sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

2015 e depois: a luta por um mandato superior

VERSÃO AINDA EM DEBATE, SUJEITA A ALTERAÇÕES

O texto a seguir é uma versão atualizada da resolução aprovada, no dia 27 de outubro de 2014, pela direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda. Esta versão --ainda em debate, sujeita a alterações nas reuniões que a direção da AE fará nos dias 19/1 e 7-8/2-- constitui um subsídio para os debates do 2º Congresso da Articulação de Esquerda, que será realizado de 2 a 5 de abril de 2015, no Instituto Cajamar (SP).

1.A esquerda brasileira tinha dois objetivos na eleição presidencial de 2014. O primeiro objetivo era vencer, impedindo o retrocesso que seria causado por uma vitória da oposição de direita. O segundo objetivo era criar as condições para um segundo mandato superior. O primeiro objetivo foi atingido. O segundo não foi atingido, como se pode verificar pela composição do ministério e as Medidas Provisórias 664 e 665.

2.Evidente que os atos iniciais de um governo não obrigatoriamente determinam seu desfecho. Neste sentido, é bom lembrar que tanto o primeiro governo Lula quanto o primeiro governo Dilma começaram fazendo concessões similares à oposição de direita, ao neoliberalismo.

3.Mas para mudar o rumo do governo, é preciso dizer as coisas como elas são: implementar, mesmo que parcialmente, o programa dos derrotados na eleição contribui para confundir e desorganizar as forças que venceram as eleições presidenciais de 2014, facilita as operações de sabotagem implementadas pela oposição de direita e também por setores da base do governo, não ajuda a bloquear eventuais tentativas de interromper nosso mandato, além de criar um ambiente favorável aos que desejam nos derrotar nas eleições de 2016 e 2018.

4.Portanto, nossa tarefa principal em 2015 e adiante será completar o que não foi feito em 2014. Ou seja: criar as condições para um segundo mandato superior. Isto exigirá um triplo movimento: apoiar o governo contra a oposição de direita, reverter as concessões que o governo faz à direita, mobilizar os setores populares em defesa de reformas estruturais.

5.É com este espírito que estamos participando, desde já, das ações em defesa da reforma política e da democratização da mídia; das lutas pelo julgamento e prisão para os criminosos da ditadura militar; das mobilizações sindicais por emprego e direito, da juventude por transporte público e gratuito; das reuniões em que se busca dar organicidade à atuação da esquerda política e social; dos debates preparatórios do Quinto Congresso do PT, assim como dos congressos da CUT, da UNE, da Ubes e da Juventude petista.

6.Achamos que nossas preocupações coincidem com as de grande parte da militância que foi às ruas garantir a vitória no segundo turno de 2014. E é partir delas que, no 2º Congresso da Articulação de Esquerda, discutiremos como –neste contexto mundial, regional e nacional tremendamente difícil e desafiador—seguiremos lutando em defesa das reformas democrático-populares e do socialismo.

7.Iniciamos nossa discussão reafirmando a necessidade de comemorar o resultado das eleições de 2014. Foi graças à mobilização da maioria do povo brasileiro, da classe trabalhadora, do campo democrático-popular e da esquerda socialista que conseguimos reeleger Dilma Rousseff para presidir o Brasil até 31 de dezembro de 2018.

8.Nossa vitória foi fortemente comemorada por todos os setores democráticos, progressistas e de esquerda, no mundo e particularmente na América Latina e Caribe. Comemoração por mais uma vez termos conseguido derrotar eleitoralmente a direita, o oligopólio da mídia, o grande capital, seus aliados internacionais. Comemoração, porque este resultado foi obtido no fundamental graças à consciência de classe de importantes parcelas do nosso povo, à mobilização em grande medida espontânea da velha e da nova militância de esquerda. Comemoração, porque a campanha confirmou que o Partido dos Trabalhadores conta com duas grandes lideranças populares: o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma.

9.Como já dissemos, nas eleições de 2014, não estava em jogo apenas a continuidade e a possibilidade de aprofundamento de um processo iniciado em 2002, com a eleição de Lula. Nas eleições de 2014, estava em jogo, também, impedir ou não o retrocesso que resultaria de uma vitória da oposição neoliberal.

