segunda-feira, 31 de março de 2014

Terceira versão do projeto de resolução sobre Diretrizes de Programa de Governo



Terceira versão do projeto de resolução sobre Diretrizes de Programa de Governo, que apresentaremos ao Encontro Nacional do PT, 2-4 de maio de 2014)

Este texto será inscrito no dia 5 de abril. Quem tiver emendas ao texto, envie imediatamente para pomar.valter@gmail.com

1. As eleições presidenciais de 2014 constituem o centro da tática do PT na atual conjuntura. Isto significa que a batalha em torno de quem ocupará a presidência da República no período 2015-2018 está no centro das preocupações e movimentações de todas as classes sociais e frações de classe, de todos os movimentos sociais e populares, de todos os meios de comunicação, governantes, parlamentares e partidos políticos. Como vem ocorrendo desde 1989, as eleições presidenciais cristalizam o estado da arte da luta de classes no Brasil.

2. O Partido dos Trabalhadores tem como objetivo vencer as eleições presidenciais de 2014. Ou seja: eleger a presidenta Dilma Rousseff para um segundo mandato presidencial. E queremos vencer criando as condições para um segundo mandato superior ao atual, ampliando a base de apoio do governo no Congresso, nos governos de estado e nos movimentos sociais.

3. Um segundo mandato Dilma superior ao atual é o desejo não apenas do PT, mas da maioria do povo brasileiro. Pesquisas recentes confirmam que a Presidenta Dilma é a preferida da maioria do eleitorado, parte importante do qual deseja mudanças no segundo mandato. Ou seja: parte importante do eleitorado e do povo brasileiro deseja que o segundo mandato Dilma “continue mudando” o Brasil.

4. O que significa, programaticamente, um segundo mandato superior ao primeiro? O que significa “continuar mudando” o Brasil? Responder a esta pergunta exige perceber que no Brasil e na América Latina, continua posta a tarefa de superar a herança perversa do neoliberalismo, nas suas três dimensões: o domínio imperial norte-americano, aditadura do capital financeiro e a lógica do Estado mínimo.

5. Superar estas três dimensões da herança maldita do neoliberalismo é uma tarefa simultaneamente nacional e regional, motivo pelo qual a primeira diretriz de nosso programa écombinar a defesa e o aprofundamento da soberania nacional, com uma política internacional ativa, cujo eixo é acelerar e radicalizar a integração latino-americana e caribenha.

6. Duas décadas perdidas (anos 1980 e 1990) produziram uma tragédia que começou a ser debelada, nas duas gestões do presidente Lula e na primeira gestão da presidenta Dilma. Mas para continuar democratizando o país, ampliando o bem-estar social e para trilhar um caminho democrático-popular de desenvolvimento, será necessário combinar políticas públicas universalizantes com reformas estruturais. Esta constitui a segunda diretriz de nosso programa.

7.  Aos 50 anos do golpe militar de 1964, o Partido dos Trabalhadores deixa claro: trata-se de retomar o espírito das reformas de base.

6. No terreno da democracia, destacamos:

*convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva e específica, que faça uma reforma política, com as seguintes prioridades: fim do financiamento privado empresarial, para acabar com a influência do poder econômico nos processos eleitorais; afirmar o princípio da proporcionalidade direta (um cidadão, um voto) na composição da Câmara dos Deputados, para acabar com as distorções herdadas do Pacote de Abril de 1977; unicameralismo, com o fim do Senado; voto em lista, para fortalecer os partidos programáticos; paridade de gênero, para garantir que metade das casas legislativas seja composta por mulheres; simplificação dos mecanismos de convocação de consultas, referendos e plebiscitos populares; ampliação dos mecanismos de controle social, desde o orçamento participativo, passando pelas conferências setoriais, até institutos como a revogação de mandatos e eleição de juízes.

*aprovação da Lei da Mídia Democrática, para que se elimine o monopólio dos meios de comunicação e se cumpra o previsto na Constituição brasileira. Mudança nas regras comerciais do setor de Comunicação, desconcentrando as verbas publicitárias, estimulando a mídia democrática e independente e construindo uma forte rede pública de rádio e televisão;

*ampliação do orçamento das áreas de cultura e educação, compreendendo que é tarefa do governo contribuir para a formação de uma cultura democrático-popular de massas em nosso país e que isso exige a ampliação do investimento e da ação do setor público, em todos os níveis.

