sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A trajetória da tendência petista Articulação de Esquerda

Projeto de resolução para debate e deliberação no Segundo Congresso da tendência petista Articulação de Esquerda

O segundo congresso da tendência petista Articulação de Esquerda vai ser realizado no Instituto Cajamar (SP), de 2 a 4 de abril de 2015. Simultaneamente, ocorrerá a Conferência sindical da tendência.

A pauta do segundo congresso da AE inclui os seguintes pontos: 1) balanço das eleições 2014; 2) desafios e propostas para o segundo mandato Dilma Rousseff, para a luta social, para a comunicação e cultura, para os governos/parlamentos estaduais e municipais, para as eleições 2016 e 2018; 3) nossas propostas de reforma programática, estratégica e organizativa do Partido dos Trabalhadores; 4) atuação e organização da Articulação de Esquerda; 5) eleição da nova direção nacional da Articulação de Esquerda e da Comissão de ética nacional

O presente projeto de resolução versa sobre o ponto denominado "A trajetória da tendência petista Articulação de Esquerda".


A trajetória da tendência petista Articulação de Esquerda

A maioria dos petistas filiou-se ao Partido depois de 2005.  Ou seja, não vivenciou a construção do Partido dos Trabalhadores na época em que fazíamos oposição à ditadura, à transição conservadora e aos governos neoliberais.

De maneira similar, parcela importante dos atuais militantes da Articulação de Esquerda entrou na tendência depois de 2005. Não participou, portanto, dos processos que nos levaram a criar a tendência. 
Por estes motivos, consideramos importante oferecer à nossa militância uma visão panorâmica de nossa trajetória, que constitui um aspecto da história do próprio PT. Este é o sentido do roteiro a seguir.
O surgimento da AE
No período 1980-1989, de luta contra a ditadura militar e contra a “transição conservadora para a democracia”, o PT foi aos poucos sendo hegemonizado pelas posições que tomariam corpo numa tendência denominada Articulação dos 113. Este tendência foi criada em 1983 e recebeu seu nome devido a um documento com 113 assinaturas, embora o número de signatários fosse 112 (uma pessoa assinou duas vezes).
No período 1990-2002, de oposição aos governos neoliberais, as tendências petistas experimentam um realinhamento político. Como parte deste processo, ocorreu uma cisão na Articulação dos 113, surgindo a “Unidade na Luta” e a “Articulação de Esquerda”.
A Articulação de Esquerda foi fundada oficialmente nos dias 18 e 19 de setembro de 1993. 
Contribuíram para sua criação os debates realizados no interior do PT, especialmente no período entre 1990 e 1993, quando se constituíram, em âmbito nacional, inclusive dentro da Articulação dos 113, dois grandes blocos no Partido: os “moderados” e os “radicais” (que certa imprensa denominava de "xiitas").

Contribuíram para a criação da Articulação de Esquerda, mais especificamente, os debates ocorridos durante o 8º Encontro Nacional do PT (agosto de 1993), tanto nos encontros estaduais prévios quanto no encontro nacional propriamente dito.

Um marco destes debates foi o lançamento, no dia 4 de fevereiro de 1993, de um manifesto intitulado “A hora da verdade”.
A história da tendência petista Articulação de Esquerda (de 1993 até este ano de 2015) pode ser dividida em quadro períodos:

1)1993-1995, quando dirigimos a maioria do Diretório Nacional do PT;

2)1995-2005, quando nos opusemos ao chamado “Campo Majoritário”;

3)2006-2007, quando nenhuma tendência era isoladamente majoritária no Diretório Nacional do PT. Neste momento, apesar de minoritária, a Articulação de Esquerda possuía uma influência importante;

4) 2008-2015, quando a Articulação de Esquerda se opõe ao "novo campo majoritário” que se constitui no Diretório Nacional do PT. Este "novo campo majoritário" assume diversas formas. No início, trata-se de uma aliança entre os grupos "Construindo um Novo Brasil" e "Mensagem ao Partido". Depois, uma aliança entre "Construindo um Novo Brasil", "Novos Rumos" e "PT de Luta e Massa". Finalmente, em 2015, por ocasião do processo de eleições diretas das direções partidárias, forma-se uma aliança ainda mais ampla incluindo, além dos grupos já citados, as tendências "Movimento PT" e "EPS". 
Vejamos a seguir mais detalhes sobre cada um destes momentos.

