isto, todos atuam nos marcos desta hegemonia (ou seja, nos marcos da hegemonia do capital financeiro e transnacional, em especial dos EUA). Além disto (e por isto), todos os governos progressistas da região buscaram aproveitar-se da "janela de oportunidades" comerciais e de investimentos externos aberta, especialmente, entre 2000 e 2005.
De maneira muito simplificada, esta "janela" estava apoiada nas necessidades e interesses econômicos dos Estados Unidos e da China. Necessidades que geraram uma forte demanda por commodities, fornecidas entre outros pelo Brasil. Pois bem: desde a crise de 2007-2008, tanto a China quanto os Estados Unidos estão alterando os termos de sua relação. Entre os muitos efeitos disto, há dois que impactam pesadamente o conjunto dos denominados "países em desenvolvimento", inclusive os latino-americanos e caribenhos: o fim do que alguns chamam de super-ciclo de commodities e a redução (ao ponto da inversão) no fluxo de capitais vindo das "metrópoles".
Evidentemente, quem aproveitou aquela "janela de oportunidades" para fazer mudanças estruturais (tanto na economia quanto na política) está mais preparado para enfrentar a conjuntura aberta a partir de 2008. Quem, pelo contrário, não fez reformas estruturais neste período e – pior ainda—achou que a janela se prolongaria por ainda muito tempo, agora enfrenta maiores dificuldades. 
Que tipo de mudanças estruturais deveriam ter sido tentadas? Sobre isto há várias respostas, que correspondem aos diferentes interesses de classe e aos diferentes programas políticos existentes na sociedade brasileira.  Mas existe um critério objetivo para definir qual deveria ser o "programa mínimo" das reformas estruturais: o que está no centro do conflito entre as classes (dentro de cada país) e entre os Estados (no âmbito internacional).
Tomando este critério, as mudanças estruturais que deveriam ter sido tentadas, no caso brasileiro, a partir de 2003, são as seguintes:
a) desenvolvimento de uma indústria forte e tecnologicamente avançada, com os desdobramentos que isto tem no âmbito da ciência e da engenharia nacionais (sem o que não se altera o "lugar" do Brasil na divisão internacional do trabalho);
b) constituição de um setor financeiro poderoso e público (sem o que não haverá recursos para o desenvolvimento e continuaremos submetidos à ditadura do capital financeiro);
c) reforma agrária e universalização das políticas sociais (sem o que não há condições materiais para combinar crescimento econômico com elevação do bem-estar social);
d) integração regional (possibilitando cadeias produtivas, economia de escala, recursos e retaguarda estratégica);
e) ampliação da auto-organização da classe trabalhadora e ampliação das liberdades democráticas do conjunto do povo, com destaque para quebra do oligopólio da comunicação, reforma política e do Estado, outra política de segurança pública e de Defesa, outra política de educação e cultura (sem tais medidas, a classe dominante terá os meios para sabotar e reverter o processo de mudanças).
Como sabemos, no caso brasileiro, tais mudanças estruturais não foram tentadas. Melhoramos a vida do povo, sem fazer nenhuma destas reformas estruturais. Se olharmos outros países da América Latina e Caribe, veremos situações diferentes, que ajudam a compreender porque a mesma situação internacional provoca respostas políticas distintas, ainda que dentro de uma dinâmica similar.
Uma questão é: por qual motivo no caso brasileiro aquelas mudanças estruturais não foram nem ao menos tentadas? Isso obviamente remete para as opções ideológicas, programáticas, estratégicas e táticas feitas pela maior parte da esquerda brasileira ao longo dos anos 1990, opções que vem sendo testadas a partir de 2003.
No período dos Fernandos, a ofensiva neoliberal fez o país regredir, provocando como efeito colateral uma alteração nas concepções da esquerda brasileira, que fez o PT (força hegemônica na esquerda dos anos 1990) assumir posições estratégicas similares àquelas do PC e do PTB antes do golpe militar de 1964. A saber: uma aliança estratégica com setores da classe dominante, uma opção preferencial por mudanças via conciliação, bem como certa fé tocante nas instituições.