10.É importante reafirmar também isto: a oposição encabeçada por Aécio Neves foi portadora das piores práticas e políticas:  o machismo, o racismo, a xenofobia, a intolerância, o preconceito, o ódio, a saudade da ditadura militar, o neoliberalismo, a submissão às potências estrangeiras. E, passada a eleição, esta oposição de direita segue atuante, com setores questionando o resultado eleitoral, adotando discursos que defendem a divisão do país, ameaçando a normalidade institucional.

11.A radicalidade da oposição de direita serve, também, para chantagear o governo eleito, afim de que este adote o programa dos derrotados. Como já dissemos, tínhamos dois objetivos na eleição presidencial: vencer criando as condições para um segundo mandato superior. O primeiro objetivo foi atingido. O segundo, não. Joaquim Levy, Kátia Abreu e outros de seus colegas de ministério estão aí para comprovar isto.

12.Por isto é que dizemos que ao PT e ao conjunto da esquerda política e social não basta comemorar a reeleição da presidenta Dilma Rousseff. É preciso tomar as medidas para que ela cumpra o programa vitorioso nas urnas e realize um segundo mandato superior.

13.É com este propósito que consideramos necessário um amplo processo de balanço das eleições 2014. Trata-se de estudar o comportamento das classes sociais no processo eleitoral; a atuação do campo democrático-popular; o jogo dos setores conservadores; o papel dos partidos políticos, da “terceira via”, dos movimentos sociais; a batalha da cultura e da comunicação; os resultados das eleições estaduais e parlamentares, entre outras variáveis: tudo isso é essencial para que a esquerda construa uma nova estratégia e um novo padrão de organização e atuação, indispensáveis se quisermos não apenas seguir governando, mas principalmente seguir transformando o Brasil.

14.Não basta administrar bem, fazendo mais e melhores políticas públicas. É preciso construir hegemonia cultural e fazer reformas estruturais, com destaque para a reforma política e para a Lei da Mídia Democrática. Para atingir estes objetivos, tanto o PT quanto o conjunto da esquerda devemos aprender a incorporar as energias, a militância, o ânimo alegre e combativo que foi às ruas, especialmente no segundo turno da campanha eleitoral. Também é preciso compreender os motivos e os mecanismos político-culturais que levam parcelas dos setores médios e da classe trabalhadora a tomarem atitudes reacionárias e a votarem na candidatura dos ricos e poderosos.

15.Para que a presidenta Dilma faça um segundo mandato superior, será necessário desencadear um amplo processo de organização e mobilização destes milhões de brasileiros e brasileiras que saíram às ruas não apenas para apoiar Dilma, mas principalmente para defender nossos direitos humanos, nossos direitos à democracia, ao bem estar social, ao desenvolvimento, à soberania nacional.

16.As eleições de 2014 reafirmaram a validade de uma ideia que vem desde os anos 1980: para transformar o Brasil, não basta votar e ser votado. Para transformar o Brasil, é preciso combinar ação institucional, mobilização social e organização partidária, operando uma verdadeira “revolução cultural” no modo de fazer politica das classes trabalhadoras. O PT, como principal partido da esquerda brasileira, está convocado a encabeçar este processo de mobilização cultural, social e política. Que exigirá, repetimos, renovar nossa capacidade de entender, de compreender, a sociedade brasileira, a natureza do seu desenvolvimento capitalista, a luta de classes que aqui se trava sob as mais variadas formas, cores e sabores.

17.As eleições mostraram que o PT possui raízes profundas no povo, na classe trabalhadora, entre as mulheres, entre negros e negras, na juventude. Mas também evidenciaram nossas imensas debilidades. A consciência de classe e a generosidade de amplas parcelas do povo brasileiro nos deram mais uma oportunidade de corrigir estas debilidades. Não temos o direito de desperdiçá-la.

18.Por tudo isto, reafirmamos que o PT tem a obrigação de realizar um balanço profundo e sólido do processo eleitoral, bem como de nossa trajetória a frente do governo federal desde 2003, que sirvam de base para uma orientação política global para o período 2015-2018. Realizar um balanço desta natureza demandará certo tempo, necessário para analisar variados aspectos, consolidar os dados mensuráveis, ouvir as distintas opiniões, produzir uma reflexão à altura do processo extraordinariamente rico que vivemos, só comparável à campanha de 1989. O 5º Congresso do PT deve converter-se neste processo de diálogo entre o Partido e estes milhões que foram às ruas defender a reeleição de Dilma Rousseff. Um diálogo tanto com petistas quanto com quem não é do PT e critica nosso Partido.