O primeiro momento: 1993-1995
Após a eleição presidencial de 1989, a maior parte da cúpula da Articulação dos 113 decide “girar para a direita”.

A cúpula da Articulação dos 113 tem como principais aliados naquele giro à direita dois setores provenientes da antiga esquerda petista: a Nova Esquerda (ex-Partido Revolucionário Comunista) e setores da antiga Vertente Socialista (ex-Poder Popular e Socialismo).  As principais expressões destes setores são, respectivamente, José Genoíno e Eduardo Jorge.

O “giro para a direita” se materializa numa oposição inicial ao Fora Collor, numa tentativa de restringir o Fora Collor a temas éticos, num apoio de fato ao governo Itamar e na defesa do parlamentarismo.

Estas posições são derrotadas por ampla maioria da base do Partido. O maior exemplo disso foi o plebiscito sobre sistema de governo: 70% da direção defendia o parlamentarismo, 70% da base votou pelo presidencialismo na consulta interna então realizada.

O “giro para a direita” foi acompanhado da tentativa de construir um “campo” para dirigir o Partido, unindo a Articulação dos 113 a outros setores partidários. 
A cúpula da Articulação dos 113 apresentava a formação deste campo como uma atitude “não-hegemonista”. Mas a iniciativa servia para tentar quebrar a influência, na Articulação dos 113 e na direção do Partido, daqueles setores com posições mais à esquerda.
A divisão na Articulação dos 113 fica evidente durante o Primeiro Congresso do PT, quando aquela tendência se divide publicamente em diversas votações, uma das quais é simbólica: a legitimidade da violência revolucionária.
Como reação ao giro à direita da cúpula da Articulação dos 113, um setor daquela tendência constitui a “esquerda da Articulação”, que em grande parte se agrupa ao redor de um texto conhecido como “Manifesto A hora da verdade”.

Por causa do nome daquele Manifesto, em muitos estados a Articulação de Esquerda foi durante certo tempo conhecida pelo
acrônimo “HV”.
No 8º Encontro Nacional do PT (agosto de 1993), em aliança com a DS e outros setores, a esquerda da Articulação lança a chapa “Opção de Esquerda”. 
A aliança entre a Opção de Esquerda e a chapa “Na luta PT” (composta entre outros pelas tendências "O Trabalho", "Brasil Socialista" e "Força Socialista") consegue a maioria absoluta do Diretório Nacional eleito no 8º Encontro Nacional do PT.
O  8º Encontro Nacional do PT elege Lula, consensualmente, para ser o presidente nacional do PT, sem integrar nenhuma das chapas. Rui Falcão, então principal dirigente do que logo mais seria chamado de Articulação de Esquerda, é eleito vice-presidente nacional do PT. No 9º Encontro Nacional, em 1994, quando Lula se licenciará para ser candidato à Presidência da República, Rui Falcão assumirá a presidência do Partido.

Nos dias 18 e 19 de setembro de 1993, logo após o 8º Encontro Nacional do PT, é criada oficialmente a Articulação de Esquerda, afirmando o propósito de combater a domesticação do PT, ou seja, tentar impedir que a existência de uma nova situação histórica – marcada pela crise do socialismo, pela hegemonia neoliberal e pela transformação do PT em alternativa presidencial – levasse a maioria do Partido a abandonar o núcleo fundamental das formulações originais do petismo: partido da classe trabalhadora, com ampla democracia interna, com uma estrutura de massas e de quadros, dotado de uma estratégia democrático-popular e socialista, combinando luta social e disputa eleitoral.

A maioria de esquerda existente no Diretório Nacional do PT consegue impedir que a bancada do Partido na Câmara dos Deputados embarque na revisão constitucional ampla proposta pelos partidos de direita. 
Mas, ao mesmo tempo, tem muitas dificuldades e apresenta enormes contradições na condução da campanha presidencial de 1994.

