domingo, 29 de dezembro de 2013

Que o Congresso seja melhor que sua abertura

O V Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores deveria ter sido realizado entre os dias 12 e 14 de dezembro de 2013. Mas o que houve nestes dias foi apenas uma “abertura”.
Para compreender o ocorrido, é importante recapitular alguns fatos e analisar algumas posições.
O V Congresso foi convocado solenemente em dezembro de 2012. Mas desde o debate sobre a Convocatória do Quinto Congresso, ficou clara a existência, no Partido, de pelo menos duas posições distintas a respeito.
Todos reconheciam existir uma contradição entre as necessidades da luta política imediata, por um lado, e as diretrizes mais estratégicas e programáticas que deveriam emergir do Congresso, por outro lado.
Alguns propunham resolver esta contradição rebaixando o Congresso, transformando-o numa convenção eleitoral. Outros propunham resolver esta contradição, elevando nossa tática às necessidades de nossa estratégia.
A polêmica se traduziu, do ponto de vista prático, na elaboração de um documento de subsídio ao Congresso, que deveria ter sido debatido pela CEN, pelo DN e em encontros especiais, simultaneamente ao PED. E que, após o PED, seria refeito, incorporando as contribuições das teses apresentadas ao debate.
Tais debates “congressuais” nunca ocorreram. E os debates do PED foram tudo, menos “congressuais”. E, por fim, o documento apresentado como contribuição ao V Congresso, assinado por apenas dois (Marco Aurélio Garcia e Ricardo Berzoini) dos vários integrantes da comissão, é basicamente o mesmo produzido antes do PED. Sendo que chapa “Partido que muda o Brasil”, que disputou o PED com uma tese, abriu mão desta tese em favor do documento assinado por Marco Aurélio e Ricardo Berzoini.
Assim, um ano depois de convocado solenemente, o V Congresso foi convertido em três partes: uma primeira parte, a “abertura”, realizou-se entre os dias 12 e 14 de dezembro de 2013; a segunda parte, que vai debater a tática eleitoral, reunir-se-á provavelmente no Rio de Janeiro em abril de 2014; e a terceira etapa do Congresso, supostamente conclusiva, vai se reunir em 2015, mês a definir. Sempre com os mesmos delegados eleitos no PED 2013.
A abertura
Portanto, o V Congresso começou, mas não terminou. Vejamos como foi cada momento da fase de “abertura”, dedicada a Luis Gushiken e Marcelo Deda.
A sessão inaugural foi na noite de 12 de dezembro, resumindo-se a composição de uma mesa com a nova comissão executiva nacional, com os presidentes estaduais eleitos (com exceção do presidente do estado do Maranhão, que está sub judice), com Rui Falcão, Lula e Dilma Rousseff, que fizeram uso da palavra nesta ordem.
Recomendamos a leitura dos discursos feitos esta noite, que ilustram as contradições do grupo majoritário do Partido e as debilidades da linha política vencedora no PED. Símbolo destas, aliás, foi algo que a muitos pode ter parecido “normal”, mas que é de um simbolismo profundo, especialmente num partido que tanto se propôs a renovar a visão dominante no movimento socialista acerca da relação entre partido/governo/Estado : quem deu posse ao novo presidente nacional, aos presidentes estaduais e a nova direção nacional foram Lula e Dilma.
Na sexta-feira 13 de dezembro, tivemos três momentos distintos. No final da manhã, uma solenidade dedicada aos presos José Genoíno, José Dirceu e Delúbio Soares. No início da tarde, uma mesa onde Marco Aurélio Garcia e Ricardo Berzoini apresentaram seu texto de Contribuição ao V Congresso. E, depois do almoço, uma terceira mesa que alguns bem humorados denominaram “momento fórum social”, em que falaram intelectuais, movimentos sociais e representantes das chapas que disputaram o PED. Nesta terceira mesa, destacou-se Sonia Fleury, representante do Cebes, que fez uma dura crítica às contradições da política adotada pelos governos Lula e Dilma.
Finalmente, no sábado 14 de dezembro, votaram-se emendas e moções. O grupo majoritário adotou como política absorver todas as emendas, exceto algumas apresentadas por O Trabalho, convenientemente promovido a “oposição oficial”, pois foi o único setor (exceto a maioria) que teve o direito de usar da palavra.
Dois temas foram remetidos para outro momento: os questionamentos à política de alianças foram remetidos para o Encontro de tática eleitoral, em abril de 2014, quando a tática eleitoral já estará deliberada na prática; e os questionamentos quando ao PED foram remetidos para uma comissão, que discutirá alternativas, que caso aprovadas serão adotadas na eleição da nova direção, no ano de 2017 (o que nos garantirá uma dupla diversão num mesmo ano: um PED e o aniversário dos 100 anos da revolução russa).
A voto mesmo, foram dois temas: o superávit primário e a AP 470. Nos dois casos, coube a Ricardo Berzoini defender a posição do grupo majoritário, logo ele que sabidamente está em conflito com seu próprio grupo em tantos pontos importantes.
É muito importante que a organização do Congresso divulgue os discursos feitos na defesa e na crítica as emendas. A fala de Berzoini é particularmente importante, porque revelou a falta de argumentos de mérito para defender as respectivas posições.
No caso do superávit, por exemplo, Berzoini nos lembrou que o país precisa crescer e que para isto precisa de investimentos privados e públicos. Mas não conseguiu explicar por qual motivo o investimento, seja público, seja privado, é beneficiado pela política de geração de superávits primários. Seu único argumento, ao fim e ao cabo, foi dizer que o congresso do PT deve apoiar a política econômica do governo. O problema é que as pedras sabem que grande parte do PT não concorda com esta política econômica, mas escolheu tratar isto como assunto de bastidor, não como debate público. Deixando a oposição e setores da base fazerem o debate público contra nós, aproveitando-se de problemas que todos sabemos que são reais e que deveriam ser corrigidos com rapidez, como a taxa de juros que voltou a crescer e como superávit que continua nos oprimindo.
Já no caso da AP470, a fala de Berzoini deixou no ar uma dúvida imensa: por qual motivo de mérito ele, signatário de uma emenda que falava em revisão penal e anulação do julgamento, passou a subscrever outra emenda, que não falava mais nisto. Berzoini, é verdade, explicou que sua nova posição (ver box na página 21) “unificava” mais o Partido. Mas não explicou ao plenário do Congresso quais os argumentos dos setores do Partido contrários à revisão penal e contrários a anulação da AP470.
Finalmente, ia a voto mas foi retirada por O Trabalho uma emenda referente ao Haiti. Depreende-se que os signatários confiam que a presidenta Dilma Rousseff vai suspender a participação brasileira na Minustah.
Votadas estas emendas e as moções, o Congresso foi encerrado. Ou melhor, a abertura foi encerrada. Para a maioria dos que lá estiveram, uma coisa é certa: é melhor que o Congresso seja melhor do que esta abertura, um gasto de tempo e de dinheiro desproporcional a importância dos debates e resoluções ali aprovadas.
Continuísmo
O essencial da abertura do V Congresso é que se confirmou que a maioria do Partido decidiu “não mexer em time que está ganhando”.
Como diz a contribuição assinada por Marco Aurélio e Ricardo Berzoini: “No ano de 2014 a ação do PT estará concentrada na reeleição da companheira Dilma Rousseff à presidência da República, na expansão de suas bancadas no Senado Federal, na Câmara de Deputados e nas Assembléias Legislativas. Da mesma forma, terá papel central o aumento do número de seus governadores. Claro está que todos estes embates eleitorais exigirão a consolidação, ampliação e qualificação de nossas alianças políticas, essencial não só para vencer as eleições como para o exercício futuro dos governos em nível nacional e estadual. Ainda que as questões programáticas em jogo nas eleições de 2014 não possam ser separadas totalmente de uma política de longo prazo do partido, é necessário evitar que esses temas, de natureza estratégica, se sobreponham e confundam o debate eleitoral do próximo ano”.
Traduzindo: não estamos seguros de que a tática para 2014 ajude a política de longo prazo do Partido, mas estamos convictos de que colocar agora certos temas de longo prazo pode dificultar nosso desempenho eleitoral, assim é melhor não misturar as duas coisas.
Esta opção pode ter vários desdobramentos, inclusive dar certo. Mas há três variantes que nos preocupam.
Na primeira delas, perdemos as eleições por que não percebemos a necessidade de mudar a tática e a estratégia adotadas até aqui. Na segunda delas, ganhamos as eleições e fazemos um segundo governo a altura da tática, mas aquém das necessidades estratégicas, o que terá consequências até 2018 e em 2018. Na terceira delas, ganhamos as eleições e buscamos, após as eleições, fazer um giro na atuação do governo, sem ter construído, durante o processo eleitoral, as bases políticas necessárias para tal.
Não subestimamos a primeira variante. A direita está fazendo um grande esforço para produzir uma tempestade perfeita. E nosso governo tem reagido a isto de maneira recuada, fazendo um grande esforço para conciliar com os interesses do grande capital e do rentismo. As duas variantes projetam um cenário perigoso, econômica, política e eleitoralmente falando. Mas, ainda assim, ainda que no segundo turno, ainda que com dificuldades, o mais provável é nossa vitória com a reeleição da presidenta Dilma.
Mas, em caso da provável reeleição, a opção tática e estratégica da maioria do Partido não terá criado as condições para fazer um segundo mandato superior ao atual. É claro que esta nossa opinião deve ser matizada: uma vitória petista nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e/ou Minas Gerais muda a correlação de forças políticas. Porém, já sabemos de longa data que a depender da política implementada pelos novos governos estaduais, uma vitória eleitoral pode se converter num problema político, como algumas prefeituras conquistadas em 2012 estão demonstrando.
O futuro
Como já foi dito no editorial deste Página 13, não esperamos da maioria da nova direção partidária uma mudança na tática ou na estratégia. Continuarão insistindo numa postura geral defensiva e aquém das necessidades e possibilidades da conjuntura e do período histórico.
Da nossa parte, vamos continuar insistindo na necessidade de um giro estratégico e tático, assim como no funcionamento do PT. Achamos que a conjuntura de 2014 tende a ser turbulenta, que a campanha eleitoral será muito difícil, que o PT precisa de outra postura e de outra política, seja para vencer, seja para governar, seja para transformar o Brasil.
E, seja qual for o resultado final de 2014, estamos convencidos de que não teremos um segundo mandato superior ao primeiro, salvo se o Partido dos Trabalhadores mudar sua orientação.
Por isto, tão logo sejam publicadas, submeteremos o texto base aprovado neste V Congresso a um minucioso exame crítico. E faremos um esforço para que o V Congresso aprove resoluções mais avançadas.
Este esforço significa dar continuidade ao que defendemos ao longo de todo o processo de eleição direta das direções petistas: que o PT precisa mudar de estratégia, mudar a tática para 2014 e mudar o funcionamento partidário.
A atual estratégia do PT é baseada na ideia de mudança através de políticas públicas. Defendemos que o PT adote uma estratégia de mudança através de reformas estruturais.
Salvo engano, nenhum petista se opõe às reformas estruturais. Todos parecem defender a reforma tributária, reforma política, lei da mídia democrática, reforma agrária, reforma urbana, 40 horas, universalização das políticas públicas etc.
Assim parece, mas não é exatamente verdade. Alguns setores do PT se opõem a tais reformas, como vimos por exemplo toda vez que houve chance real de aprovar a reforma política. Outros setores defendem tais reformas, mas são contra adotar uma estratégia de mudança baseada nelas.
Os que pensam assim parecem acreditar que será possível continuar melhorando a vida do povo, continuar ampliando a democracia, continuar afirmando a soberania nacional, continuar avançando na integração regional, sem fazer reformas estruturais.
Nós, pelo contrário, achamos que a estratégia de melhorar a vida do povo apenas ou principalmente através de políticas públicas entrou numa fase de “rendimentos decrescentes”. A comparação entre o segundo governo Lula e o primeiro governo Dilma é uma das provas disto.
Os problemas da saúde pública, por exemplo, exigem um salto na capacidade de financiamento. O mesmo pode ser dito de outras questões, como o transporte público. Visto de conjunto, a “sustentabilidade” das políticas públicas universais exige reforma tributária e uma mudança radical no serviço da dívida pública.
Mas como viabilizar isto, se o Congresso seguir majoritariamente composto por representantes do grande empresariado? E como ter sucesso na batalha da reforma política, sem derrotar o oligopólio da mídia?
E como viabilizar estas e outras reformas estruturais, se nossas bancadas, governos, aliados políticos e sociais não organizarmos nossa atuação em função disto? Se não formos para as eleições de 2014 com o propósito de reeleger Dilma em condições dela realizar um segundo mandato superior, marcado pelas reformas estruturais? Se nosso Partido não for capaz de uma atuação militante em favor destes objetivos?
Seja para ganhar as eleições de 2014, seja para continuar mudando o país, seja para construir um caminho para o socialismo, o PT precisa adotar uma estratégia democrática e popular, por reformas estruturais. Esta é a principal tese que defenderemos nas próximas etapas do V Congresso do Partido dos Trabalhadores.