*efetivação e apoio às demarcações de terras, proteção à vida, e atendimento a outras reivindicações dos povos indígenas e dos quilombolas. Compromisso com a efetivação da Convenção 169 da OIT;

*reforma profunda do sistema de segurança pública, que promova a desmilitarização das polícias e supere os paradigmas da guerra às drogas e da doutrina de segurança nacional;

*ampliação do controle civil sobre as Forças Armadas, por meio do fortalecimento do Ministério da Defesa e extinção da Justiça Militar. Reforma curricular dos centros de formação militares;

*vinculação das conclusões da Comissão Nacional da Verdade à imediata revisão da Lei da Anistia, para que cesse a impunidade dos agentes da Ditadura Militar.

*fortalecimento das políticas de direitos humanos em defesa das mulheres, da juventude, das crianças, do idoso, das pessoas com deficiência e no combate ao racismo e a homofobia;

7. No terreno do bem-estar social, destacamos:

*redução da jornada de trabalho, para 40 horas semanais, sem redução de salários;

*eliminação do fator previdenciário;

*ampliação dos investimentos em saúde, adotando os 10% defendidos pelos movimentos sociais e especialistas, e enfrentamento dos problemas de gestão, na linha da proposta de “autarquia pública”;

*ampliação dos investimentos em educação, atingindo os 10% reivindicados pelos movimentos sociais e pelos especialistas na área, combinando isto com uma ampla mudança pedagógica e curricular, objetivando o ensino integral;

*ampliação dos investimentos na reforma urbana, com base no Estatuto das Cidades, enfatizando o tema do transporte público, saneamento básico e habitação;

8.Precisamos de um desenvolvimento centrado na ampliação do público e do social, da produção e do mercado interno de massas, de vultosos investimentos estatais em infraestrutura, políticas sociais e reformas estruturais (com destaque para as reformas agrária e urbana). É preciso ampliar o orçamento destas áreas, em detrimento dos encargos da dívida financeira.

* o Banco Central deve perseguir metas combinadas de inflação, crescimento e emprego, tendo como meta a redução das taxas de juros determinadas pelo Copom a patamares compatíveis com as metas de crescimento e emprego. A redução da relação dívida/PIB será buscada, não através de altas taxas de superávit primário, mas sim por intermédio do crescimento do Produto Interno Bruto.

* subsídios e isenções exclusivamente vinculados a contrapartidas sociais e ambientais.

* implementação da reforma agrária ampla, nenhum sem terra e nenhum latifúndio improdutivo, associando distribuição de terras, formação das vilas agro-industriais e o fomento do cooperativismo;

9. De acordo com estas diretrizes gerais, o Diretório Nacional do PT debaterá e aprovará um documento sobre Diretrizes de Programa de Governo (2015-2018), que será apresentado ao país e à coligação que apoia a reeleição da presidenta Dilma Roussef.

10. O Partido dos Trabalhadores tem consciência de que a Plataforma da Reeleição será fruto de uma negociação entre os diversos partidos e setores sociais que apoiam a candidatura Dilma Rousseff. Por isso mesmo, não podemos nos furtar a explicitar quais as posições programáticas do PT. Agindo desta forma, contribuímos para a elevação da Plataforma comum.

11.A objeção de que nossas diretrizes incluem medidas de natureza congressual, portanto inadequadas para uma campanha presidencial, respondemos antecipadamente: não tergiversem. Todo mundo sabe que a aprovação ou não de determinados temas no Congresso depende do empenho maior ou menor do governo. E o governo deve legitimar sua posição no processo eleitoral.

12.A objeção de que nossas diretrizes incluem medidas que supõem uma grande capacidade de mobilização e organização social, respondemos antecipadamente: isto se constrói desde já, a começar pela campanha eleitoral. Aliás, a Plataforma da Reeleição deve aprender com o caso do Mais Médicos, pois quando uma ação tem apoio popular, quando o governo e o partido estão articulados em sua defesa, quando existe uma real decisão de vencer, é possível dividir o inimigo e obter uma vitória.