Nesta campanha, a imensa maioria do PT foi surpreendida pelo Plano Real e pela força da candidatura FHC. Mas, no momento em que foi feito o balanço da derrota petista nas eleições de 1994, a fatura foi cobrada integralmente da direção de esquerda.

No 10º Encontro Nacional do PT, realizado em Guarapari (ES), confrontam- se duas chapas.

Uma chapa, denominada Socialismo ou Barbárie e encabeçada por Hamilton Pereira, reúne toda a esquerda do PT.

A outra chapa, encabeçada por José Dirceu e apoiada por Lula, expressa as posições da direita da Articulação e de seus aliados. Destaca-se, entre os apoios desta chapa, uma delegação organizada a ferro e fogo por José Augusto, que depois de ser prefeito de Diadema pelo PT será expulso do Partido e acabará nos braços tucanos.
A tese apresentada pela chapa “moderada” ganha por apenas 2 votos. Dirceu e sua chapa são igualmente vitoriosos, mas também por pequena margem: cerca de 16 votos. E mesmo esta pequena diferença só foi possível porque a candidatura de José Dirceu recebeu o apoio de setores e dirigentes que até então participavam da Articulação de Esquerda, tais como Rui Falcão, Cândido Vaccarezza, Sílvio Pereira e outros.
O segundo momento: 1995-2005

A maioria do Diretório Nacional eleito no Encontro de Guarapari (ES) indica Cândido Vaccarezza, ex-militante da AE, como secretário-geral do Partido.
Em protesto contra este desrespeito à proporcionalidade, os 49% minoritários retiram-se durante várias semanas da composição da Executiva. 
Paradoxalmente, este gesto de protesto deixa o campo livre para que a nova maioria moderada se instale livremente e estabeleça seu controle sobre a direção partidária, inaugurando um período de hegemonia que vai se estender de 1995 até 2005.
A partir de 1995 se instala no partido uma maioria em torno de uma política que podemos sintetizar assim: “alianças da esquerda com o centro, em torno de um programa alternativo ao neoliberalismo, visando conquistar o governo federal”.
De 1995 a 2002, esta maioria foi hegemonizando o partido, às vezes por meios legítimos, outras vezes adotando métodos condenáveis (como é o caso da intervenção no Rio de Janeiro, para obrigar o PT a apoiar a candidatura a governador de Anthony Garotinho).
Note-se que a intervenção no PT do estado do Rio de Janeiro foi feita a pretexto de garantir o apoio de Leonel Brizola (PDT) à candidatura de Lula à presidência da República em 1994.

Originalmente Lula não queria ser candidato à presidência em 1994. Especulava-se sobre as possíveis pré-candidaturas de Cristovam Buarque e Tarso Genro, sem falar em balões de ensaio externos ao Partido. 
Lula acaba aceitando ser candidato à presidência, em parte por pressão da própria esquerda petista, especialmente durante o 11º Encontro Nacional do PT, realizado em 1997 no Hotel Glória (Rio de Janeiro). 
A candidatura de Lula em 1994 pode ter sido essencial para manter o fio da meada que nos levaria em 2002 a, finalmente, vencer a eleição presidencial. 
Um momento fundamental para o processo de hegemonização do Partido pela maioria moderada foi o Segundo Congresso do PT, realizado em Belo Horizonte em 1999, quando se adotou a eleição direta para direções partidárias.
O processo de eleição direta das direções partidárias, mais conhecido pela sigla PED, esvaziou o debate político realizado nos encontros e estimulou as filiações em massa.