Segunda tiragem


http://www.pagina13.org.br/2013/12/2a-edicao-do-pagina-13-de-dezembro-2013-janeiro-2014/

Editorial
De tédio, não morreremos
Entre assinantes e militantes presentes ao V Congresso do Partido dos Trabalhadores, foram distribuídos todos os exemplares da edição 127 do Página 13.
Por conta disto, tomamos a decisão de fazer uma segunda tiragem, combinando as matérias da edição 127 com algumas matérias novas, especialmente uma que fala do Congresso da CNTE, uma entrevista com a deputada Iriny Lopes sobre a Câmara dos Deputados em 2014, bem como um balanço do V Congresso do Partido dos Trabalhadores.
Além disso, fizemos uma revisão e atualização do que foi publicado na edição 127 original. De forma que os leitores encontrarão, nas próximas páginas, um jornal sob vários aspectos novo.
Por exemplo, trazemos a versão definitiva do balanço do processo de eleição das direções partidárias, ocorrido em novembro de 2013. Aproveitamos, também, para falar da bancada que representará a Articulação de Esquerda no Diretório Nacional do PT, empossado dia 12 de dezembro de 2013.
Trazemos, também, diversos textos analisando os desafios de 2014: Igor Fuser aborda o cenário internacional, sob o prisma do Irã e da Venezuela; Breno Altman fala de pesquisas e eleições presidenciais; João de Deus atualiza o quadro da momentosa eleição maranhense; Rubens Alves (assim como Iriny Lopes) fala da pauta legislativa do próximo ano; Max Altman e Rodrigo César abordam, em textos distintos, o tema da reforma política; Jandyra Uehara trata dos desafios da CUT; e publicamos extratos da tese da Articulação de Esquerda para o Congresso da CNTE.
Página 13 republica, também, um texto de Valter Pomar, sobre o significado estratégico das prisões de Genoíno, Dirceu e Delúbio. Junto, publicamos um Box comentando a resolução aprovada no V Congresso do PT acerca da AP 470.
Publicamos, também, um artigo de Iole Iliada, sobre o debate de ideias no Partido dos Trabalhadores, a luz de importante evento realizado pela Fundação Perseu Abramo.
Ricardo Menezes aborda os desafios da saúde pública, Jonatas Moreth atualiza o quadro da juventude petista, Patrick Campos e Adriele Manjabosco falam do recente congresso da União Brasileira de Estudantes Secundaristas. E Marcos Lazaretti, coordenador geral da UEE Livre do Rio Grande do Sul, fala da eleição do Diretório Central dos Estudantes de Santa Maria (RS).
Além disso, esta segunda tiragem de Página 13 reitera a homenagem feita a Marcelo Deda, militante petista, governador de Sergipe, que recentemente nos deixou.
*
Coerentemente com as posições que defendemos no PED, Página 13 não espera da maioria da nova direção petista eleita no PED e empossada no V Congresso uma mudança de tática ou na estratégia. Continuarão insistindo numa postura geral defensiva e aquém das necessidades e possibilidades da conjuntura e do período histórico.
Da nossa parte, vamos continuar insistindo na necessidade de um giro estratégico e tático, assim como no funcionamento do PT. Achamos que a conjuntura de 2014 tende a ser turbulenta, que a campanha eleitoral será muito difícil, que o PT precisa de outra postura e de outra política, seja para vencer, seja para governar, seja para transformar o Brasil.
Por isto, estamos seguros, nós que somos petistas, que de tédio não morreremos.
E também por isto lutaremos para que 2014 seja um ano marcado por grandes mobilizações e vitórias da classe trabalhadora brasileira.