13.Para que o segundo mandato Dilma seja superior ao primeiro, necessitamos de uma grande vitória em 2014, que se reflita na composição do futuro Congresso Nacional e em quem será eleito para governar os estados brasileiros. Para tal, necessitamos não apenas de uma campanha eleitoral, mas de um grande movimento político, que articule e mobilize intensamente partidos, movimentos, bancadas e governos. Estamos seguros de que o povo brasileiro tem consciência política, sabe que há problemas reais no país, sabe que nosso governo não é perfeito e ainda assim repetirá seu voto em nós, se estiver convencido não apenas de que a oposição é o retrocesso, mas principalmente se estiver confiante no que faremos, em direção a um país realmente democrático e popular.

domingo, 9 de março de 2014

Texto sobre El Salvador, escrito em 2009

A tumba está em festa.  Valter Pomar
 
Antes de falar da vitória de Maurício Funes e da FMLN, é preciso falar da Aliança Republicana Nacionalista, a Arena.

Fundada em 30 de setembro de 1981, Arena é um partido assumida e doutrinariamente de direita, que tem entre seus princípios a luta contra a “penetração ideológica e a agressão permanente do comunismo internacional”.

Arena venceu as eleições presidenciais de março de 1989 e desde então governa El Salvador. Seu candidato às eleições de 15 de março de 2009 era o engenheiro Rodrigo Ávila, ex-chefe da Polícia Nacional Civil, graduado na Academia do FBI e consultor internacional em “segurança pública”.

Arena vive e pensa com parâmetros da Guerra Fria, a tal ponto que tem um vice-presidente encarregado de “assuntos ideológicos” e um hino que proclama: “pátria si, comunismo no”. E para que não restem dúvidas sobre os métodos, lá também se diz que “El Salvador será la tumba donde los rojos terminarán".

Desde 1994, Arena vem disputando as eleições presidenciais contra a Frente Farabundo Martí pela Libertação Nacional, guerrilha que se converteu em partido político após os Acordos de Paz firmados em 1992.

O desempenho da FMLN nas eleições presidenciais foi crescente: em 1994, Ruben Zamora chegou a 26% dos votos; em 1999, Facundo Guardado obteve 29% dos votos; em 2004 Schafk Handal obteve 35% dos votos. Ao mesmo tempo, manteve uma intensa vida partidária, forte atuação parlamentar e nas lutas sociais, bem como sua atividade internacionalista.

Para as eleições de 2009, a FMLN fez um movimento extremamente ousado: decidiu lançar a candidatura de Maurício Funes, conhecido jornalista da CNN. Este gesto, seguido por outros, no terreno programático e na condução da campanha, ajudou a FMLN a ganhar o apoio de setores de centro, inclusive empresários.

Noutro cenário, esta flexibilidade talvez não resultasse na vitória. Mas no ano de 2009, a conjuntura não favorecia a direita. A administração Obama disse formalmente que governaria com quem vencesse as eleições, não repetindo a ingerência aberta e declarada praticada nas disputas anteriores. A crise econômica internacional e a onda de vitórias eleitorais da esquerda latino-americana também enfraqueceram a candidatura da Arena.

Esta conjuntura foi essencial para a derrota da direita, apesar da fortuna gasta nas eleições, apesar da campanha suja (implementada por gente ligada à direita mexicana e chilena) e apesar das fraudes cometidas no processo eleitoral.

Todas as pesquisas eleitorais, desde o início da campanha, indicavam a vitória de Funes. As duas pesquisas de boca-de-urna apontavam uma vantagem pró-FMLN que podia chegar a 8 pontos percentuais. Ao final, a esquerda venceu com 51,2% dos votos ou 68 mil votos de vantagem (de um total de 2.630.137 votantes, 1.349.142 votaram na FMLN e 1.280.995 votaram na Arena).

A diferença não foi maior por vários motivos, entre os quais a fraude, facilitada pelas características peculiares do processo eleitoral salvadorenho. O “padrão eleitoral” é composto por todos os salvadorenhos que tenham o documento unificado de identificação (a nossa carteira de identidade). Neste universo, havia comprovadamente um grande número de documentos falsos, duplicados, de pessoas que já haviam morrido, de pessoas sem domicílio conhecido, de pessoas que residem no exterior. Em segundo lugar, a votação não é feita por local de residência, mas sim por ordem alfabética (no caso, a primeira letra do sobrenome paterno), obrigando deslocamentos da população, num país onde não há transporte público e onde o voto não é obrigatório. Em terceiro lugar, a direita arregimentou eleitores em países vizinhos, a quem foram entregues documentos falsos ou de pessoas ausentes do país. Em quarto lugar, o Tribunal Supremo eleitoral é controlado pela Arena, que indicou 3 de seus 5 integrantes, inclusive o presidente.