19.Por outro lado, a realidade internacional e nacional, a atitude da oposição de direita e de integrantes da suposta base aliada, assim como descaminhos de importantes lideranças petistas, impõem a adoção de medidas imediatas, que não podem esperar pelo 5º Congresso.  

20.Embora o candidato da oposição tenha formalmente aceitado a derrota, o bloco conservador age muitas vezes como se não tivesse perdido as eleições. Ademais, como resultado do que faz o oligopólio da mídia “todo santo dia”, mas também em decorrência do que fizeram Serra em 2010 e Aécio em 2014, o “gênio saiu da garrafa”: não apenas nas redes sociais, mas ao vivo e em cores, a extrema-direita saiu do armário, cresceu no parlamento e está empesteando o ambiente com todos os preconceitos e atitudes violentas.

21.Quando afirma que o país está dividido, a oposição de direita visa debilitar a autoridade da presidenta e impor o programa dos derrotados. Mas vitória é vitória, mesmo que por um voto. E Dilma Rousseff teve 54.477.479 votos, mais de três milhões a frente de Aécio. A oposição foi derrotada no Nordeste, mas também em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, a tal ponto que a maior parte dos votos de Dilma Rousseff veio do Sudeste e Sul somados. Os partidos que apoiaram a reeleição de Dilma têm maioria no Congresso Nacional. A maioria do eleitorado votou não apenas pela continuidade, mas também pelo aprofundamento das mudanças iniciadas em 2003.

22.A “tese” da oposição de direita, portanto, não decorre da análise dos fatos e dos costumes. Decorre do seguinte: eles não aceitam que tenhamos vencido a quarta eleição presidencial seguida, apesar de tudo que fizeram contra nós. Eles temem que o campo democrático-popular avance nas suas conquistas e vença também as eleições de 2018. Eles sabem, por experiências antigas e recentes, que com ameaças podem conseguir aquilo que o povo não lhes deu.

23.Para os donos do poder, é simplesmente inaceitável a continuidade da ampliação do bem-estar social, das liberdades democráticas e da soberania nacional. Frente à quarta derrota consecutiva, eles fazem e farão de tudo para que a presidenta implemente o programa dos derrotados; para tentar sabotar o novo governo; para buscar desestabilizar a institucionalidade democrática, por exemplo via impeachment ou cassação do registro do partido; para nos derrotar em 2016 e 2018. Sua estratégia pode ser resumida em duas palavras: reação permanente. Todas as alternativas estão postas na mesa da oposição de direita.

24.Não basta constatar isto, muito menos atribuir ao governo estrito senso a solução, pois já aprendemos que o espaço de atuação do governo depende em grande medida da mobilização política e social. Portanto, uma de nossas tarefas principais, em 2015 e adiante, será completar o que não foi feito em 2014. Ou seja: criar as condições para um segundo mandato superior. Tarefa na qual o PT e o conjunto dos partidos e movimentos sociais aliados, bem como a intelectualidade democrática, têm muito a dizer e fazer. A seguir, enumeramos as três medidas mais urgentes:

I.Dar organicidade ao grande movimento político-social que venceu o segundo turno das eleições presidenciais. Partidos e setores de partidos, movimentos sociais, trabalhadores da cultura e intelectualidade democrática devem ser convidados a compor uma grande frente onde possam debater e articular ações comuns, seja em defesa da democracia, seja em defesa das reformas democrático-populares.

II.Iniciar a construção de um jornal diário de massas e de uma agência de notícias, articulados a mídias digitais (inclusive rádio e TV web), com ação permanente nas redes sociais, que sirvam de retaguarda e de instrumento do campo democrático-popular na batalha de idéias. Integrar esta ação de comunicação política com o amplo movimento cultural que está em curso neste país e que foi tão importante no segundo turno.