Os editores

sábado, 21 de dezembro de 2013

Miscelânea internacional 1998-2013

http://www.pagina13.org.br/2013/12/miscelanea-internacional-e-a-nova-publicacao-da-editora-pagina-13/

Esta *_Miscelânea internacional_* reúne artigos, entrevistas e
roteiros sobre esta temática, escritos entre 1998 e 2013. Não foram
incluídos textos que, embora de minha autoria, são de assinatura
coletiva. É o caso do livro escrito em coautoria com Roberto
Regalado: *_Foro de São Paulo: construindo a integração
latino-americana e caribenha_*, publicado pela Editora Fundação
Perseu Abramo.

É o caso, também, de várias notas e resoluções da secretaria de
relações internacionais do PT, bem como de documentos-base e
declarações finais do Grupo de Trabalho e dos encontros do Foro de
São Paulo (reunidos em livretos editados pelo PT em agosto de 2013).

A publicação desta *_Miscelânea_* faz parte de uma “prestação
de contas” sobre meu período como dirigente nacional do Partido dos
Trabalhadores. Fui eleito para a direção nacional do PT em 1997.
Até 2005, fui terceiro vice-presidente nacional. Entre 2005 e 2010,
fui secretário de relações internacionais. E até 2013, fui
indicado pelo PT para ser o secretário-executivo do Foro de São
Paulo.

Antes de ser dirigente nacional, fui militante de núcleo de base,
membro de diretório municipal e também secretário de comunicação
na direção paulista do PT, quando respondi pelo *_Linha Direta_* e
pela *_Teoria e Debate_*.

Além disso, como professor no Instituto Cajamar; colaborador no
jornal *_Brasil Agora_*; assessor do prefeito David Capistrano em
Santos (SP); e secretário de Cultura, Esportes e Turismo de Campinas
(SP).

Em dezembro de 2013, tomou posse a nova direção nacional do PT, na
qual escolhi ser suplente. Evidentemente, seguirei contribuindo com a
luta pelo socialismo; com a classe trabalhadora; com o PT; com a
tendência petista de que faço parte, a Articulação de Esquerda;
assim como com a reeleição de Dilma Rousseff.

Espero, em especial, contribuir com a reflexão acerca das classes e
da luta de classes no Brasil e na América Latina; com a análise do
capitalismo no Brasil e no mundo; com o balanço das tentativas de
construção do socialismo, no século XX e XXI; e com a formulação
de uma nova estratégia para a esquerda brasileira e para o PT. Tal
reflexão é uma das condições necessárias, seja para reverter o
processo de degeneração que afeta o Partido, seja para colocarnos à
altura das necessidades e possibilidades históricas, tanto no terreno
nacional quanto internacional.

Esta *_Miscelânea_* faz parte deste esforço: organizar e revisar o
que foi feito e dito, para seguir adiante.

Campinas, dezembro de 2013

http://www.pagina13.org.br/2013/12/miscelanea-internacional-e-a-nova-publicacao-da-editora-pagina-13/

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Sobre um texto da LBI acerca da Chacina da Lapa

O centenário de nascimento de Pedro Pomar e os 37 anos da chacina da Lapa motivaram diversas iniciativas, entre as quais duas no mínimo curiosas.

A primeira delas foi iniciativa do jornal A Nova Democracia, que na primeira quinzena de novembro de 2013 publicou um texto intitulado Pelo caminho de Pedro Pomar, relatando um atividade realizada pela Frente Revolucionária de Defesa dos Direitos do Povo (FRDDP) e defendendo a “reconstituição” do Partido Comunista do Brasil. De orientação maoista, este grupo foi o responsável por pichações e colagens de cartazes comemorativos do centenário, em algumas cidades brasileiras.

A segunda delas foi iniciativa da Liga Bolchevique Internacionalista, que em seu blog publicou um texto intitulado: “Chacina da Lapa”: Há trinta e sete anos os chacais da ditadura eliminaram o setor da direção do PCdoB crítico à guerrilha Maoista do Araguaia.

O referido texto está disponível no endereço http://lbi-qi.blogspot.com.br/2013/12/chacina-da-lapa-hatrinta-e-sete-anos-os.html#more e contém grande quantidade de erros, sobre os quais passo a comentar, na ordem em que eles aparecem no referido texto.

A guerrilha do Araguaia não foi realizada “sob orientação ideológica do Partido Comunista Chinês”. Esta talvez fosse a intenção, mas o estudo detalhado dos fatos e dos documentos revela que a guerrilha foi marcada pelo chamado blanquismo, não pelo maoismo.

O texto afirma que João Amazonas e Renato Rabelo estariam refugiados em Pequim, por fazerem parte de uma “fração dirigente que defendia o “grande acerto” da tática Maoista”. Amazonas e Rabelo estavam fora do país quando houve a Chacina, por coincidência. Pedro Pomar, que deveria ter feito a viagem, ficou por conta da saúde de sua esposa. E Amazonas, acompanhado por Rabelo, o substituiu na viagem. 

O texto afirma que Pedro Pomar e Angelo Arroyo defendiam fazer uma autocrítica em relação ao Araguaia. Isto é correto apenas no que diz respeito a Pomar. A posição de Arroyo não era esta. Tanto é que, em suas intervenções na reunião da Lapa, Arroyo reiterou a defesa do método e das decisões da Comissão Militar do PCdoB, responsável pela condução da guerrilha. 

Não é fato que Pomar tivesse “manifestado para a militância partidária suas diferenças de avaliação política com Amazonas”. Nas condições da época, o debate sobre a guerrilha estava compartimentado na direção. Só anos mais tarde, quando o jornal Movimento publicou o documento de avaliação escrito por Pedro Pomar, as suas posições tornaram-se públicas para a militância.

Naquela época (1976), João Amazonas não era “secretário geral” do Partido Comunista do Brasil. O cargo não existia, por conta da avaliação que se fazia do papel de Prestes no antigo PCB, antes de 1962.

Não é verdade que “Pomar teria sido chamado para uma viagem de 'advertência' a Albânia, não efetivada em função do grave estado de saúde em que se encontrava sua companheira”. A viagem era para a China, para informar a derrota da guerrilha. Pomar era o encarregado, porque havia sido ele que informara aos chineses sobre a decisão de iniciar a guerrilha. A viagem não ocorreu porque, como é dito, sua esposa estava com graves problemas de saúde.

Quem primeiro identificou Jover Telles como provável responsável por prestar ao Exército informações que permitiram localizar o aparelho do PCdoB em São Paulo, e capturar ou matar metade de seus dirigentes, não foi a direção do PCdoB, mas sim Wladimir Pomar, filho de Pedro Pomar, membro do Comitê Central e um dos presos em dezembro de 1976. Na prisão, em conversas com os companheiros, Wladimir aos poucos montou as peças do que denominou “quebra-cabeças”, organizando informações e indícios que incriminavam Jover.


A responsabilidade de Jover Telles não se trata de uma “versão”, mas de fatos documentados. 

O texto da LBI afirma ser “estranho” que “somente em 1983, no sexto congresso do PCdoB, se “oficializaria” a expulsão definitiva do “traidor”, ou seja, quase sete anos após os gravíssimos acontecimentos da Lapa”. Não há nada de estranho nisto. Em primeiro lugar, houve um inquérito interno. Em segundo lugar, João Amazonas demorou a se convencer da responsabilidade de Jover Telles. Em terceiro lugar, estou convencido de que esta demora deve-se também ao fato de que Jover foi convocado para a reunião por insistência de João Amazonas.