Encerrada a votação, a direita demorou algumas horas para reconhecer a derrota. Ao faze-lo, pediu “prudência” e “sabedoria” para a esquerda, alertando que o país estava “dividido ao meio”. Esqueceram de dizer que a polarização foi a tônica da campanha da Arena, que “acusava” Funes de “comunista” e de “chavista”.

Funes não é uma coisa, nem outra. Em seu discurso de campanha, na coletiva em que proclamou a vitória e no pronunciamento que fez na festa popular da vitória, deixou claro que fará um governo de esquerda, mas adequado às condições econômicas e políticas de El Salvador. Nas várias entrevistas concedidas depois da eleição, ele também repeliu com muita tranqüilidade as seguidas tentativas de colocá-lo em conflito com a FMLN.

Como sabemos por experiência própria, os maiores desafios começam agora, especialmente a partir da posse, no dia 1 de junho de 2009. Mas uma coisa é certa: a tumba dos vermelhos, onde estão milhares de salvadorenhos e combatentes internacionalistas que deram sua vida na luta pelo socialismo em El Salvador, está em festa. Merecida festa.


Valter Pomar é Secretário de Relações Internacionais do PT.

Resposta ao Maringoni

Resposta ao Maringoni

Para aqueles que não acompanharam os lances anteriores: o Gilberto Maringoni escreveu um “post” criticando setores do PT que atacam o PSOL.

Eu respondi a este post (interessados podem ler os dois textos no blog da Mariafro).

Maringoni escreveu uma tréplica, intitulada: UM DEBATE COM VALTER 
POMAR.

O que segue é minha resposta a esta tréplica. 

Resposta ao Maringoni

Prezado Maringoni, como vai? 

Espero que bem, como diziam nossos velhos.

Isto posto e indo ao primeiro ponto: é fato que temos concepções afins. Como você, “penso até que na seara internacional nunca tivemos algum tipo de diferença. Falamos a mesma língua”.

Mas se é isto, e acho que é exatamente isto, me surge a seguinte questão: por qual motivo você não aplica, ao governo Dilma, o mesmo metro, a mesma medida, que você aplica ao analisar o papel do Putin na crise recente da Ucrânia?

Explico, dando um exemplo desagradável: uma das correntes do PSOL, creio que a CST, divulgou uma análise comemorando a vitória da revolução popular na Ucrânia. Acho a posição deles “peregrina e mostruosa”, para citar nosso velho preferido. Mas apesar disto, acho que a CST é coerente: eles aplicam o mesmo metro, o mesmo critério, tanto aqui quanto lá.

Antes que você diga que nisso reside o erro deles (aplicar o mesmo método para situações concretas distintas), deixe eu esclarecer com mais precisão o que eu quero dizer: acho que a CST, tanto aqui quanto lá, adota um critério maximalista, “tudo ou nada”, que os leva a desconsiderar o papel do imperialismo, que os leva a achar que “tanto faz que ele seja inimigo do meu inimigo, continua sendo meu inimigo do mesmo jeito” etc.

Trazendo para nosso quintal: objetivamente, a existência do governo Dilma (assim como a existência do governo Lula) é um ponto de apoio para processos muito mais avançados que estão em curso na América Latina. 

Como diziam algumas correntes em relação a URSS nos anos 70: tratava-se de um aliado objetivo (mesmo quando adotava políticas internas ou externas incorretas).

Também objetivamente, não existe no horizonte a menor possibilidade do governo Dilma ser substituído por um governo do PSOL, ou do PCB, ou do PSTU, ou do PCO. Assim, a questão é: quem luta para derrotar o governo Dilma opera, objetivamente, mesmo que não queira, mesmo que não seja este o seu desejo, na mesma frequência de rádio do imperialismo.

Portanto, não acho que seja correto você dizer que “nossas discrepâncias estão na política interna”. Elas não estão apenas na política interna.