A maior parte da esquerda brasileira acreditou, aderiu e contribuiu com a referida estratégia que podemos denominar como de conciliação. Maximizou seus efeitos positivos e minimizou seus defeitos. Mesmo aqueles que percebiam os riscos, não tomaram as medidas corretivas necessárias.
Os riscos eram de três tipos. Primeiro, a progressiva perda de apoio na classe trabalhadora, nos setores populares em geral, nos chamados setores médios e na juventude, que de conjunto constituíram a base de apoio para o crescimento da esquerda ao longo dos anos 1990. Segundo, o risco da melhoria das condições de vida do povo provocarem -- lembrai-vos da taxa de lucro!!!-- uma mudança na posição daqueles setores do empresariado capitalista que pareciam engajados na política de conciliação. Terceiro, uma mudança no ambiente internacional, que estreitasse a margem de manobra de uma politica "ganha-ganha", que pretendia melhorar a vida dos pobres sem reduzir o lucro dos ricos.
Quando veio a crise de 2007-2008, o governo brasileiro reagiu bem: mais mercado interno, mais integração regional, mais Estado. Naquela ocasião, a Petrobrás foi fundamental. Mas, novamente, as mudanças estruturais não foram feitas. De forma geral, quando temos força e estamos bem, prevalece a ideia de que se tentar melhor, estraga. Na véspera das eleições de 2010, o debate na direção do Partido dos Trabalhadores demonstrou que parte importante não tinha consciência de que a marolinha converter-se-ia num tsunami, o que além das dificuldades gerais causadas para a economia brasileira, contribuiria para acelerar a mudança na posição do empresariado brasileiro.
Sem mudanças estruturais, esgotou-se rapidamente a capacidade do Estado investir. E frustrou-se também a tentativa de forçar o oligopólio financeiro privado a investir na produção. Frente a isto, o que fez o governo no período 2011-2014? Manobrou como pode o dia-a-dia do caixa, manteve uma política ortodoxa de juros e cambial, depositou imensas expectativas no papel dinamizador da Petrobrás e apostou nas desonerações contra a "greve de investimentos" do setor privado, na expectativa de que o empresariado privado respondesse com manutenção de empregos, ampliação na produção e redução nos preços. Como sabemos, manteve-se o desemprego sob controle, mas fora isto o grande capital beneficiado pelas desonerações preferiu apostar nas possibilidades abertas pela taxa de juros.
No período 2011-2014, o grande empresariado como um todo, inclusive os setores que haviam apoiado a política de conciliação, reclamavam uma mudança fundamental na "política econômica": que o governo detivesse e revertesse a política de ampliação do salário direto e indireto da classe trabalhadora. Como o governo não fez isto, o resultado foi o deslocamento de setores cada vez mais amplos do grande capital em favor da oposição. Este deslocamento já havia sido antecipado pelos setores médios. E, o mais grave, foi acompanhado também do deslocamento de camadas populares, inclusive na classe trabalhadora. O que explica o fato da eleição de 2014 ter sido não apenas vencida por Dilma, mas também quase perdida.
A disputa presidencial de 2014 não apenas foi duríssima, como teve continuidade após as eleições. Alguns setores da esquerda reclamam disto, num tom indignado que apenas demonstra as ilusões que há entre nós, tais como acreditar que a direita brasileira respeita as instituições, quando a vida e a história demonstra que sua (deles) visão é outra: para eles tudo, para os inimigos nem mesmo a lei.
A disputa eleitoral de 2014 não se interrompeu desde o segundo turno, não apenas porque a direita sentiu gosto de sangue, mas também porque há um problema de fundo não resolvido. E o problema de fundo não resolvido é o seguinte: a atual situação (política, econômica e social) não agrada a nenhuma das classes fundamentais da sociedade brasileira. Estamos numa situação de impasse estratégico, não apenas tático, não apenas político, não apenas institucional.
É por isto que para os setores encabeçados pelo PT não é suficiente manter o governo, conquistado legitimamente nas eleições de 2014. É preciso achar caminhos para colocar o governo à serviço daquelas mudanças estruturais que deveriam ter sido feitas quando éramos mais fortes. 