A decisão de organizar uma dissidência no PCdoB não foi de José Novaes. Esta dissidência foi iniciativa coletiva, encabeçada especialmente pelos membros do Comitê Central que divergiam em primeiro lugar do balanço que Amazonas fazia do Araguaia e, em segundo lugar, divergiam de um conjunto de concepções defendidas por Amazonas e seus aliados.Participaram dessa dissidência Wladimir Pomar, José Novaes, Tarso Genro, Adelmo Genro Filho, Marcos Rolim, Sérgio Weiggert, José Genoíno, Ozeas Duarte, Ronald Rocha, Maria Luiza Fontenelle, Jorge Paiva, Luiz Macklouf Carvalho, Humberto Cunha etc.

O texto insiste em defender Jover Telles, chegando a dizer que “diante das circunstâncias criadas (e nunca totalmente esclarecidas) em torno da militância de Telles, este decide abandonar a política”. Como foi dito acima, as circunstâncias foram no fundamental esclarecidas: Jover Telles foi preso, negociou com a repressão e foi através dele que os militares localizaram a reunião. Mais detalhes podem ser lidos no livro Massacre na Lapa, de Pedro Estevam da Rocha Pomar, cuja edição mais recente, a terceira, foi publicada pela Editora Fundação Perseu Abramo.

Segundo o texto “Wladimir toma o rumo da socialdemocracia ingressando no PT em 1980”. Na verdade, aproximadamente metade da dissidência do PCdoB entra no PT no início dos anos 80: é o caso de Wladimir, Genoíno e outros. E outra metade permanece abrigada por mais algum tempo no PMDB (é o caso de Tarso Genro). Quanto à acusação de “socialdemocracia”, ela não resiste a análise das posições defendidas por Wladimir, nem à época, nem hoje.

A dissidência, também conhecida como “esquerda do PCdoB”, sofreu um processo de cisão interna. Parte dos integrantes construiu o Partido Revolucionário Comunista (PRC). Outra parte se dispersou, indo para o PCB (Alon Feuerwerker), Convergência Socialista e na maioria ingressando individualmente no PT (Carlos Eduardo Carvalho, Celeste Dantas, Wladimir Pomar).

José Novaes nunca foi o principal líder do PRC.

O texto da LBI pergunta-se “quem teria de fato 'vazado' para os genocidas a informação da reunião que poderia ter mudado a linha Maoista do PCdoB?” A primeira parte desta pergunta já foi respondida , de forma documentada: foi Jover Telles. A segunda parte da frase está totalmente equivocada: a crítica de Pedro Pomar à guerrilha do Araguaia não foi uma crítica ao maoismo. Ao contrário, foi uma crítica baseada no maoismo contra uma iniciativa guerriheira que, na sua opinião, não era baseada nos ensinamentos da guerra popular prolongada.

O texto da LBI pergunta “porque somente ao final da reunião do CC (que durou vários dias) a polícia da ditadura decidiu agir, pondo em risco o próprio sucesso da operação criminosa”. Em primeiro lugar, em nenhum momento esteve em risco o sucesso da operação policial-militar. A casa estava totalmente cercada. Ao que tudo indica, a decisão de atacar ao final fazia parte do acordo feito com Jover Telles (de permitir que ele ficasse livre) e, também, buscava garantir que todos os integrantes da reunião pudessem ser presos ou assassinados (pois está claro que havia  a intenção de atacar a casa ao final e matar os que lá permaneciam: Pedro Pomar e Angelo Arroyo)..

Não é verdade que os militares só “intervieram após o CC do PCdoB se inclinar, por uma pequena margem de maioria, na autocrítica da guerrilha do Araguaia”. Os militares atacaram ao término da reunião, mas eles não tinham a menor ideia do que estava sendo debatido ali. Em segundo lugar, os registros da reunião mostram que de um lado estavam Arroyo e Elza Moneratt; de outro lado estavam Pedro, Haroldo, Aldo, Wladimir, Novaes, Drummond e o próprio Jover Telles. 

É incorreto afirmar-se, sem contextualizar, que Drummond “morreu posteriormente em uma tentativa de fuga na sede do próprio DOPS”. Ele estava sendo torturado no DOI-CODI (e não DOPS) quando se desvencilhou dos algozes e, ao tentar a fuga, caiu no poço da antena de rádio desse centro de torturas. Drummond é um herói e já havia deixado claro que, se preso, faria o que fosse necessário para resistir às torturas. 

Não é exato dizer que existia uma direção do PCdoB “instalada” no exílio. Tanto é assim que foi necessário convocar uma conferência nacional (ver a este respeito o registro em filme desta conferência, disponível na página da Fundação Maurício Grabois), para recompor a direção.

Diógenes Arruda não foi “ex-tesoureiro do Partidão”. Ele foi de fato o secretário-geral do Partido Comunista do Brasil, entre 1947 e 1956.

O texto afirma que se consolidou uma “maioria alinhada com o PTA da Albânia” e reorganizada sobre as “bases políticas da recém ruptura do partido com o Maoismo, agora considerado como uma das vertentes do revisionismo, pondo fim à defesa da guerrilha camponesa”. Os fatos são os seguintes: a disputa no interior do PCdoB coincide com a disputa no interior do PC chinês, que levou a queda da Gangue dos Quatro e a ascensão definitiva de Deng Xiao Ping. Naquele momento, o PTA e o PCdoB criticam o “revisionismo chinês” por ter rompido com o maoismo e não por ser maoista.

O texto afirma o seguinte: “o ex-militante do partido que teria toda a autoridade moral para elucidar o verdadeiro festival de calúnias stalinistas, seria Wladimir Pomar. Filho do grande quadro teórico Pedro Pomar, assassinado na Chacina da Lapa, Wladimir esteve presente naquela reunião do CC, também na condição de dirigente do partido. Mas o filho não tinha a mesma estatura ideológica do pai Pedro, e optou por calar-se diante da intensa polêmica aberta no marco da esquerda comunista”.

Os fatos são os seguintes: Wladimir Pomar esteve preso de 1976 até setembro de 1978. Em decorrência de sua posição crítica à guerrilha, foi punido pela direção do PCdoB e desligado do Comitê Central (o que, inicialmente, ocorreu também com Aldo Arantes e Haroldo Lima, depois reintegrados à direção). Logo que saiu da cadeia, distribuiu o texto “Em Defesa da Verdade”, rebatendo as calúnias que vinha sofrendo, e integrou ativamente a luta interna do PCdoB, tendo escrito vários textos a respeito, entre os quais um livro inteiro intitulado Araguaia, o Partido e a Guerrilha. Este livro, publicado pela editora Brasil Debates, tem 312 páginas. Se isto é “calar-se”, não sei dizer o que é falar.

Wladimir divergiu da posição de Ozeas Duarte e José Genoíno, de transformar a comissão organizadora do Congresso Extraordinário convocado pela dissidência em Comitê Central e afastou-se da dissidência, ingressando individualmente no Partido dos Trabalhadores. Isto tudo está fartamente documentado, em muitos textos, alguns clandestinos, outros publicados por exemplo na revista Teoria e Política.

No Partido dos Trabalhadores, Wladimir Pomar foi secretário nacional de formação política e coordenador geral da campanha Lula em 1989. Posteriormente, desligou-se da direção mas segue filiado ao PT até hoje, colaborando ativamente no debate teórico.

O texto afirma ainda que  “Wladimir seguiu o “tranquilo” o curso de assessor “intelectual” da burocracia sindical Lulista, o que lhe rende até hoje muitas vantagens financeiras (atualmente é responsável pelo comércio exterior com a China)”.

Em relação a primeira parte da afirmação, ficou claro que entre 1976 e 1990, Wladimir prosseguiu como dirigente político, seja da dissidência, seja do PT. Em relação à segunda parte da afirmação, é pura calúnia. 

Quem conhece o padrão de vida de Wladimir, que aliás segue trabalhando até hoje, sabe que simplesmente não procede a afirmação acerca de “muitas vantagens financeiras”. Quem conhece o seu trabalho, sabe que sua atividade como consultor nas relações Brasil-China é real, ou seja, não se trata de lobby nem advocacia administrativa, mas sim produção de estudos, análises, palestras, organização de visitas, feiras etc. E, por fim, ele nunca foi “responsável pelo comércio exterior com a China”, seja lá o que isto quer dizer.