Vamos agora ao segundo ponto: você diz que nossas discrepâncias estariam “especialmente no papel do PT”. 

Veja: aqui há um detalhe sutil sobre o qual eu gostaria de chamar sua atenção, muito respeitosamente. Acho que você, quase sem perceber, trata PT e governo como se fossem coisas iguais.

Voce diz assim: “não acho que o ciclo histórico do partido tenha se esgotado”.

E logo em seguida diz que a “divergência está em ver o PT como pólo transformador e veio principal para a rearticulação da esquerda socialista brasileira”.

E ato contínuo afirma que “essa possibilidade é praticamente inexistente hoje. Se em quase 12 anos e em situações de aceleração econômica o partido não fez isso, não o fará num cenário de retração da economia mundial”.

Opa: nesta última frase, o critério utilizado para julgar o Partido é a ação do governo. Eu acho que esta interpretação é parcialmente válida, mas não esgota o problema. 

Compreendo que aqueles que criticam o PT queiram julgá-lo pelas contradições, insuficiências e equívocos cometidos pelos governos Lula e Dilma.

Como disse, acho que é um critério parcialmente válido. Mas o PT não é apenas isto, apesar dos esforços que setores do próprio PT fazem no sentido de converter o Partido em “correia de transmissão” do governo.

De toda forma, como a confusão teórica anda instalada na esquerda brasileira, deixa eu ser mais claro acerca do que estou querendo dizer.

Existe uma disputa na sociedade brasileira, entre dois caminhos de desenvolvimento: o caminho conservador e o caminho democrático.

Ambos são caminhos capitalistas. A diferença é que o caminho conservador preserva, conserva, os padrões que caracterizaram a maior parte da história brasileira: a dependência externa, a falta de democracia e a desigualdade social. Já o caminho democrático busca alterar estes padrões, no sentido de mais soberania, mais democracia e mais igualdade.

Na historia do Brasil, o caminho conservador sempre foi estrategicamente vitorioso, apesar de derrotas táticas, momentâneas. E o caminho conservador sempre foi vitorioso porque a classe dominante brasileira nunca se dividiu seriamente a este respeito: nos momentos de crise, nos momentos em que seria possível fazer uma revolução democrática, o conjunto da classe dominante, ou praticamente toda ela, cerrava fileiras em favor do caminho conservador e impunha derrotas ao caminho democrático.

A conclusão é: para que o caminho democrático prevaleça, a classe trabalhadora precisa assumir sua vanguarda. E isto implica em entender que a classe dominante, como um todo, é nossa inimiga. E implica em entender, portanto, que um caminho democrático para o Brasil só terá êxito se for, também, um caminho de tipo socialista.

O Partido dos Trabalhadores, nos anos 1980, entendia isto. Mas desde 1990, veio crescendo dentro do Partido um setor que acredita na possibilidade de uma aliança estratégica entre os trabalhadores e uma parte da classe dominante. 

Enquanto éramos oposição, isto era apresentado como sabedoria eleitoral. Agora que somos governo, é apresentado como necessário para a governabilidade. Mas a outra face disto são as mudanças parciais e o risco de retrocesso.

É nesta armadilha histórica que estamos: melhoramos a vida do povo, mas governamos o país em aliança com setores da classe dominante, fazemos concessões importantes a setores da classe dominante. 

Se perdermos o governo, será um retrocesso.

Se ganharmos nas mesmas condições, continuaremos na mesma armadilha: sem reforma política, sem democratização da mídia, sem reformas estruturais etc.

Qual a resposta do PSOL para isto? Ou melhor, qual a conclusão que você tira deste quadro?

Tomando como base o que você diz na tua carta: “é praticamente inexistente” a “possibilidade” do PT ser “o PT como pólo transformador e veio principal para a rearticulação da esquerda socialista brasileira”, pois se “em quase 12 anos e em situações de aceleração econômica o partido não fez isso, não o fará num cenário de retração da economia mundial”.

Com todo o respeito, este tipo de análise me recordar uma citação do Giorgy que você me enviou, uma vez, explicando por qual motivo a posição do Trotsky nos anos 1920 estava equivocada. 