A quais fatores você atribui as manifestações de ódio contra o PT por parte da sociedade? Esse processo é reversível ou o PT dificilmente voltará a conquistar a simpatia de parcela considerável dos eleitores?

Começando pelo final: o PT tem todas as condições de reconquistar o apoio da maior parte da classe trabalhadora brasileira. Mas para isto, precisa fazer as mudanças de que falei na resposta anterior. O que vai gerar ainda mais ódio da parte de setores minoritários da sociedade brasileira, que odeiam o PT não exatamente pelo que fizemos ou deixamos de fazer, mas sim nos odeiam pelo que somos, por quem representamos.

O PT, em especial sua base no Congresso, é capaz de garantir hoje a sustentação para que o impeachment da presidenta Dilma Rousseff não aconteça? Você acredita na possibilidade do impeachment?

Acredito que há forças reacionárias que desejam o impeachment. E que o impeachment só não saiu porque houve mobilização popular contrária e, também, porque as forças reacionárias estão divididas: existe a direita partidária, a direita social, a alta burocracia de Estado, o grande capital e o oligopólio da mídia, cada setor com táticas que oscilam em torno de duas variantes fundamentais:
a) empurrar o governo da presidenta Dilma Rousseff a implementar o programa econômico conservador, desgastando a esquerda e facilitando assim reconquista plena, em 2018, do governo federal;
b) afastar a presidenta Dilma, seguindo-se novas eleições ou uma presidência interina de Michel Temer (esta segunda alternativa é chave para entender o texto programático divulgado pelo PMDB em novembro de 2015).
Em algumas situações, divisões na direita ajudam a esquerda. Mas na situação atual, a esquerda é "alvo fixo" para os ataques vindos dos diferentes setores da direita. Como nos desenhos animados: rompe a barragem e cada vez que o herói tampa um furo, outros furos aparecem.
Ajuda nisto o fato de, apesar das diferenças táticas, haver um amplo consenso estratégico entre as forças reacionárias, em torno dos seguintes objetivos:
a) realinhar o Brasil ao bloco internacional comandado pelos Estados Unidos (portanto, afastando-o tanto dos BRICS quanto da integração latino-americana);
b) reduzir os níveis de remuneração, direta e indireta, da classe trabalhadora brasileira (o que inclui desde alterações na legislação trabalhista até cobrança de serviços públicos, passando por revisão nas políticas de reajuste do salário mínimo e repressão aos movimentos sociais reivindicatórios);
c) reduzir o acesso dos setores populares às liberdades democráticas em particular e aos direitos humanos e sociais em geral.
Como eles têm unidade estratégia, existe a possibilidade deles se unificarem em torno da tática do impeachment. Por isto, só a resistência popular é antídoto seguro.


Alguns historiadores, como Lincoln Secco, apontam que as mudanças dentro do PT foram graduais. Você concorda ou houve alguma ruptura decisiva que implicou nesse novo comportamento do PT, mais distante de suas propostas de fundação e de suas bases?

Todo processo histórico envolve gradualismo e rupturas. A metamorfose do PT também foi assim. Agora, por razões que busquei explicar na minha tese de doutorado (que intitula-se exatamente A metamorfose), considero central levar em conta não o que acontece "no" PT, mas o que acontece "com" o PT e fora dele. No link a seguir está minha tese, escrita há uma década e sob diversos aspectos ultrapassada, mas mesmo assim sugiro a leitura do último capítulo: 

Em meados da década de 1990, tendências de esquerda superaram o campo majoritário do PT e conseguiram fazer maioria no diretório nacional. Contudo, essa divisão de forças durou pouco tempo. Por que a esquerda petista não conseguiu prosperar no comando do partido?