Por fim, concordamos com o texto da LBI no seguinte: cabe honrar a memória e a luta de todos os militantes da esquerda comunista que caíram sob o tacão assassino da ditadura do capital. Uma bom começo é escrever textos mais sérios. 

domingo, 15 de dezembro de 2013

Décima-segunda jornada de formação política


A décima-segunda jornada de formação política promovida pela Articulação de Esquerda será realizada de 25 de janeiro a 2 de fevereiro de 2014, na cidade de Serra (ES).

A jornada é composta por quatro cursos, que serão oferecidos simultaneamente:

-curso 1: estudo das resoluções da AE
-curso 2: luta de massas e estratégia socialista
-curso 3: eleições 2014: planejamento e comunicação
-curso 4: Leitura dirigida de O Capital e estudo do desenvolvimento capitalista no Brasil

A jornada é aberta a toda militância petista interessada.

As inscrições podem ser feitas através da página www.pagina13.org.br, onde também estão as informações sobre o local do curso e a taxa de inscrição.

A coordenação geral da jornada é dos companheiros Lício Lobo (liciolobo@uol.com.br) e Rodrigo César (rodrigocesar.jpt@gmail.com).

O curso 1 (estudo das resoluções da AE) será coordenado pelo Rodrigo César.

O curso 2 (luta de massas e estratégia socialista) será coordenado pelo Bruno Elias (brunoelias.jpt@gmail.com).

O curso 3 (eleições 2014: planejamento e comunicação) será coordenado pelo Adriano Oliveira (adriano.ptrs@terra.com.br).

O curso 4 (Leitura dirigida de O Capital e estudo do desenvolvimento capitalista no Brasil) será coordenado pelo Valter Pomar (pomar.valter@gmail.com).

Durante o curso serão realizadas, também:
-uma reunião para discutir o projeto gráfico e o projeto editorial do jornal Página 13
-uma reunião para discutir o projeto gráfico e o projeto editorial da páginawww.pagina13.org.br
-uma reunião para discutir nossa atuação nas redes sociais
Além disso, será realizada (nos dias 1 e 2 de fevereiro de 2013) uma reunião ampliada da direção nacional da Articulação de Esquerda.

A seguir, o detalhamento da grade dos quatro cursos:

Dias 25 e 26 de janeiro
(nesses dois dias, todos os participantes dos quatro cursos estarão juntos)
-apresentação dos participantes
-apresentação do curso e detalhes organizativos
-aula-debate sobre a linha política da Articulação de Esquerda

Dia 27 de janeiro
-participantes do curso 1 e do curso 4 estarão estudando a história da luta pelo socialismo no mundo
-participantes do curso 2 estarão debatendo a teoria e a prática da atuação do PT nos movimentos populares
-participantes do curso 3 estarão debatendo a conjuntura nacional e as eleições 2014

Dia 28 de janeiro
-curso 1: história do Brasil (até 1980)
-curso 2: políticas setoriais
-curso 3: oficina de planejamento de campanha eleitoral
-curso 4: leitura dirigida de O Capital

Dia 29 de janeiro
-curso 1: história do PT (até 2002)
-curso 2: políticas setoriais
-curso 3: oficina de comunicação nas campanhas eleitorais
-curso 4: leitura dirigida de O Capital

Dia 30 de janeiro
-curso 1: história dos governos Lula e Dilma
-curso 2: políticas setoriais
-curso 3: exercícios de planejamento das campanhas de deputados/as militantes da AE
-curso 4: o método dialético

Dia 31 de janeiro
-curso 1: história e desafios da AE
-curso 2: debate sobre os desafios de nossa gestão a frente da SNMP
-curso 3: exercícios de planejamento das campanhas de deputados/as militantes da AE
-curso 4: o debate sobre o desenvolvimento capitalista no Brasil

Dias 1 e 2 de fevereiro
(nesses dois dias, os participantes dos quatro cursos estarão juntos)
-avaliação da décima-segunda jornada
-debate e resolução sobre a SNMP
-debate e resolução sobre nossa tática eleitoral em 2014
-calendário e resoluções organizativas da AE em 2014

sábado, 14 de dezembro de 2013

Avaliação do PED 2013

O texto a seguir foi debatido e aprovado pela direção nacional da AE, reunida nos dias 11 e 12 de dezembro de 2013. Esta versão final está sendo submetida à revisão final e será divulgada oficialmente nos próximos dias.

A Articulação de Esquerda concluiu o segundo turno do PED com uma grande vitória, no estado do Rio Grande do Sul, onde ajudamos a eleger o presidente Ary Vanazzi. Noutros estados e cidades, alcançamos vitórias políticas, sofremos derrotas eleitorais e assistimos, em geral sem concordar, acordos que contornaram algumas disputas de segundo turno, como no caso de Pernambuco.

Quanto ao conjunto da eleição das direções partidárias, o dado fundamental a ser levado em conta na avaliação nacional do processo, é que a maioria dos votantes não optou pelas chapas e candidaturas que defendiam mudanças na estratégia, na tática e no padrão de funcionamento do PT.

Não apenas os filiados-eleitores, mas inclusive parcela majoritária dos militantes do PT seguiu apoiando, conscientemente ou por simples inércia, a política de centro-esquerda.

Apesar de parcelas crescentes reconhecerem os limites desta política e o acúmulo de problemas decorrente, a maioria dos votantes não quis tirar as consequências disto na hora de votar nas chapas e candidaturas.

Portanto, é preciso dizer que a maioria dos que votaram no PED não transformou em voto o recado que as ruas nos deram em junho de 2013, em mobilizações que podem voltar a ocorrer, dado que certas condições objetivas e subjetivas seguem presentes.

Não transformou em voto a constatação de que mudou a postura do grande Capital frente ao nosso governo, mudança de que decorre o atual cenário de dificuldades econômicas, seja no que ele tem de real, seja no que tem de especulação artificial.

Não transformou em voto a percepção de que o cenário de 2014 aponta para uma campanha e provavelmente para um segundo turno acirradíssimo.

Não transformou em voto a percepção de que há um grande desgaste do PT junto à juventude em geral e junto à juventude trabalhadora em particular.

A opção conservadora e continuísta que predominou no PED poderá ter implicações graves sobre o futuro próximo e mediato do PT e da luta política no Brasil. Isto porque a situação política exige não apenas ousadia e renovação, mas principalmente outra orientação política e outra conduta organizativa. O desfecho da AP470 é mais uma prova disto.

Além de criticar a opção política da maioria dos votantes, bem como criticar o gosto do grupo vencedor no PED pelo aparato em detrimento da política, assim como pela “tragédia anunciada” que foi a organização do PED, consideramos imprescindível reconhecer, de maneira autocrítica, as debilidades do conjunto de tendências, chapas e candidaturas que propunham mudanças na política e no comportamento do Partido.

Desde 2005, a chamada esquerda do PT vem sofrendo um processo de divisão e redução de sua influência, que somadas ao processo de burocratização e degeneração da vida interna partidária, torna cada vez mais remota a possibilidade da minoria de esquerda virar maioria. Apesar deste contexto tão difícil, no PED 2013 a chamada esquerda petista saiu dividida em várias candidaturas e chapas. 

Uma de nossas tarefas é recompor a esquerda petista, inclusive para que volte a existir a possibilidade da minoria virar maioria. Deste ponto de vista, nossa principal conquista no PED 2013, em âmbito nacional, foi termos conseguido resistir e impedir o “aniquilamento” que se anunciava, quando houve a cotização artificial de dezenas, talvez centenas de milhares de filiados. Saudamos, portanto, a continuidade, no novo Diretório Nacional, de representantes de variados setores da esquerda petista.

Mas embora “sobreviver” seja condição necessária, é absolutamente insuficiente para quem deseja conduzir o PT a adotar outra orientação política. Temos a nossa frente o desafio de ampliar e muito a presença de nossa política junto a classe trabalhadora, na luta social, política, eleitoral e de ideias.

O PED 2013 foi marcado pela adesão –ao grupo majoritário—de grupos e indivíduos que antigamente integravam a esquerda petista. Também a tendência denominada “Movimento PT” optou por aderir ao grupo majoritário.