As opiniões partidárias e as respectivas maiorias deixaram de ser formadas principalmente no processo de debate e passaram a ser formadas basicamente no dia da votação. Foram favorecidos aqueles setores partidários capazes de filiar mais e levar mais filiados para votar. A capacidade de convencimento e o enraizamento social perdiam espaço, frente à logística e à capacidade de mobilizar recursos financeiros, inclusive para realizar pagamentos coletivos das contribuições partidárias. Nos encontros, diminuiu muito o número de delegados/as sem alinhamento prévio, dispostos a formar sua opinião e a votar de acordo com o que ouvisse nos debates. 
A proposta das eleições diretas para escolher as direções partidárias teve, entre seus protagonistas, o governador Cristovam Buarque, que anos depois sairia do PT e chegaria a votar em Aécio Neves nas eleições de 2014.
Apesar de aprovar as eleições diretas, o setor moderado passou por apuros durante o II Congresso do PT, tendo que se desdobrar para que não fosse aprovada uma resolução simpática à palavra de ordem Fora FHC. Em encontros e congressos posteriores, repetiram-se situações deste tipo, mostrando que a democracia partidária lutava por sobreviver aos métodos administrativos de formação de maioria. 

Durante o período 1995-2002, a Articulação de Esquerda buscou unir a esquerda petista, para resistir e derrotar a maioria moderada.
Além da AE, esta esquerda petista era composta por diversos grupos e indivíduos, com destaque para duas tendências: a "Democracia Socialista" (DS) e a "Força Socialista" (FS).

No interior da Articulação de Esquerda, grande parte das polêmicas existentes nestes sete anos dizia respeito exatamente ao que podemos denominar de nossa “política de alianças” interna ao PT.

Em 1995, como já foi citado, sofremos uma ruptura provocada por aqueles que defendiam uma aliança entre a Articulação de Esquerda e a Articulação Unidade na Luta. Os que saíram da AE naquele momento constituíram a tendência Novos Rumos.

Em 1997, saíram da Articulação de Esquerda aqueles que defendiam que no movimento sindical devíamos continuar participando da Articulação Sindical. Ou seja: defendiam que deveríamos participar junto aos militantes sindicais vinculados à Unidade na Luta em uma mesma “tendência” na CUT, embora estivéssemos em tendências distintas no terreno partidário. Quando o 5º Seminário Nacional da Articulação de Esquerda rejeitou esta visão e decidiu criar um setorial sindical da AE, o deputado federal Arlindo Chinaglia liderou uma ruptura que o levou, posteriormente, à participar da criação da tendência "Movimento PT" .
Em 2002, saiu da Articulação de Esquerda um grupo de militantes que defendia como prioridade a "auto-construção" da AE, motivo pelo qual criticavam a prioridade dada à aliança com as demais tendências da esquerda petista, especialmente com a Democracia Socialista. Este grupo, denominado Polo Socialista e localizado principalmente no sul do país, apoiou Tarso Genro contra Olívio Dutra nas prévias que o PT gaúcho realizou em 2002 para escolher seu candidato a governador. Posteriormente, o Polo Socialista aliou-se à mesma DS e mais recentemente alinhou-se na tendência Socialismo XXI, que de “socialista” tem certamente a denominação.

Mais importante que estas rupturas, entretanto, foi a polêmica travada com aqueles setores que decidiram construir a "Consulta Popular".

A partir de 1996, um grupo de militantes petistas descontentes com os rumos do Partido decidiu investir na construção de uma organização partidária não eleitoral, que em nosso entendimento subestimava o papel da luta eleitoral e institucional no atual momento da história do Brasil. 
A formação da Consulta implicou num afastamento da militância direta no PT, contribuindo diretamente para o enfraquecimento daqueles setores da esquerda petista (como a AE) que defendiam disputar os rumos do Partido.
Hoje, parte da militância da Consulta Popular permanece formalmente filiada e/ou milita, em períodos eleitorais, em favor de candidaturas petistas. Mas do ponto de vista interno ao Partido, sua postura objetivamente não contribui para o fortalecimento da esquerda petista.
Em 2002, a eleição de Lula é apresentada pelo setor moderado do Partido como a confirmação do acerto de sua "estratégia de centro-esquerda".

A realidade é muito mais complexa do que isto. Mas, do ponto de vista prático, o setor moderado teve pleno êxito em apropriar-se daquela vitória eleitoral construída coletivamente. Apropriação que se deu no terreno ideológico, mas também no que se refere ao controle de importantes estruturas de governo.