Veja: podemos mudar o Brasil (a favor da classe trabalhadora) com o PT. Sem o PT e contra o PT, ao menos no tempo de nossas vidas, considero impossível.

O que pode ocorrer, sem o PT e/ou contra o PT, é uma mudança para pior. Uma mudança contra os interesses da classe trabalhadora. E é este, na minha opinião, o risco que se abate sobre o PSOL e sobre todos os partidos da “esquerda da esquerda”.

O desdobramento patético deste risco é um texto que li, de alguém da CST tendência interna do PSOL, sobre a “revolução” na Ucrânia. Neste texto o cidadão comemora a ocorrência de uma revolução popular, dirigida por neoliberais e nazistas. E que agora o desafio é levar a revolução para a esquerda...

Guardadas as proporções, é isto que se imagina para o Brasil pós-PT? Com o PT derrotado, com a direita no governo, implementando programas que vão deixar clara a diferença entre nós do PT e eles da oposição neoliberal (Eduardo, Marina e Aécio), aí a “esquerda da esquerda” vai trabalhar para levar o país para a esquerda?

Como você vê, tampouco consegui ser breve na resposta. Mas acredito que consegui deixar claro o tamanho das nossas divergências, que explicam o fato de termos militando juntos no PT até o início de 2005, depois do quê você apoiou a candidatura do Plínio de Arruda Sampaio e depois saiu do PT rumo ao PSOL. 

Registre-se: você e outros saíram entre o primeiro e o segundo turno das eleições internas do PT. Provavelmente, se vocês tivessem permanecido, a esquerda teria vencido a presidência do Partido. 

Mas eu compreendo: como HOJE a “possibilidade” de fazer do PT um “polo transformador” é “praticamente inexistente”, por qual motivo ONTEM vocês deveriam ter ajudado a esquerda a vencer a disputa interna do PT?

Para concluir, alguns comentários breves sobre tuas opiniões numeradas.

Opinião 1: você acusou Amorim, Eduardo e Lassance de “ligações com o aparato de segurança do governo”. 

Agora você apresenta teus indícios disto: Eduardo teria citado uma “declaração do comandante da PM, dada a um jornal, para corroborar sua sentença”. Amorim no dia 27 de janeiro teria chamado o “Não vai ter Copa” de “terrorista” e ato contínuo setores da direita no Congresso começaram a “ articular a aprovação da lei antiterror”. E Lassance escreveu sobre a “A conivência do PSOL com os black blocs”, depois do que Alckmin e outros patrocinaram a barbárie.

Desculpe, Maringoni, mas nada disto permite você acusar alguém de ter “ligações com o aparato de segurança”. 

Voce está criticando opiniões políticas. Não é preciso ter ligações com o aparato de segurança para citar uma declaração de um policial, para considerar o não vai ter Copa como terrorista ou para falar das ligações do PSOL com os Black Blocks. E o aparato de segurança controlado pela direita não precisa de pretextos, nem de instruções de gente de esquerda, para fazer o que está fazendo.

Respeitosamente, acho que você pesou a mão. E faria melhor em reconhecer isto. Manter a desconfiança ligada é um dever; alardear esta desconfiança, sem que haja embasamente sólido, é uma estultice, no mínimo.

Opinião 3: de fato somos todos crescidos. Mas a “bronca” de setores do PT contra o PSOL, ou contra setores do PSOL, não é um problema de “mágoa”, nem tem relação com a AP 470. 

Lembro que no segundo turno de 2006 Heloísa Helena não apoiou Lula. Lembro que no segundo turno de 2010 Plínio não apoiou Dilma. Lembro que em 2012, na eleição de São Paulo capital, Plínio disse que Serra era melhor que Haddad. Neste último caso, recordo que o PT fez de tudo para eleger o Edmilson prefeito de Belém no segundo turno. Mas a recíproca não foi verdadeira. 

Não se trata de mágoa: na prática, nos momentos decisivos, a postura do PSOL tem sido derrotar o PT.

Opinião 4: eu não minimizo as ações erradas de Paulo Bernardo, Glesi Hoffmann e Cardozo. 

Como você sabe, não apenas eu, mas a tendência de que faço parte, sempre fez uma crítica dura, tanto a pessoas quanto a ações que contradizem nosso programa. Por exemplo a presença do PT na vice do Eduardo Paes, contra a qual nos posicionamos desde sempre.
But, aqui há duas diferenças importantes a considerar. A primeira é que o PSOL se propõe a superar o PT. Logo, espera-se dele uma coerência superior, certo?