É importante dialogar com os dirigentes, militantes e bases dos setores que aderiram ao grupo majoritário, mostrando os efeitos negativos disto para o Partido e, em alguns casos, até mesmo para os que aderiram. Os resultados políticos e eleitorais do PED fornecem material abundante para mostrar que não se inaugura um novo período, abrindo mão da história e do debate franco das divergências.

Entre as chapas e candidaturas que defenderam mudanças, destaca-se a denominada Mensagem ao Partido. A principal diferença que temos em relação a Mensagem é que não consideramos que sua visão estratégica seja efetivamente alternativa à defendida pelo grupo majoritário.

É a ausência de uma visão estratégia realmente alternativa que explica, em nossa opinião, as profundas contradições existentes na ação da Mensagem antes, durante e depois do PED. 

Exemplos destas contradições podem ser vistos, por exemplo, nos estados de Pernambuco, Espírito Santo e Paraíba, onde setores integrantes da Mensagem defendem a subordinação do Partido a forças políticas de direita, externas ao PT. 

Outro exemplo destas contradições: no estado de São Paulo, a Mensagem apoiou a candidatura presidencial apresentada pelo grupo majoritário. Diferentemente do Rio Grande do Sul, onde os vários setores da Mensagem foram, todos eles, parte fundamental da vitória de esquerda com Ary Vanazzi.
  
Finalmente, mesmo naquele terreno onde a Mensagem se movimenta com mais desenvoltura, a saber, a crítica aos procedimentos organizativos da maioria, percebemos uma postura ambivalente, crítica para fora, mas conciliadora para dentro, como ficou evidente no rumoroso episódio da denúncia de “compra de votos” durante o PED.

Do ponto de vista organizativo, o PED 2013 foi pior do que todos os anteriores. Podemos dizer que há um amplo consenso sobre isto dentro do Partido. O problema é que este consenso esconde posições muito distintas. 

Por um lado estamos nós e outros setores, que defendemos que o processo de eleição das direções partidárias seja feito através de encontros partidários. 

Por outro lado, estão os que defendem “qualificar” o PED, por meio de adoção de regras que reduzam o peso dos filiados-eleitores e ampliem o peso dos militantes, na linha do que foi aprovado no IV Congresso do Partido e posteriormente revogado pelo Diretório Nacional. 

Finalmente, há os que defendem ampliar e facilitar a participação, reforçando a influência dos filiados-eleitores em detrimento dos militantes.

Em termos objetivos, o número de filiados que participou do PED 2013 foi inferior ao PED 2009. Em 2009 votaram 518.192 filiados e filiadas. Em 2013, votaram 425.604 petistas.

Exatos 387.837 filiados cotizaram (ou foram cotizados), mas não compareceram para votar, deixando clara a artificialidade (e a influência do poder econômico) no processo de filiação e cotização. A artificialidade foi tamanha que só restou, a um dos responsáveis pela organização do PED, falsificar a realidade para tentar explicar a quebra: "O voto hoje é mais criterioso, as pessoas precisam passar por atividade partidária, tem que efetuar contribuição financeira. É um processo muito mais complexo. No PT, não é só voto. As pessoas têm que participar efetivamente do processo", disse a pessoa citada.

Somando os que votaram nulo (10.343) ou branco (36.317), com os que estavam cotizados mas não compareceram (387.837), temos 434.497 filiados, número maior do que os dos 421.507 que votaram em alguma chapa.

É preciso analisar detidamente os motivos pelos quais tantos filiados optaram por votar em branco ou nulo para presidente e chapas nacionais. Assim como é necessário compreender por quais motivos a “abstenção de cotizados” variou, de cidade para cidade, de estado para estado.

A quebra na votação pode ser ilustrada pelo resultado presidencial: em 2009 José Eduardo Dutra ganhou no primeiro turno com 58% e 274 mil votos. Rui Falcão foi eleito agora com 69,5% mas com 268 mil votos.

A maioria dos que votaram não participou de nenhum debate, nem tampouco teve acesso ao jornal com as posições das chapas e candidaturas nacionais. Jornal que o grupo majoritário não queria enviar, motivo pelo qual foi postado muito tarde, chegando na casa de parte dos filiados depois da eleição.

Setores do PT trabalharam para esvaziar e esterilizar a discussão. Em alguns estados, como São Paulo, não ocorreu nenhum debate nacional. Mesmo onde o debate ocorreu, sua profundidade foi inferior ao necessário. Também devido à falta de debate, o PED não ajudou a elevar a qualidade das novas direções.

Apesar do enorme esforço político e material, o resultado final do PED nacional não provocou alterações significativas na composição do Diretório e da Comissão Executiva Nacional do PT. Exemplo disto: em 2013 as chapas que apoiaram Rui Falcão receberam 69% dos votos; em 2009, os mesmos setores obtiveram cerca de 70%.
  
Claro que para os setores minoritários, um pequeno deslocamento pode ser a diferença entre estar ou não na direção do PT. A Articulação de Esquerda passou por esta prova. Conseguimos sair do PED 2013 com a mesma presença na direção nacional do PT que tínhamos quando começou o processo: 4 integrantes no Diretório Nacional, um dos quais na Comissão Executiva Nacional.

Ademais, tivemos resultados nas eleições estaduais e municipais que expressam nosso enraizamento na classe trabalhadora, nos movimentos sociais, na institucionalidade, no debate de idéias e no Partido. 

Nosso resultado global, obtido contra todo tipo de pressão externa e debilidades internas, foi produto em parte da quebra na votação geral, mas também de nossa ação, inclusive de uma correta decisão política de priorizar, durante o PED, o debate político-programático. Assim, sem prejuízo da necessária autocrítica de nossos erros e debilidades, saímos deste PED com moral alta e sentimento de dever cumprido.

Para nos representar no próximo Diretório Nacional, apresentamos como titulares os seguintes companheiros e companheiras: Bruno Elias, secretário executivo do Conselho Nacional de Juventude do Governo Federal; Jandyra Uehara, da executiva nacional da Central Única dos Trabalhadores; Adriano Oliveira, secretário de formação política do PT-RS; Rosana Ramos, da atual Comissão de Ética Nacional do PT.

Nossa chapa indicou como seus primeiros suplentes: Valter Pomar, dirigente nacional do PT; Iriny Lopes, deputada federal PT-ES; Jonatas Moreth, da executiva nacional da juventude do PT; Ana Affonso, deputada estadual PT-RS; Rubens Alves, dirigente nacional do PT; Ana Lucia, deputada estadual PT-SE; Mucio Magalhaes, dirigente nacional do PT; Adriele Manjabosco, diretora da UNE; Marcel Frison, secretário de habitação do governo do Rio Grande do Sul; Inês Pandeló, deputada estadual do PT-RJ..

Para nos representar na Comissão Executiva Nacional, a chapa “A Esperança é Vermelha” indicou o companheiro Bruno Elias, um jovem com experiência nos movimentos sociais, no governo e no Partido. Alguém à altura da tarefa política e afinado com a necessidade de renovação, que vem sendo vocalizada (mas nem sempre praticada) por diversos líderes partidários.

Propusemos e o Diretório Nacional, em sua reunião dia 11 de dezembro aprovou, que o companheiro Bruno Elias assumisse a Secretaria Nacional de Movimentos Populares. Estamos seguros de que ele terá, a frente desta secretaria, o mesmo compromisso partidário demonstrado em outras tarefas, compromisso também demonstrado por representantes de nossa tendência, no período recente, a frente das tarefas de formação politica e relações internacionais.
A direção nacional da AE concluiu sua avaliação preliminar do PED, fazendo um reconhecimento e um agradecimento aos filiados e filiadas petistas que confiaram em nós, à militância que fez nossas campanhas, aos que foram candidatos e candidatas à direção e presidência.

Seja onde o resultado foi expressivo, seja onde foi modesto, fizemos uma campanha politicamente clara, defendendo mudanças profundas na estratégia, na tática e no funcionamento do PT. 

Nas redes sociais, nos destacamos por uma campanha ágil, criativa e bonita, que ajudou a quebrar o silêncio da mídia (inclusive de parte da mídia dita alternativa) acerca do PED. 