Após a vitória de 2002, houve uma intensa luta interna nas três principais tendências da esquerda petista. Luta interna protagonizada por aqueles setores que defendiam, com maior ou menor nitidez, a adoção de uma tática de oposição ao governo Lula e, no limite, a ruptura com o PT.
A luta interna que estava ocorrendo no interior das tendências da esquerda petista ocorria simultaneamente a disputa de rumos do próprio PT. Esta luta foi especialmente intensa na bancada do PT na Câmara dos Deputados. Ao mesmo tempo, havia conflitos no interior do campo majoritário do Partido e no interior do próprio governo. 
A causa de grande parte destes conflitos era a política hegemônica no governo, de conciliação com o neoliberalismo. Aquela política era protagonizada principalmente pelo então ministro Antonio Palocci, mas era apoiada, mesmo que com crescente contragosto, pelo conjunto do "Campo majoritário".

No final de 2003, o "Campo majoritário" decidiu dar um exemplo de "compromisso" com a política do governo e expulsou quatro parlamentares petistas: a senadora Heloísa Helena, a deputada federal Luciana Genro e os deputados federais Babá e João Fontes.

A alegação para a expulsão foi a de que estes parlamentares haviam ultrapassado os limites do que seria uma divergência aceitável e rompido totalmente com a disciplina partidária. A Articulação de Esquerda votou contra as expulsões, sem deixar de observar que tratava-se de um jogo até certo ponto combinado, pois os parlamentares expulsos não acreditavam mais na possibilidade de disputar os rumos do PT.

A expulsão de Heloísa Helena é o catalisador para que um setor da tendência Democracia Socialista saia do PT, entre o final de 2003 e o início de 2004. No mesmo período, saem duas outras tendências: o "Movimento de Esquerda Socialista" (MES) e a "Corrente Socialista dos Trabalhadores" (CST). Desfiliam-se do PT, também, muitos outros militantes, entre os quais Milton Temer, Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, oriundos do antigo PCB. O destino de todos eles será formar um novo partido: o PSOL.

Os que foram para o PSOL coincidiam na ideia de que o PT já teria se esgotado. Mais ou menos a mesma avaliação feita, em 1990, pela antiga Convergência Socialista, que após ser expulsa cria o PSTU.

A partir de 2003, a Articulação de Esquerda também realiza um intenso debate acerca do PT e da caracterização do governo Lula. Este debate esteve no centro: da V Conferência Nacional, realizada em novembro/dezembro de 2002; da VI Conferência Nacional, realizada em duas etapas no ano de 2003 (setembro, em Campinas; novembro, em Belo Horizonte); e da VII Conferência Nacional da AE, realizada em dezembro de 2004, em São Bernardo do Campo (SP).

Ao final da VII Conferência, um setor rompe com a Articulação de Esquerda. Parte sai imediatamente do PT; outra parte sairá após o PED de 2005, tendo como destinos o PCB, o PSOL ou a militância sem-partido. O motivo da ruptura é a avaliação feita acerca do governo Lula e do PT, que eles não consideram mais “em disputa”.

O terceiro momento: 2005-2007

Em 2005, a crise vivida pelo PT levou muita gente,  inclusive altos dirigentes e lideranças públicas, a acreditar que o PT estaria liquidado. Mas isto não aconteceu, principalmente devido à reação da militância petista, que compareceu em massa para votar no PED de 2005. 

Em parte por diferenças legítimas, em parte por pretensões e ilusões hegemonistas dentro da própria esquerda, em parte antecipando movimentos futuros que levariam uns a sair do PT e outros a sair da esquerda, no PED 2005 a esquerda petista dividiu-se em várias chapas e candidaturas presidenciais.

