quarta-feira, 9 de abril de 2014

Textos velhos, de quando Cristovam Buarque, Paulo Frateschi e Delúbio Soares defendiam a mesma posição

Parece democrático. Mas não é.

No segundo caderno de debates, Cristovam Buarque, Delúbio Soares e Paulo Frateschi defenderam a "eleição direta para direção do PT".

Por esta proposta, o DN, os DRs e os seus respectivos presidentes passariam a ser eleitos pelo voto direto de todos os petistas em dia, respeitada a pluralidade, a proporcionalidade etc e tal.

Uma parte dos argumentos a favor desta medida saiu diretamente de maio de 68: "O PT sempre foi uma instituição rebelde". "O PT inovou também na organização de base, decidiu pela criação dos núcleos". "Garantiu a pluralidade". "A nossa tradição é sempre radicalizar a democracia e ampliar os espaços de opinião e debate no partido"... e outras frases grandiloquentes do estilo, feitas sob medida para que o leitor acredite que a proposta de eleição direta é um prolongamento desta tradição heróica (e hoje já meio mitificada) do PT das bases.

Independente de a proposta ser boa ou não, é revoltante o oportunismo dos signatários, que têm se esmerado em restringir os espaços de deliberação real da militância partidária.

A segunda parte dos argumentos é aquele conhecido blá-blá-blá sobre o mundo globalizado ("o mundo mudou", logo...), concluindo com a seguinte afirmação: "exige de nós mais um ato de rebeldia capaz de superar os limites estabelecidos no nosso modelo de organização, subverter obstáculos restritivos à participação dos filiados na vida do partido e contribuir com a ampliação da representação e da legitimidade dos dirigentes do partido". Vamos ao substantivo: quais são os limites estabelecidos no nosso modelo de organização? Quais são os obstáculos restritivos à participação dos filiados na vida do partido? Como contribuir para ampliar a representação dos dirigentes do partido? Como contribuir para ampliar a legitimidade dos dirigentes do partido?

O limite principal que existe é o fato dos filiados serem convocados para deliberar apenas no momento dos encontros. E, mesmo assim, apenas para votar, pois graças à decisão da atual maioria do DN, as pessoas podem vir ao encontro, votar e ir embora. Ou seja: Encontros sem encontros. Isto mudará se a eleição for direta?

O principal obstáculo para a participação --mesmo nos encontros-- é o fato de que as decisões coletivas não são respeitadas nem encaminhadas por grande parte das figuras públicas e dos dirigentes, que se julgam acima do Partido. Isto mudará se a eleição for direta?

Hoje em dia os dirigentes tentam aumentar sua "representação" (suponho que os autores quisessem escrever representatividade) disputando cargos eletivos. Isso introduz uma brutal distorção na vida partidária, pois o PT passa a ser dirigido a partir das instituições, com a lógica das instituições (governo, parlamento). Caso se adote a eleição direta, alguém tem dúvida sobre como seriam compostas as chapas? O que hoje já é forte se tornaria predominante: chapas compostas por figuras públicas, portanto com mais chances de vencer uma eleição de massa.
O maior obstáculo à legitimidade dos dirigentes do Partido vem de concepções e práticas segundo os quais a legitimidade de um dirigente vem dele ter ou não "voto".

O terceiro pacote de argumentos de Cristovam & cia. merece ser decomposto passo a passo. Segundo ele, a eleição direta permitirá os seguintes avanços no partido:
1)      "Abrirá um processo prévio de discussão sobre as estratégias e táticas do partido antes mesmo da realização dos fóruns formais de deliberação".

Mas qual é a diferença em relação ao que temos hoje?

2)      Graças às novas tecnologias, este debate será acompanhado de Norte a Sul, de dentro e de fora do Partido.

3)      "A eleição direta assegurará fóruns deliberativos mais transparentes, pois os processos de formação e composição de chapas serão realizados no transcorrer dos debates preparatórios e não nos dias dos Encontros Democráticos".

4)      "O fato de todo e qualquer filiado poder votar em todos os dirigentes do partido amplia radicalmente seus direitos e possibilitará uma participação mais efetiva nos rumos do Partido".

Aqui está a mãe de todas as demagogias. A concepção de democracia desses senhores é eleitoral. Por este critério, a participação está no eleger. Por este critério, os nossos diretórios municipais (que na prática são eleitos diretamente) deveriam ser paraísos democráticos. Ora, todos sabemos que quanto mais alto o nível deliberativo, mais difícil é controlar os eleitos. A eleição direta só vai ampliar a distância entre o eleitor e o eleito.

5)      "A eleição direta não inibe o debate, não restringe o direito de tendência" etc.

Em tese isto é verdade. Mas cabe fazer uma pergunta desagradável: haverá financiamento de campanha, nas eleições diretas do PT? Os candidatos vão ter que citar seus financiadores? Como compensar democraticamente o fato de um candidato ou chapa ter figurões com acesso e apoio na mídia, enquanto a outra é de militantes dedicados mas obscuros? Ou o debate e os direitos serão só para os mais iguais entre todos?

6)      Há, finalmente, um conjunto de argumentos ligados à possibilidade do debate chegar na base.

De fato, o voto individual pode tornar o filiado mais interessado e o "candidato" também mais preocupado em chegar a cada filiado. Isso não deve ser negado. Mas os pontos negativos da proposta superam esta que seria sua única vantagem; aliás, o problema deveria ser resolvido com o bom funcionamento cotidiano do Partido. O risco que temos é de, com a eleição direta, a direção lembrar do filiado, do rincão, no período das campanhas. Depois, bem, depois a gente espera a próxima eleição.

Por outro lado, não fomos nós, da esquerda, quem dissemos, numa reunião do Diretório Nacional, que "as bases não entendem nossos debates", para justificar a não-obrigatoriedade de debates nos encontros municipais e o mecanismo da urna aberta. Na verdade, a proposta do Cristovam e Cia. manipula demagogicamente a insatisfação do Partido com o funcionamento imposto pela atual maioria, que é integrada por Delúbio, Frateschi e Cristovam.

Outro pacote de argumentos diz que a eleição direta permitirá que todos os filiados debatam, simultaneamente, as linhas estratégicas e elaborando a tática do partido, colocando para o nosso partido "o sentido de nacionalidade". Eu já vi usarem a patriotada para tudo, mas assim já é demais. A proposta dos companheiros ELIMINA OS ENCONTROS partidários. Essa é a verdade. Não haverá mais debates, convencimento. Haverá confronto eleitoral de posições.

Em resumo: a proposta de diretas agrava todos os problemas organizativos do partido, a autonomização dos dirigentes, a influência do poder econômico e da mídia na vida interna, a redução do filiado a um mero eleitor, a inexistência de debates etc. A proposta de eleição direta acaba com os encontros partidários, transforma as tendências e quiçá as direções, no único espaço de debate sobre as linhas do partido. E abre espaço ainda maior para a inundação do PT por filiados a laço.



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