III.Relançar a campanha pela reforma política e pela mídia democrática, contribuindo para que o governo possa tomar medidas avançadas nestas áreas e para sustentar a batalha que travaremos a respeito no Congresso Nacional.

25.Neste contexto, cabe ao PT reafirmar seu compromisso com a seguinte plataforma:

A.reforma política, através de uma Constituinte exclusiva seguida de uma consulta oficial à população, para que esta referende ou não as decisões da Constituinte;

B.democracia na comunicação, com a Lei da Mídia Democrática e a implantação das principais resoluções da Conferência Nacional de Comunicação de 2009;

C.democracia representativa, democracia direta e democracia participativa, para que a mobilização e luta social influencie a ação dos governos, das bancadas e dos partidos políticos. O governo precisa dar continuidade à participação social na definição e acompanhamento das políticas públicas e tomar as medidas para reverter a derrubada da Política Nacional de Participação Social, objeto de decreto presidencial cancelado pela maioria conservadora da Câmara dos Deputados no dia 28/10/ 2014;

D.a agenda reivindicada pela CUT, onde se destacam o fim do fator previdenciário e a implantação da jornada de 40 horas sem redução de salários, assim como as medidas indicadas por seis centrais sindicais em nota divulgada dia 13/1/2015;

E.as reformas estruturais, com destaque para a Lei da Mídia Democrática, a reforma política, as reformas agrária e urbana, a universalização das políticas de saúde e educação, a defesa dos direitos humanos e a desmilitarização das Polícias Militares;

F.salto na oferta e na qualidade dos serviços públicos oferecidos ao povo brasileiro, em especial na educação pública, com reformas pedagógicas e curriculares no ensino básico, médio e universitário; no transporte público; na segurança pública e no SUS, sobre o qual reafirmamos nosso compromisso com a universalização do atendimento e o repasse efetivo e integral de 10% das receitas correntes brutas da União para a saúde pública;

G.ampliar a importância e os recursos destinados às áreas da comunicação, da educação, da cultura e do esporte, pois as grandes mudanças políticas, econômicas e sociais precisam criar raízes no tecido mais profundo da sociedade brasileira;

H.proteção dos direitos humanos. Salientamos a defesa dos direitos das mulheres, a necessidade de criminalizar a homofobia, o enfrentamento dos que tentam criminalizar os movimentos sociais. Afirmamos o compromisso com a revisão da Lei da Anistia de 1979 e com a punição dos torturadores. Assim como com a reforma das polícias e a urgente desmilitarização das PMs, cuja ineficiência no combate ao crime só é superada pela violência genocida contra a juventude negra e pobre das periferias e favelas;

I.total soberania sobre as riquezas nacionais, entre as quais o Pré-Sal, e controle democrático sobre as instituições que administram a economia brasileira, entre as quais o Banco Central, a quem compete entre outras missões combater a especulação financeira que está por detrás das candidaturas da oposição de direita.

J.política de desenvolvimento de novo tipo, articulada com as reformas democráticas e populares, com nossa luta pelo socialismo, com uma concepção de desenvolvimento ambientalmente orientada.

26.O Partido dos Trabalhadores considera que são medidas políticas e diretrizes programáticas desta natureza, amplas, envolventes, de natureza mais social que institucional, que farão a diferença nos próximos quatro anos. E que garantirão nossa vitória em 2018.

27.Contamos com grandes lideranças populares. Mas o mais importante é que contamos com uma força social imensa, a qual, para além das pessoas e dos governos, demonstrou capacidade de defender autonomamente seus direitos e interesses.

28.Os fatos confirmaram aquilo que nossa análise indicara há tempos: uma eleição duríssima, vencida no segundo turno graças à mobilização e ao voto da esquerda, graças à confiança e a consciência de classe de importantes setores do povo brasileiro, graças à disposição de debater política, demarcar projetos, apontar perspectivas de futuro e assumir compromisso com mudanças mais profundas.

29.As eleições de 2014 foram um momento marcante da luta de classes que atravessa a sociedade brasileira. Quem anda pelo Brasil percebe que o debate político não se interrompeu no dia 26 de outubro. A grande burguesia demonstrou estar decidida a derrotar o PT e o campo democrático-popular. A maioria dos chamados setores médios atuou com o mesmo propósito, com ainda maior agressividade. Nossa vitória foi garantida pelo apoio que recebemos da classe trabalhadora.