Há vários motivos, entre eles o fato de termos conseguido maioria relativa no Diretório Nacional (mas não na bancada, não entre os prefeitos, não no movimento sindical) em 1993, num momento em que setores importantes do Partido acreditavam que as eleições de 1994 seriam uma espécie de terceiro turno de 1989. Mas não foi isto o que aconteceu. Fomos derrotados no primeiro turno por FHC. Mesmo assim, no encontro nacional do PT ocorrido em Guarapari perdemos a eleição por 2 votos (na tese guia) e por 16 votos (na escolha do presidente do Partido). E mesmo esta pequena diferença só existiu porque houve fraudes (na eleição de delegados na cidade de Diadema/SP e na eleição de delegados no estado da Paraíba) e porque um setor da esquerda (Rui Falcão, Candido Vacccareza, Sílvio Pereira) apoiaram o grupo majoritário. Em condições normais, teríamos mantido maioria. Entretanto, o fundamental -- politicamente falando-- era a mudança no contexto mais amplo da luta de classes.


A eleição de Jose Dirceu como presidente do partido foi decisiva para esse processo de mudanças internas do PT que levaram o partido a alianças conservadoras e de certo modo isolaram a esquerda do partido das grandes decisões, inclusive no governo?

Dirceu foi, junto com Lula, o formulador e o executor da orientação estratégica adotada pelo Partido em 1995, estratégia que mostrou seus efeitos colaterais nas crises de 2005 e 2015. 

Em 2005, após estourar o escândalo do mensalão, muitos pensaram que o governo de Lula estava acabado, junto com o PT. Contudo, o presidente intensificou sua presença juntos aos movimentos sociais e grupos à esquerda no PT. Atos em defesa do governo foram organizados pela CUT, MST e em setembro cerca de 300 mil petistas foram às ruas participar do PED – num sinal de defesa do partido. Ou seja, em meio à crise, ainda foi possível mobilizar uma parcela da militância. Hoje, você entende ser possível mobilizar a militância para defender/sustentar o governo e o partido, caso o cenário político continue se agravando?

Sim, é possível, sempre e quando se demarque o campo de classe, se gire à esquerda. Vale lembrar que setores do grupo majoritário do Partido, em 2005, defendiam adiar o PED porque achavam que a militância não ia comparecer. A base do Partido é melhor do que sua direção. E a base quer defender o PT, quer defender a política que venceu as eleições de 2014. E faz um enorme esforço para defender o governo Dilma, apesar do ministro da Fazenda, apesar do ministro da Justiça, apesar do ministro das Cidades, apesar da ministra da Agricultura etc.... 

  
Ainda em 2005, no epicentro da crise do mensalão, percebeu-se uma nova demonstração de forças da esquerda no PED (exceto Ricardo Berzoini, todos os demais candidatos eram ligados a tendências mais à esquerda). O que faltou para a esquerda assumir o comando do partido em momento tão crítico e estratégico?

Voto. E faltou voto porque um setor da esquerda, setor então liderado por Plínio de Arruda Sampaio, decidiu sair do PT entre o primeiro e o segundo turno das eleições para presidência nacional do PT. E decidiram sair porque achavam que o PT já era. Eles saíram, perdemos por pouco e mesmo assim deslocamos o Partido e o governo para a esquerda, como ficou claro na eleição de 2006 e no segundo mandato de Lula. O esquerdismo causa dano equivalente ao direitismo.