Do ponto de vista eleitoral, esta divisão ajudou a derrotar o "campo majoritário" no primeiro turno do PED de 2005. Mais candidatos criticaram, mais alternativas foram apresentadas e mais votos foram recebidos pelas chapas que faziam oposição ao campo majoritário. 
Matematicamente, o resultado do primeiro turno evidenciou que a esquerda tinha condições de eleger o presidente nacional do PT no segundo turno do PED. 
Mas foi exatamente neste momento, entre o primeiro e o segundo turno, que uma parte da esquerda petista decidiu sair do Partido. Saíram, entre outros, Plínio de Arruda Sampaio. Saiu também a tendência "Ação Popular Socialista" (nome adotado pela já citada "Força Socialista"). A saída destes setores talvez tenha sido o principal fator que impediu a vitória da esquerda petista, no segundo turno do PED de 2005.
A Articulação de Esquerda teve um bom desempenho político no PED de 2005. Este desempenho foi possível, em grande medida, devido ao acerto das resoluções aprovadas na VII Conferência Nacional da AE (dezembro de 2004), que construiu uma linha política que nos permitiu criticar os setores moderados do Partido e a linha hegemônica no governo, ao mesmo tempo em que defendíamos o PT e o governo dos ataques da direita durante a crise de 2005.
Nosso desempenho político e eleitoral no PED contribuiu para que tivéssemos uma influência importante no Diretório Nacional ali eleito, sob cuja direção realizou-se a campanha presidencial de 2006.
Como sabemos, o oligopólio da mídia, a oposição de direita e o grande capital deixaram claro que pretendiam “acabar com a raça do PT”, mas não apostaram no impeachment de Lula, confiando que recuperariam “pacificamente” a presidência em 2006. Não foi o o que ocorreu: Lula foi reeleito e o segundo mandato fez uma inflexão à esquerda.
No Partido, entre 2005 e 2007, nenhuma tendência ou campo era isoladamente majoritário na direção. E a Articulação de Esquerda jogou um papel político superior a seu tamanho.

O momento atual: 2007-2015

Embora limitadas, as mudanças ocorridas a partir do PED 2005 melhoraram o ambiente no Partido, contribuíram para que o governo Lula fizesse uma inflexão à esquerda e nos permitiram vencer as eleições presidenciais de 2006 e 2010. Mas a estratégia partidária continuou a mesma. Aliás, alguns setores (inclusive da esquerda petista) interpretaram os resultados positivos da inflexão iniciada em 2005 como demonstração de que não era necessário mudar de estratégia.
Quem mais se esforçou em elaborar a respeito foi a tendência "Democracia Socialista" e a chamada Mensagem ao Partido – grupo constituído no processo da crise de 2005, ao qual se agregaram setores que romperam com o antigo "campo majoritário".

A constituição da Mensagem ao Partido representou, na prática, um “giro ao centro” por parte da DS. Uma das expressões deste giro ao centro foi a chamada “revolução democrática”: uma tentativa deatualizar sem rupturas a estratégia adotada pelo campo majoritário entre 1995 e 2005.
Os integrantes do antigo Campo Majoritário, reconvertido agora na tendência "Construindo um Novo Brasil", pareciam não ter mais os meios intelectuais necessários para “recauchutar” a antiga estratégia. Talvez por isto, concentraram-se na tentativa de construir uma nova maioria, ou seja, de assegurar o controle da direção, que haviam de fato perdido no período 2005-2007.
Várias tentativas foram feitas no sentido de construir uma nova maioria absoluta no Diretório Nacional do PT. No início, há uma aliança entre os grupos "Construindo um Novo Brasil" e "Mensagem ao Partido". Depois, uma aliança entre "Construindo um Novo Brasil", "Novos Rumos" e "PT de Luta e Massa". Finalmente, em 2015, por ocasião do processo de eleições diretas das direções partidárias, forma-se uma aliança ainda mais ampla incluindo, além dos grupos já citados, as tendências "Movimento PT" e "EPS". 

Paralelamente a estes movimentos internos ao Partido, agudiza-se a disputa no interior da bancada federal; a disputa pela influência sobre o governo, seja no segundo mandato Lula ou no primeiro mandato Dilma; e as disputas eleitorais municipais e estaduais.