30.Tivemos êxito exatamente porque nossa campanha, a partir de 13 de agosto, deixou clara a existência de dois projetos antagônicos, apelou para a mobilização dos setores populares, democráticos e socialistas. Sem esta mobilização, não conseguiríamos derrotar o bloco antagonista, que dispunha de meios superiores, em particular do oligopólio da comunicação. Oligopólio inconstitucional, cujo desmonte é uma das condições para o aprofundamento da democracia no Brasil. A reforma política, especialmente a proibição do financiamento empresarial, é outra das condições.

31.É bom que se diga que nosso êxito eleitoral foi facilitado pelo comportamento hegemônico da oposição. Tanto a campanha de Marina quanto a de Aécio foram rapidamente “sequestradas” pelos setores mais conservadores. Exemplos didáticos disto: 1) o recuo da primeira no apoio à agenda LGBT e sua adesão à tese de independência do Banco Central; 2) a escolha, pelo segundo, de Armínio Fraga como ministro da Fazenda. Ao dar garantias ao “Deus mercado” e ao adotar explicitamente o discurso de “acabar com a raça do PT”, ambos deixaram claro que estava em jogo não mudar, mas sim retroceder.

32.Derrotamos o retrocesso, mas nem em 2006, nem em 2010  o campo conservador esteve tão perto de recuperar a Presidência. Por isto, tão fundamental quanto compreender e criticar os métodos dos inimigos é perceber nossas debilidades e erros.

33.É o caso da opção preferencial pela mudança sem ruptura, cujo pressuposto é fazer concessões aos inimigos. Tal opção só conduz ao êxito se, com o passar do tempo, os inimigos deixarem de ser tão inimigos. Mas na vida real, apesar das concessões, os inimigos se tornaram ainda mais inimigos. E graças às concessões que fazemos/fizemos, eles não apenas mantiveram, como também ampliaram os meios de que dispõem para agir contra nós. Ao mesmo tempo, certas concessões que fazemos/fizemos dividem nosso campo, nos impedem ou pelo menos reduzem nossa capacidade de ganhar amigos e fortalecer nosso lado. Como resultado, há uma tendência ao fortalecimento deles e ao enfraquecimento nosso. O que em algum momento resultará em nossa derrota total.

34.É o caso da opção preferencial pela ascensão por meio do consumo. Se não for acompanhada de fortes investimentos em outro tipo de educação e de cultura, combinados com uma forte democratização da comunicação e com uma reforma política, a ascensão via consumo acabará ampliando as fileiras de setores que podem se voltar contra os valores da esquerda. Por outro lado, a ascensão principalmente por meio do consumo individual é insustentável no longo prazo, pois a melhoria da vida “da porta para dentro da casa” não apenas gera a percepção de que a vida estaria piorando “da porta da casa para fora”, como também reforça um padrão de investimentos que deixa em segundo plano a oferta de bens públicos e de infraestrutura.

35.É o caso da equivocada defesa de um “país de classe média”, quando nosso objetivo é, na verdade, construir um país onde a classe trabalhadora viva cada vez melhor, com mais democracia e bem estar social. Isto significa adotar um desenvolvimentismo democrático-popular, ou seja: forte crescimento, com ampliação da nossa capacidade industrial e tecnológica, alicerçado em reformas estruturais, na ampliação da democracia e do bem-estar social.

36.É o caso da incompreensão dos motivos pelos quais o PSDB e o oligopólio da mídia mantêm forte hegemonia sobre determinadas regiões e setores sociais. O estratégico estado de São Paulo deve ser objeto de uma análise especial. Claro que há erros imensos cometidos pelo Partido e pela esquerda, que ajudam a compreender os resultados eleitorais de 2014. Mas não se trata apenas de um problema de tática eleitoral, de política de alianças, de escolha de candidatura, de linha de campanha, da atitude das bancadas parlamentares e direções partidárias. Ainda que nos espante a falta de autocrítica por parte de alguns, é claro que coincidimos com as críticas feitas à incapacidade política e burocratização de certas direções, bem como acerca dos danos causados pelas acusações de corrupção. Mas nada disto, tomado isoladamente, explica o chamado tucanistão.