O 5º Congresso foi o primeiro grande evento do PT que participei presencialmente (minha filiação propriamente dita é recente e tenho 22 anos). Foi possível em vários momentos ver a militância se manifestando, entoando palavras de ordem e mesmo debatendo. Mas conversando com os próprios militantes, fiquei com a sensação de que nem de longe as manifestações se aproximam do passado. A militância petista está acuada (envergonhada, com medo, perdeu a esperança no partido etc.) ou o perfil do petista mudou ao longo dos últimos anos?

Há uma mudança no perfil da militância que comparece a este tipo de evento. E o problema não está na forma, na retórica, no teatro. O problema é de conteúdo: os delegados e delegadas presentes ao congresso foram eleitos em 2013, portanto representam um outro momento da vida do Partido. Foram eleitos num processo viciado pelo dinheiro, assim como pela influência de quem dirige máquinas parlamentares e governamentais. E grande parte trabalha nestas mesmas máquinas, o que em muitos casos reduz a sensibilidade frente a gravidade da situação política e social. Finalmente, há menos debate político e menos cultura política do que há 10 ou 20 anos.

É fato que José Dirceu foi condenado sem provas, todos os outros partidos usaram de práticas que o PT usou e nunca a mídia esteve tão empenhada em mostrar as falhas de um partido como agora com o PT. Porém o PT surgiu e cresceu por ser diferente e caiu nas mesmas armadilhas daqueles que criticavam. O PT precisa fazer uma autocrítica mais profunda em sua opinião? Como?

Claro que sim. Por um lado admitindo com mais clareza que baixamos a guarda frente ao modo tradicional de fazer política. Por outro lado, mudando o comportamento prático do partido. Infelizmente, estamos muito longe disto.  Existe inclusive quem ache ser um erro falar em autocrítica. 

Você se decepcionou com o resultado do 5º Congresso, realizado em junho, em Salvador?

Não. Sabia que havia grande chance da maioria dos delegados e delegadas, eleitas em 2013, noutro contexto, se renderam às pressões conformistas, governistas, aparelhistas. Mesmo assim, na principal das votações, tivemos 45% dos votos em favor de uma resolução que criticava abertamente a política econômica adotada neste segundo mandato Dilma. Se os delegados tivessem sido eleitos em janeiro de 2015, teríamos vencido.

Qual foi o grande erro do Partido dos Trabalhadores nesses 35 anos?

Ter reduzido o entrosamento, a ligação profunda que havia entre o Partido e a classe trabalhadora. Precisamos recuperar nosso apoio junto à classe. Não falo das dezenas de milhares de pessoas que vão às marchas, manifestações e congressos. Falo das dezenas de milhões que apoiaram as esquerdas nas eleições de 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, mas que agora estão decepcionados e em muitos casos sob hegemonia da direita.

Em artigo na revista Caros Amigos, você afirma que são reduzidas as chances de êxito na luta por mudar os rumos do PT. Neste cenário, ainda vale a pena estar no PT? Por quê?