A segunda diferença importante diz respeito ao que você diz sobre a “política macroeconômica abertamente liberal do governo petista, a manutenção da política privatista, os favores dados ao grande capital”. 
Por partes.

Sou contra os subsídios sem contrapartida. Mas acho impossível (e acho que você também acha isto) que um governo de esquerda, na atual correlação de forças mundial e nacional, não faça algum tipo de “negócio” com o grande capital. Vice Cuba, vide Venezuela etc. 

Acho que uma parte dos que criticam o governo petista por fazer “favores ao grande capital” acreditam que é possível expropriar o conjunto do grande capital. Por isto acho indispensável que deixemos claro no que acreditamos. Eu acho que é possível e necessário submeter o grande Capital, mas isso exige pau e cenoura. Não apenas pau.

Sou contra as concessões e acho que o leilão do pré-Sal foi um erro. Mas não acho que se trata de “manutenção da política privatista”. Não é a mesma política adotada pelos governos tucanos. Por exemplo: leia a excelente entrevista do Estrela na Folha de S.Paulo, onde ele critica o leilão e ao mesmo tempo mostra as diferenças. 

Aliás, um dos erros do governo foi exatamente este: permitir que a direita diga que se trata da “manutenção da política privatista”, que é tudo igual. Eles sabem que não é, tanto é que forçaram a mão para derrubar as licitações feitas nas regras estabelecidas pelo governo. Mas dizem de público que é, por razões políticas.

E, para não dizer que não falei de flores: você afirma que a “política macroeconômica” do “governo petista” é “abertamente liberal”. 

Não acho que o governo Dilma seja petista, nem que os governos Lula tenham sido “petistas”: governo de coalizão com partidos de esquerda, centro e direita é uma coisa, governo petista é outra coisa. Mas admitamos, para facilitar o debate, que seja como você diz. 

O interessante na tua frase é que você diz que a política do governo é “abertamente liberal”. Ora, ora... terá sido um erro de digitação ou você reconhece que não se trata de uma política abertamente neoliberal?

Pois este é o ponto: a política dos governos FHC foi neoliberal. A política dos governos encabeçados pelo PT (embora não petistas) não foi neoliberal. O que foi, então? Liberal? Desenvolvimentista? Em disputa? Aqui cabe um debate, mas neoliberal é que não foi.

Opinião 6: você reclama que petistas tem “tomado manhosamente a parte pelo todo”, acusado o PSOL de conjunto por atos de indivíduos ou de setores do PSOL. E diz que você não faz “isso com o PT”. Buenas, você há de convir que a maior parte do PSOL também “toma a parte pelo todo”.

Opinião 9: você evidentemente fugiu de responder. Minha questão não é sobre o teu voto. Minha questão é sobre como agirá o PSOL, como partido, na hipótese do segundo turno de 2014, caso tenhamos Dilma contra Eduardo ou Aécio. 

Por fim, quanto a opinião 8: nunca confie num cartunista, ele sempre acaba apelando para uma caricatura. 

Na tua opinião 8, voce diz que uma das “maiores provas” de que os governos petistas não foram/são de “esquerda” é que “um dos melhores e mais preparados quadros da esquerda brasileira– sequer ter sido cogitado para exercer função decisiva nas administrações de Lula e Dilma”. 

Meu caro, se eu fosse mesmo tudo isto, você estaria no PT, na Articulação de Esquerda. Se nem você aceita minha orientação, por qual motivo o Lula e a Dilma me dariam importância???

Ademais, para ser honesto, uma vez fui indiretamente consultado a respeito. Pedi a presidência do Banco Central. Como não tive resposta, preferi ficar na direção do Partido, que para mim continua sendo muito mais importante que estar no governo.

Abraços e um bom domingo

Valter Pomar

sexta-feira, 7 de março de 2014

Editorial do jornal Página 13 de março de 2014

Tempos bicudos

Esta edição de Página 13 concentra-se em dois grandes temas: os 50 anos do golpe que deu origem à ditadura militar (1964-1985) e a comemoração do 8 de março, Dia Internacional da Mulher.
Por este motivo, deixamos de tratar da situação internacional, especificamente da Ucrânia e da Venezuela. Faremos isto na próxima edição de Página 13, no mês de abril, incluindo não apenas os casos citados, mas também um balanço das eleições em El Salvador.