37.Assim como parte importante dos setores médios reage à ascensão social dos setores populares, de forma semelhante o estado mais rico da federação reage ao desenvolvimento dos estados mais empobrecidos da federação. Hegemonia de classe e hegemonia regional são parte de um mecanismo integrado, que devemos entender para poder incidir sobre ele, recuperando apoios perdidos junto aos trabalhadores e setores médios. O que exigirá medidas políticas, de desenvolvimento, crescimento, industrialização e ampliação da produtividade, em bases democrático-populares.

38.Por fim, é preciso compreender o recado que estas eleições deram ao nosso PT. Desde 1989, o PT polariza as eleições presidenciais. Nas sete eleições presidenciais realizadas desde então, perdemos 3 e vencemos 4. Mas 2014 foi a eleição mais difícil já disputada por nós: ganhamos enfrentando um vendaval de acusações não apenas sobre nossa política, mas sobre nosso partido.  Não nos comove que a direita nos acuse de organização criminosa, de aparelhismo e de acomodação as benesses do poder. Mas nos importa que acusações deste tipo sejam aceitas como verdadeiras por camadas do povo, inclusive por setores que votam em nós. Neste sentido, o PT tem que retomar sua capacidade de fazer política cotidiana, sua independência frente ao Estado, e ser muito mais proativo no enfrentamento das acusações de corrupção, em especial neste ambiente de “delações premiadas”. Faz parte de uma atitude mais proativa lutar pela investigação, julgamento e punição dos malfeitos dos corruptores, dos tucanos e seus aliados.

39.Como em todas as eleições, perdemos e ganhamos governos estaduais, cadeiras no Senado, na Câmara dos Deputados e nas Assembléias estaduais. Mas observando o “conjunto da obra”, especialmente considerando a evolução eleitoral desde 2002, é claro que há uma inflexão para baixo, soterrando o discurso triunfalista que falava em ampliação geral das bancadas e governos. Discurso que falava também que os adversários eram “anões políticos”; que venceríamos no primeiro turno; que elegeríamos muitos novos governadores, inclusive elegeríamos simultaneamente os governos de SP, MG e RJ. Discurso triunfalista que não encontrava correspondência na direção da campanha, especialmente na política de alianças, cujos limites e incoerências ficaram mais do que evidentes, até para os seus defensores. Aliás, a oposição de direita conta com o apoio de setores importantes da “base parlamentar do governo”.

40.Ao mesmo tempo que se passa tudo isto com o nosso Partido, o que houve no segundo turno demonstrou que a quase totalidade da esquerda e do campo democrático-popular, inclusive os setores que haviam rompido com o PT, reconheceu que a derrota do PT seria a derrota do conjunto da esquerda; e que nossa vitória seria a vitória do conjunto das forças democráticas e progressistas. Este reconhecimento poderia ter sido o ponto de partida para uma rearticulação da esquerda brasileira. As resoluções aprovadas pela direção nacional do PT, em novembro-dezembro de 2014, apontavam neste sentido. Mas as opções feitas na composição do ministério mostraram que a estratégia conciliatória continua dominante no PT e, com isto, reavivaram o esquerdismo que havia se enfraquecido no segundo turno.

41.O voto de esquerda teve papel decisivo no resultado do segundo turno. E não haverá reformas democrático-populares nem socialismo sem uma ampla frente de esquerda. Mas isto só ocorrerá se o PT, principal partido da esquerda brasileira, adotar uma nova estratégia e um novo padrão de funcionamento; se dermos continuidade à linha de politização, polarização e mobilização que marcou a reta final das eleições de 2014; se adotarmos outra tática frente à militância social em geral e frente à militância de outros partidos de esquerda.

42.De imediato, isto exige que nossa tática para 2016 e 2018 seja construída tendo como aliado preferencial não o PMDB, mas sim esta esquerda política e social que foi às ruas garantir nossa vitória. Precisamos organizar uma Frente Popular, unificando os partidos de esquerda e os movimentos sociais, numa coalizão estratégica para disputar o comando do Estado. Não será um movimento fácil, pois temos o PMDB na vice e com grande influência num Congresso Nacional ainda mais conservador do que em anteriores legislaturas. Mas é um movimento necessário, pois não haverá vitória sem mudança e não haverá mudança tendo o PMDB como aliado prioritário. Aliás, como suposto aliado prioritário, pois a maior parte do PMDB já opera contra nós há anos.