No PED de 2007, a Articulação de Esquerda teve o mesmo desempenho eleitoral de 2005, mas com um desempenho político inferior. Este resultado deveu-se a quatro motivos principais.
1) a saída da Força Socialista e aliados do PT ocorreu após o primeiro turno do PED de 2005. Isto quer dizer que as vagas eleitas com seus votos foram ocupadas por pessoas de sua própria chapa, que haviam decidido permanecer no PT. Mas no PED de 2007 e seguintes, aqueles milhares de votos não existiam mais. Ao mesmo tempo, crescia o número global de filiados ao PT, por ações dos grupos majoritários;
2) a opção feita pela Democracia Socialista, de “virar ao centro” e criar uma nova tendência com egressos do antigo Campo Majoritário, não teve êxito político nem eleitoral: enquanto Raul Pont, representando a DS, havia ficado em segundo lugar no PED 2005, José Eduardo Cardozo, candidato da Mensagem/DS, termina em terceiro lugar no PED 2007. O que tem efeitos colaterais ainda mais negativos sobre o desempenho da Articulação de Esquerda, que fica praticamente isolada na defesa das posições históricas da esquerda petista;
3) a tendência "Construindo um novo Brasil” capitaliza no PED 2007 o êxito do partido na reeleição de 2006, bem como a inflexão à esquerda do segundo mandato de Lula, o que neutraliza parte das críticas da esquerda petista e reduz suas possibilidades de crescimento;
4) a Articulação de Esquerda foi incapaz de reunir, em uma só chapa, o restante das tendências de esquerda. Isto deveu-se, em parte, a posturas sectárias de setores que em 2005 haviam integrado a chapa de Plínio e que não aceitaram compor uma chapa encabeçada pela Articulação de Esquerda. Mas deveu-se, também, a erros cometidos pela própria AE.
Apesar de não ter obtido êxito eleitoral, a tática da Mensagem teve desdobramento num “acordo de direção” com a chapa “Construindo um Novo Brasil”. Graças a isto, Cardozo, apesar de ter  encabeçado a chapa que ficou em terceiro lugar no PED, tornou-se secretário-geral, desbancando Jilmar Tatto, encabeçador da segunda chapa.
A direção eleita pelo PED 2007 teve como tarefas centrais conduzir o partido nas eleições municipais de 2008 e na escolha da candidatura presidencial de 2009. Os resultados obtidos nestas duas tarefas foram contraditórios.

O PT não obtém uma vitória nas eleições municipais de 2008. E a direção nacional do Partido sofre uma derrota estratégica em Belo Horizonte, onde se impôs uma aliança de fato entre o PT de Pimentel e o PSDB de Aécio Neves.
O PT também não é fator decisivo na escolha da candidatura às eleições presidenciais de 2010. Este fato pesará bastante no momento seguinte, em que o Partido enquanto tal cumprirá papel secundário no comando da campanha, apesar de ali estar formalmente representado.
Apesar disto, a inflexão à esquerda do governo Lula, iniciada com o PAC e aprofundada nos anos seguintes, rompendo com o dogma da “estabilização financeira a qualquer custo” foi capaz de enfrentar com relativo sucesso os efeitos da crise mundial que se abriu em 2008. O que, do ponto de vista interno, neutralizou parte das críticas da esquerda petista.

O ex-presidente Lula, seu círculo mais próximo, bem como a CNB e outros segmentos do Partido foram os que capitalizaram melhor o fato de o governo estar implementando, ao menos em parte, políticas similares àquelas defendidas, antes, pela esquerda petista.
Isso se refletirá no PED 2009, de três maneiras principais:

1) o crescimento do número de votantes, que beneficiou de maneira desproporcional a chapa da CNB, vista como a chapa autenticamente “governista”;

2) o reagrupamento, numa única chapa, de quase todos os antigos integrantes do finado "campo majoritário", inclusive Jilmar Tatto e Candido Vaccarezza. Isto apesar do fato de, apenas dois anos antes,lideranças importantes da CNB terem se oposto ferozmente a que Jilmar Tatto assumisse a secretaria-geral nacional do Partido.
3) a redução do interesse e o empobrecimento do debate político no PED.
Neste contexto difícil e apesar de ter conseguido montar uma chapa única com outros setores da esquerda petista, reduziu-se a participação proporcional da Articulação de Esquerda no Diretório Nacional do PT. A chapa da CNB, encabeçada por José Eduardo Dutra, vence o PED 2009 já no primeiro turno.