Por enquanto, nos limitamos a: 1) reafirmar nosso apoio ao presidente Nicolas Maduro, ao governo da República Bolivariana da Venezuela e aos partidos do Grande Pólo Patriótico, com destaque para o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV); 2) denunciar a escandalosa aliança entre os Estados Unidos e governos da União Européia, com os neonazistas atuantes na Ucrânia; 3) constatar que mais uma vez se confirma que a situação internacional é de profunda instabilidade, marcada por cada vez mais conflitos, inclusive militares, tendência que deve ser levada em devida conta nas análises da conjuntura latinoamericana e brasileira.

Passado o Carnaval, a luta política no país vai se acentuar, tendo como centro tático as eleições presidenciais de 2014. O Partido dos Trabalhadores tem como objetivo eleger a presidenta Dilma Rousseff para um segundo mandato presidencial. E queremos vencer criando as condições para um segundo mandato superior ao atual.

Lula fez um segundo mandato superior ao primeiro. Graças a isso, não apenas o povo melhorou de vida, mas também elegemos Dilma em 2010. Analogamente, se queremos continuar governando o país a partir de 1 de janeiro de 2019, é indispensável que o segundo governo Dilma seja superior ao primeiro.

As pesquisas indicam que Dilma é a preferida da maioria do eleitorado. Entretanto, várias pesquisas também indicam que o povo quer mudança. Ou seja: a maioria do eleitorado e do povo brasileiro deseja que o segundo mandato Dilma “continue mudando” o Brasil.

A oposição, o grande capital e o imperialismo tentam pegar carona no desejo de mudanças manifesto por amplos setores da população. Evidentemente, a mudança que eles desejam é em seu próprio benefício. Já as mudanças desejadas pelo povo se traduzem em mais Estado, mais desenvolvimento, mais políticas públicas, mais emprego, mais salário, mais democracia.

A contradição entre a mudança desejada pelo povo e a mudança desejada pelas elites é uma contradição antagônica. Por isto, a oposição não pode assumir abertamente seu programa: seria a derrota antecipada. Por isto, a oposição aposta na deterioração e na crise. Por isto, a oposição precisa manipular a população.
O ideal para eles seria recuperar plenamente o governo federal, através da vitória de um de seus candidatos. Caso isto não seja possível, continuarão trabalhando para impor, tanto ao atual quanto ao segundo mandato Dilma, as políticas preferidas pela oposição de direita.

A influência maior ou menor da oposição sobre nosso segundo mandato, depende de vários fatores: do tamanho e da natureza da vitória: será uma vitória como a de 2006, na ofensiva, ou como a de 2010, na defensiva? A influência da oposição de direita, dependerá, ainda, da composição do futuro Congresso Nacional e de quem será eleito para governar os estados brasileiros.

Por isto defendemos a) uma campanha politizada, que polarize programaticamente com as duas fórmulas opositoras: Aécio & Eduardo/Marina; b) uma campanha que combine a ação estritamente eleitoral, com a mobilização em favor do plebiscito, da lei da mídia democrática, da plataforma da classe trabalhadora.

Nosso programa de governo 2015-2018 deve ser muito incisivo, propondo medidas radicais nas áreas de reforma urbana, reforma agrária, segurança pública, educação e saúde, redução dos juros, jornada de 40 horas e outras demandas da classe trabalhadora, inclusive o fim do fator previdenciário.

A política de alianças, tanto nacional quanto nos estados, deve ser compatível com o programa que defendemos para o segundo mandato. Finalmente, defendemos uma tática de ampliação de nossas bancadas. Isso exigirá uma postura distinta da direção partidária frente a campanha proporcional. O Partido precisa agir como se o voto fosse em lista, fazer campanhas de voto na legenda, centralizar o uso dos recursos financeiros de campanha nesse sentido..

Finalizamos este editorial prestando homenagem a todos e a todas que tombaram na luta contra a ditadura militar. Não esquecemos, não perdoamos e seguimos na luta por um Brasil democrático e socialista.