43.Cabe construir outro tipo de governabilidade, que dependa menos das maiorias no Senado e na Câmara dos Deputados, e que dependa mais dos movimentos sociais e do apoio na sociedade como um todo. Mas para que isto não seja um gesto inconsequente, precisamos de força. E só teremos força, se nosso Partido souber apoiar o governo, sem confundir-se com ele, sem adotar uma postura subalterna, passiva, burocrática, apagada. Se deixarmos de ser aquele partido cuja direção aceita que seu papel seja terceirizado, inclusive para “técnicos” que muitas vezes esquecem que nossa vitória nas urnas depende sempre da sinergia com as ruas, que nas ruas está o elemento fundamental, não nos dez minutos de horário eleitoral gratuito, escassos diante das quase vinte e quatro horas diárias de que dispõem nossos adversários na mídia hegemônica, para martelar suas ideias e alcançar “corações e mentes” da população.

44.Um Partido protagonista deve incidir publicamente no debate acerca das primeiras medidas do segundo mandato, propondo ações quanto à reforma política e em defesa da democracia nos meios de comunicação, bem como incidindo na disputa principal em curso já neste início do segundo mandato, contra os que (como Joaquim Levy) defendem fazer a retomada do crescimento via ajuste fiscal e corte nos gastos públicos; e a favor daqueles que defendem retomar o crescimento através da redução da taxa de juros e da adoção imediata de políticas industrializantes e de investimentos para a elevação da produção.

45.O debate acerca do desenvolvimento e da política industrial deve ser prioritário. O desenvolvimento com distribuição de renda, avanços nos serviços públicos, fortalecimento político e econômico da classe trabalhadora assalariada, depende da superação dos graves problemas estruturais por que passa a indústria no Brasil. Vivemos um processo de desnacionalização e desindustrialização, com consequências nefastas para o país. Para reverter o quadro de desindustrialização e desnacionalização, é fundamental avançar na construção de uma forte cadeia de empresas estatais e públicas nos setores econômicos estratégicos, para induzir o desenvolvimento, a exemplo que já foi feito pelo Estado em outros países e mesmo no Brasil, noutros períodos da nossa história. E que agora pode e deve ser feito, a partir de uma perspectiva de desenvolvimento democrático e popular, com valorização do trabalho, empoderamento econômico, político e cultural da classe que vive de salários.  Não há classe trabalhadora forte sem desenvolvimento econômico e não há desenvolvimento econômico sem indústria forte.

46.No que toca à comunicação, reafirmamos que um governo democrático não pode financiar com recursos públicos nenhuma gangue de delinquentes midiáticos. As pichações e o lixo jogado em frente à sede da Editora Abril, embora tenham sido úteis à manipulação midiática da direita, nada representam frente ao vandalismo brutal que o oligopólio comete cotidianamente contra a democracia brasileira. Por isto, devemos fazer uso do poder de Estado para combater o crime organizado midiático.

47.Não devemos temer dizer que o Brasil está diante de um impasse histórico. Nem a direita, nem a esquerda estão satisfeitas com a atual institucionalidade. Nós, que defendemos a democracia, sustentamos que a solução passa por uma Constituinte, por plebiscito e referendo, por uma reforma política que abra caminho para um parlamento mais democrático, capaz de aprovar reformas estruturais. A direita, que não tem compromisso com a democracia, questiona o resultado eleitoral, alimenta discursos golpistas, propõe uma contrarreforma eleitoral, recusa a saída constituinte. O impasse alimenta a inaceitável judicialização da política e cria um ambiente de crispação cada vez maior entre direita e esquerda.


48.Não será fácil construir uma saída para este impasse histórico, uma saída que nos leve em direção a um Brasil democrático-popular e socialista. Não será fácil, especialmente porque não é assunto que dependa de retórica, mas sim de persistente construção. Mas uma coisa é certa: para quem realmente tem o coração valente, a saída é vermelha e está no lado esquerdo do peito.

VERSÃO AINDA EM DEBATE, SUJEITA A ALTERAÇÕES

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