Entretanto, a existência de uma nova maioria não é acompanhada da constituição de uma nova hegemonia. E a escolha de Dilma Rousseff como sucessora de Lula torna mais complexa e inclusive mais confusa a dinâmica interna do poder no PT. Tendências que se aprofundariam no início do segundo mandato Dilma.

No período 2009-2015, o PT não conseguiu resolver, nem mesmo debater a contento, seus dilemas estratégicos. Ironicamente, a recusa dos setores moderados em enfrentar o debate estratégico contribuiu, no médio prazo, para ameaçar a estratégia de “ser governo para ser poder”. 
A incapacidade de enfrentar o debate estratégico era acompanhada por uma aposta na “ocupação de espaços”, tanto nas eleições majoritárias e legislativas, quanto nas eleições sindicais e internas ao PT.

Realizado neste contexto, o 1º Congresso da Articulação de Esquerda termina com a cisão da tendência.

Independentemente das intenções originais de quem participou desta cisão, os fatos posteriores comprovaram que 1) houve um investimento financeiro externo à tendência, para tentar compor uma maioria artificial no Congresso; 2) o discurso em favor da “renovação” da tendência conduziu, na prática, à capitulação frente à maioria moderada do Partido.
No PED 2013, os que racharam com a AE apoiaram a mesma candidatura à presidência nacional apoiada pelos setores majoritários do Partido. O que não foi suficiente para garantir os votos necessários para que o grupo responsável pela cisão ocupasse nem mesmo uma única cadeira no Diretório Nacional do PT.
Hoje, passada a difícil eleição presidencial de 2014, existe uma “super-maioria” no PT, resultado das amplas alianças encabeçadas por Rui Falcão no PED 2013. Mas continua não existindo uma política capaz de enfrentar e superar com êxito os problemas estratégicos vividos pelo Partido. No interior da “maioria” há importantes desacordos em torno de quais são estes problemas estratégicos e suas soluções.  
É neste cenário que a AE vai realizar seu 2º Congresso, de 2 a 5 de abril de 2015.

Uma síntese provisória

Nossa tendência possui cerca de 22 anos de vida (1993-2015). 
Estamos presentes em 24 estados brasileiros e no Distrito Federal. Em Roraima e Acre, não existimos. Em outros estados, como Santa Catarina, temos militantes mas não estão organizados. 
Atuamos e influenciamos diversos movimentos sociais (sindical, estudantil, educação, de luta por moradia, mulheres, LGBT, portadores de deficiência, combate ao racismo, do campo etc.). 
Destaca-se, em particular, nossa presença continuada na direção da UNE e nossa crescente presença na direção da CUT.
Estamos também presentes em prefeituras, governos estaduais e no governo federal, assim como temos parlamentares nos três níveis.

Na frente internacional, influenciamos os debates e a construção de alternativas de esquerda, especialmente a latino-americana.
Participamos ativamente, com chapas e candidaturas presidenciais nos municípios, estados e nacionalmente, do Processo de Eleições Diretas das direções partidárias em 2001, 2005, 2007, 2009 e 2013. 
Mantemos um jornal mensal e uma revista quadrimestral, realizamos jornadas semestrais de formação política e buscamos participar do debate de ideias, tanto no PT quanto no conjunto da esquerda brasileira.
Nosso peso no PT, nos parlamentos, executivos e movimentos sociais é, hoje, proporcionalmente menor do que em 1993, com exceções como a do movimento sindical.
Por outro lado, hoje estamos mais conscientes dos desafios programáticos, estratégicos e táticos da esquerda brasileira e mundial.

Neste cenário, trabalhamos para ampliar nossa força e presença na vida partidária, nas disputas eleitorais, na ação institucional, nas lutas sociais, distintas dimensões da luta de classes.

Isto porque seguimos acreditando, como em 1993, que as opções da AE, da esquerda petista, do conjunto do Partido dos Trabalhadores e da esquerda política e social brasileira, bem como dos povos da América Latina, jogam um papel muito importante na ação da classe trabalhadora e na luta pelo socialismo.


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