Te respondo com uma analogia histórica, com toda imprecisão que as analogias possuem: no final dos anos 1910, a vanguarda da classe trabalhadora brasileira estava sob hegemonia do anarquismo. O anarquismo foi derrotado e parte do anarquismo apostou na criação do Partido Comunista. Mas foi apenas depois da Segunda Guerra Mundial que a estratégia do partido comunista tornou-se hegemônica na vanguarda da classe trabalhadora. O golpe de 1964 desmoralizou profundamente a estratégia do PC, mas a direção do PC dobrou sua aposta na mesma linha, provocando cisões, rupturas, saídas e também uma proliferação de novas organizações de esquerdas. Mas foi só nos anos 1980 que as lutas de uma nova classe trabalhadora dariam origem a uma nova estratégia hegemônica, simbolizada numa também nova organização, o Partido dos Trabalhadores, que reuniu a maior parte da vanguarda da classe. Hoje, aquela estratégia seguida desde 1995 pelo PT está sob imenso questionamento (a partir de dentro e também de fora; a partir da esquerda, mas principalmente por parte da direita). O que acontecerá se PT não for capaz de fazer autocrítica, se o PT não for capaz de (tentar e de ter êxito em) construir uma nova estratégia?
Neste cenário, os milhões de trabalhadores e de trabalhadoras que algum dia votaram, confiaram e inclusive militaram no Partido vão dividir-se. Uma minoria seguirá para outros partidos e movimentos de esquerda. Uma parte adotará posições conservadoras. E a ampla maioria vai afastar-se da política ativa durante muito tempo;
Neste cenário, o enfraquecimento do PT não será acompanhado do fortalecimento simultâneo de uma esquerda melhor do que o PT. No futuro, com pelo menos uma geração de intervalo, isto poderia/poderá acontecer. Mas de imediato, o enfraquecimento do PT teria/terá como resultado o fortalecimento da direita. E eventuais setores de esquerda que conseguissem/conseguirem crescer absorvendo o ex-petismo, o fariam num contexto de enfraquecimento da esquerda como um todo.
É por isto que, não apenas para derrotar a direita agora, mas também para evitar que se perca uma geração (como ocorreu em 1964), meu esforço continuará sendo no sentido de fazer o PT mudar de estratégia e fazer o governo mudar de politica. Sendo que o fundamental é fazer o PT mudar de estratégia, pois do ponto de vista histórico e estratégico é bem mais fácil conquistar e reconquistar governos, do que construir e reconstruir partidos.

O PT sempre foi o partido com maior influência nas classes trabalhadoras brasileiras. Também pode ser considerado como principal partido de esquerda do país. Uma derrota histórica do PT (o que pode ser compreendido de forma mais ampla como o fim do PT como força eleitoral, como defendem muitos fanáticos da direita) significaria também uma derrota de toda a esquerda brasileira e da classe trabalhadora no país? 

Claro que sim. 
É verdade que alguns setores da esquerda querem derrotar o PT, ou seja, consideram que o PT é o inimigo estratégico. 
Algumas organizações de esquerda acreditam que adotar uma diretriz anti-petista os coloca em sintonia com amplos setores da classe trabalhadora, que estão irritados com o PT. 
O que estas organizações de esquerda anti-petistas não percebem é que parte importante dos amplos setores da classe trabalhadora desgostosos com o PT, estão sob hegemonia da direita; e será esta direita, e não a "esquerda da esquerda", quem colherá os frutos de uma eventual derrota do PT. Derrota que, repetimos, poderá ocorrer independente dos melhores esforços que façamos, devido à confluência entre acertos do lado de lá e erros do lado de cá.
Seja como for, o principal desafio e objetivo do petismo é reconquistar o apoio da classe trabalhadora (com destaque para os jovens trabalhadores e jovens filhos de trabalhadores), o que depende em grande medida do PT mudar de estratégia e do governo mudar de política econômica. 

O PT sairá derrotado nas eleições municipais de 2016? Haddad conseguirá se reeleger?

Isto depende do que fizermos daqui até lá. Se adotarmos a política certa, podemos ter uma vitória política e eleitoral, não apenas em São Paulo, mas em muitas cidades do país.

Muito têm se falado sobre a necessidade do PT voltar às origens. Isso é possível hoje? 

Ninguém volta às origens. O que o PT precisa é colocar-se à altura dos desafios atuais. Entre outras coisas, construindo, tanto na teoria quanto na prática, outra estratégia. Uma estratégia de luta pelo socialismo, não apenas por um capitalismo pós-neoliberal. Uma estratégia de luta pelo poder, não apenas pelo governo. Uma estratégia das classes trabalhadoras, não de conciliação com setores da classe dominante.

Como e de que forma o Partido dos Trabalhadores pode superar a atual crise que desgasta sua imagem – crise essa fruto de erros e da tentativa de criminalização do partido por parte da direita e dos meios de comunicação.

Fazendo política. E recuperando a audácia, a criatividade e a combatividade. Bons modos não vão derrotar a direita.