Disputamos o PED da forma como sempre deveria ser, oferecendo nossas ideias e nossa disposição militante. E seguimos na luta por um PT democrático-popular e socialista, com muita esperança vermelha e sem medo de ser feliz.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Comentário

(Terceira versão, parcialmente revisada)

A secretaria geral nacional do Partido dos Trabalhadores divulgou, recentemente, três textos que servirão de base aos debates do V Congresso Nacional do PT.
O primeiro destes documentos é a Convocatória do V Congresso, datada de 8 de dezembro de 2012. O segundo documento é uma Resolução política do Diretório Nacional do PT, de 29 de julho de 2013. O terceiro documento é uma Contribuição ao debate, escrita por Marco Aurélio Garcia e Ricardo Berzoini, que corresponde no fundamental a um texto divulgado ainda durante o PED 2013.
Curiosamente, a secretaria geral não divulgou, como um dos subsídios ao debate congressual, a tese apresentada pela chapa que venceu o PED. Como veremos adiante, não se trata de um lapso.
*
O V Congresso do PT foi solenemente convocado, há um ano, em dezembro de 2012. Mas desde o debate que resultou na aprovação da Convocatória, ficou clara a existência, na direção nacional do Partido, de pelo menos duas posições distintas a respeito.
A ampla maioria, senão toda a direção nacional reconhecia a necessidade de um debate estratégico e programático de fundo. Ao mesmo tempo, reconhecia existir uma contradição entre as necessidades da luta política imediata, por um lado, e as diretrizes mais estratégicas e programáticas que poderiam ou deveriam emergir do Congresso.
Num primeiro momento, como se pode perceber na leitura da Convocatória, prevaleceu a ideia de resolver esta contradição, elevando e corrigindo nossa tática de acordo com as necessidades de nossa estratégia e programa.
Num segundo momento, como também se pode perceber na leitura da Contribuição, prevaleceu outra ideia: a de controlar o escopo dos debates congressuais, para que eles não prejudicassem nosso desempenho na disputa eleitoral de 2014.
Esta polêmica, entre duas visões acerca da relação entre tática e estratégia, entre eleições e programa, apareceu de diversas formas.
Por exemplo: qual deveria ser o documento base do V Congresso? A tradição manda que seja o texto apresentado pela chapa mais votada ou, se nenhuma chapa tiver maioria absoluta, que seja aquele texto que venha a ser aprovado pela maioria de delegados e delegadas.
A comissão do Congresso (coordenada por Marco Aurélio Garcia e Ricardo Berzoini) optou por outra solução: a elaboração de um documento de Contribuição, que deveria ser debatido pela Executiva Nacional, pelo Diretório Nacional, depois em seminários abertos, num processo simultâneo ao PED. E, após o PED, a Contribuição seria refeita, incorporando as contribuições das teses apresentadas ao debate. Ou sendo incorporada pela tese vencedora.
Essa solução adotada pela comissão do Congresso foi um compromisso entre distintas posições, especialmente entre as que sustentavam caber à base do Partido debater e votar o que será deliberado pelo Congresso, versus as que advogavam que o PED não é, ao menos neste momento, espaço adequado para um debate programático e estratégico de fundo. Posição que, se verdadeira, deveria nos levar a um questionamento mais sério sobre o PED e sobre os mecanismos democráticos pelos quais o PT elege suas direções e os delegados que, ao fim e ao cabo, definem a linha partidária.
Seja como for, os debates previstos pela comissão do Congresso nunca ocorreram. E os debates do PED deixaram muito a desejar, ao menos do ponto de vista programático e estratégico. E, salvo engano, o documento agora distribuído como Contribuição ao V Congresso é basicamente o mesmo produzido e distribuído, aos membros da comissão e da direção, antes do PED.
A chapa “Partido que muda o Brasil”, que recebeu a maioria absoluta dos votos no PED, abriu mão de sua tese em favor da Contribuição. De nossa parte, é claro, perguntamos por qual motivo tal chapa não adotou oficialmente a Contribuição desde o início do PED. Neste caso, ela poderia ter sido apresentada e debatida pelos filiados e filiadas ao longo do PED. Cabe aos signatários responder, mas o fato é que o V Congresso vai debater um documento com certo déficit de legitimidade.
Este problema seria secundário, se a Contribuição estivesse à altura dos desafios postos frente ao PT, ao governo Dilma e a classe trabalhadora brasileira. Infelizmente, como buscaremos demonstrar a seguir, não é o caso. A Contribuição é um documento totalmente aquém das necessidades táticas e estratégicas do PT. E é assim, entre outros motivos, porque a maioria da nova direção nacional decidiu “não mexer em time que está ganhando”.
Como diz a Contribuição: “No ano de 2014 a ação do PT estará concentrada na reeleição da companheira Dilma Rousseff à presidência da República, na expansão de suas bancadas no Senado Federal, na Câmara de Deputados e nas Assembleias Legislativas. Da mesma forma, terá papel central o aumento do número de seus governadores. Claro está que todos estes embates eleitorais exigirão a consolidação, ampliação e qualificação de nossas alianças políticas, essencial não só para vencer as eleições como para o exercício futuro dos governos em nível nacional e estadual. Ainda que as questões programáticas em jogo nas eleições de 2014 não possam ser separadas totalmente de uma política de longo prazo do partido, é necessário evitar que esses temas, de natureza estratégica, se sobreponham e confundam o debate eleitoral do próximo ano”.
Segundo nossa interpretação, o trecho acima reproduzido quer dizer o seguinte: não estamos seguros de que a tática para 2014 ajude a política de longo prazo do Partido, mas estamos convictos de que debater agora certos temas de longo prazo pode dificultar nosso desempenho eleitoral. Logo, melhor não misturar as duas coisas.
Esta opção política da maioria da direção nacional do nosso Partido --opção totalmente legitimada pelo resultado globalmente “continuísta” do PED 2013-- pode ter vários desdobramentos, inclusive “dar certo” (nos limites do que ela se propõe). Ou seja: pode ser que tenhamos condições de primeiro ganhar a eleição presidencial em 2014 e depois debater os desafios de médio e longo prazo.
Mas há três variantes alternativas, que nos preocupam.
Na primeira delas, podemos perder as eleições presidenciais, entre outros motivos porque não percebemos a necessidade de mudar a tática e a estratégia adotadas até aqui.
Na segunda delas, podemos ganhar as eleições presidenciais e fazermos um segundo governo coerente com a tática adotada para ganhar as eleições 2014, mas aquém das necessidades estratégicas, o que terá consequências profundamente negativas até 2018 e em 2018.
Na terceira delas, podemos ganhar as eleições. E, passadas as eleições presidenciais, tentarmos fazer um “giro” na atuação do governo e do Partido, mas sem ter construído, durante o processo eleitoral, algumas das bases políticas necessárias para tal.
Para o bem do Partido, esperamos que a maioria da direção nacional esteja certa e que seja possível, primeiro vencer, depois debater as alterações programáticas e estratégicas, e em seguida implementar as mudanças na política partidária.  A favor desta hipótese está o fato da história já ter mostrado várias vezes, que “sorte” e “juízo” as vezes se combinam de forma inusitada.
Porém, somos de opinião que o Partido não deveria subestimar os riscos contidos na primeira variante. O grande capital, a mídia, a direita local e internacional estão fazendo um grande esforço para produzir uma “tempestade perfeita”. E nosso governo tem reagido a isto de maneira cada vez mais recuada, fazendo um grande esforço para conciliar com os interesses do grande Capital e do rentismo. Já nosso Partido tem sido excessivamente cauteloso frente aos ataques da direita e também frente às reclamações de parcelas de nossa base social. O esforço da direita e as reações defensivas a ele projetam um cenário perigoso, econômica, política e eleitoralmente falando.
Apesar da subestimação desses riscos, o mais provável segue sendo nossa vitória na disputa presidencial de 2014, com a reeleição da presidenta Dilma. ainda que no segundo turno, e ainda que com dificuldades. Neste caso da provável reeleição, cabe perguntar: ganharemos as eleições em que condições? Conseguiremos fazer um segundo mandato Dilma que seja superior ao atual?
É claro que há várias maneiras de criar, numa disputa eleitoral, as condições para um governo superior. Uma delas, a preferida por nós, é transformar a eleição num debate entre projetos políticos, como fizemos, por exemplo, no segundo turno de 2006. O que contribuiu muito para que o segundo mandato de Lula fosse melhor do que o primeiro.
Outra destas maneiras é ampliar nossa presença no Congresso, nos governos e legislativos estaduais. Uma vitória petista nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e/ou Minas Gerais pode mudar a correlação de forças políticas. Parece ser esta, aliás, a opção prioritária de setores da maioria da direção nacional: buscar uma grande vitória eleitoral, sem destacar o confronto programático.
Ocorre, porém, que certas vitórias eleitorais podem funcionar como alavanca ou, ao contrário, como peso morto, como algumas prefeituras conquistadas em 2012 estão demonstrando. E, de maneira mais geral, sem uma orientação política adequada, é difícil imaginar que a simples conquista de governos e mandatos legislativos seja solução para os problemas estratégicos de fundo que estamos enfrentando.
Reconhecemos que a maioria da nova direção nacional tem todo o direito, depois da vitória obtida no PED, de insistir na manutenção da atual tática e estratégica. Dizendo com nossas palavras, a maioria tem o direito de continuar insistindo numa postura geral defensiva e aquém das necessidades e possibilidades da conjuntura e do período histórico.
Da nossa parte, respeitando o direito da maioria implementar a política vitoriosa, exerceremos nosso direito de continuar insistindo na necessidade de um imediato giro estratégico e tático, assim como organizativo. Achamos que a conjuntura de 2014 será turbulenta, que a campanha eleitoral será muito difícil, que o PT precisa de outra postura e de outra política, para vencer, para governar e principalmente para transformar o Brasil.
Feito este esclarecimento inicial, passemos à análise da Contribuição, da Convocatória e da Resolução citadas, bem como da Tese apresentado pela chapa “Partido que muda o Brasil”. 
*
A parte inicial da Contribuição traz uma série de considerações sobre a conjuntura histórica em que o PT surgiu, se desenvolveu e chegou a presidência da República. O grande defeito dessas considerações é seu caráter teleológico, como se nossa trajetória fosse um processo linear que nos conduziu à “formulação das linhas gerais com as quais os governos Lula e Dilma começaram a realizar a grande mudança pela qual o Brasil vem passando nos últimos anos”.
Acontece que o governo Lula foi e o governo Dilma é uma coalizão política e social. O que eles são ou deixam de ser não é, portanto, produto exclusivo da ação do PT, nem da classe trabalhadora brasileira. Pelo contrário, é produto do confronto entre grandes blocos político-sociais, sendo que o bloco capitaneado pelo PT é extremamente diversificado, nem sempre predominando nele as posições do nosso Partido (vide o tema da jornada de trabalho, que o PMDB fez excluir do programa de governo que apresentamos às eleições presidenciais de 2010).
Não perceber isto tem consequências políticas e teóricas muito graves. Colocar um sinal de igualdade entre o acumulado historicamente pelo partido e a resultante produzida pelo governo, é uma das muitas formas de confundir partido e governo. No caso, rebaixando as tarefas e objetivos históricos do primeiro (o Partido) aos limites do segundo (o governo).
De toda forma, a Contribuição reconhece que estamos diante de uma nova situação, produto em parte de nossa ação. Mas o texto não destaca adequadamente as principais mudanças ocorridas neste período: por um lado, as mudanças ocorridas na classe trabalhadora assalariada, que sofreu mutações geracionais e sociológicas; por outro lado, a atitude do grande Capital, que não está disposto mais a tolerar a política de “bem estar social” e de “estatal-nacional-desenvolvimentismo” insinuadas ao longo de nossos primeiros 11 anos de governo.
É principalmente a conjunção destas duas mudanças, num ambiente de crise internacional, que nos leva a concluir que estamos diante de um esgotamento da estratégia adotada pelo PT desde 1995, sendo necessário e urgente mudar de estratégia. Obviamente, a Contribuição não compartilha deste raciocínio.
*
Em seguida, a Contribuição faz um resumo do que já havia sido dito na Convocatória, a exemplo da necessidade de um balanço dos mandatos Lula e Dilma. Acontece que a Contribuição já enquadra este “balanço” numa interpretação pré-concebida: a de que teria ocorrido uma “Grande Transformação econômica, social e política que mudou a cara do Brasil em 11 anos, projetando o país, de forma inédita, na cena internacional”.
Esta tese, da “Grande transformação” (Karl Polany??), é ótima como peça eleitoral, mas é péssima como paradigma de interpretação. Afinal, que “Grande transformação” foi esta, que não tocou nas estruturas mais profundas do país?
Não adotamos a jornada de 40 horas, não conseguimos os recursos orçamentários necessários para a Saúde, não fizemos a reforma política, não fizemos a reforma tributária, não fizemos a democratização da comunicação, não fizemos a reforma agrária, não fizemos a reforma urbana, não tocamos no oligopólio do capital financeiro, não colocamos na cadeira os criminosos da ditadura militar etc.
Antes que os governistas reclamem, queremos deixar claro que nós valorizamos profundamente tudo o que foi feito nesses 11 anos. Mas não queremos nem podemos perder de vista que as mudanças realmente profundas, no sentido de estruturais, ainda estão por fazer. Aliás, porque não fizemos tais mudanças profundas, corremos o risco de um retrocesso. Pior: já estamos sofrendo retrocessos em algumas áreas.
O que ocorre, talvez, é que a Contribuição padece de um problema cada vez mais comum aos escritos e “teorizações” de um setor do Partido: tomar como parâmetro o nível de consciência dos setores mais empobrecidos da classe trabalhadora. Sem dúvida, para estes setores, houve uma mudança profunda nos últimos dez anos. Mas do ponto de vista dos interesses históricos da classe trabalhadora, percebidos pelos setores mais organizados e conscientes da classe, é óbvio que as mudanças mais profundas ainda estão por fazer.
A Contribuição, repetindo a Convocatória, diz que “o PT não tem sido capaz de construir uma narrativa de sua experiência governamental”. Mas não se pergunta por qual motivo o PT não tem sido capaz de construir esta narrativa. E uma das respostas poderia ser: por razões político-eleitorais, nosso Partido fica espremido pela necessidade de proclamar os sucessos táticos e constrangido quando se trata de apontar as deficiências estruturais, programáticas e estratégicas.
A Contribuição (nos pontos 14, 15 e 16) raciocina neste mesmo sentido que estamos apontando. E chega ao ponto de reconhecer que nosso governo é “progressista”. Não socialista. Não de esquerda. Não democrático-popular. Nem mesmo de “grandes transformações”, mas apenas progressista.
Mas mesmo aqui, em que aparentemente vai melhor, o texto que estamos criticando revela um de seus defeitos fundamentais. Nos referimos ao seguinte trecho da Contribuição: “o realismo político – que o exercício de responsabilidades governamentais exige – não pode sufocar a utopia, ficar cego e surdo às demandas que surgem na sociedade, mesmo quando elas aparecem como contraditórias”.
A Contribuição contrapõe, portanto, a “utopia” das ruas ao “realismo político” do governo. Acontece que o problema é exatamente o oposto: nosso governo tem sido tão mais “realista que o rei”, que cai seguidas vezes numa postura completamente utópica. Acha que é possível compatibilizar os interesses e as necessidades nacionais, democráticas e populares da maioria do povo, com os interesses do grande Capital e da direita.
Vemos com alguma simpatia o esforço que a Contribuição faz para “acomodar” as dificuldades do governo e do Partido. Mas o problema está mal posto pela Contribuição, pois a questão não é “governo” versus “partido”.
Quem coloca as coisas nestes termos quer ter o governo como escudo, como proteção, como pretexto para justificar suas posições: “não faço tal e qual coisa porque as condições do governo não permitem”. Quando na verdade o problema está no confronto entre duas visões estratégicas distintas, existentes dentro do Partido, duas visões entre as quais não há nem pode haver acomodação.
Vejamos um caso concreto: a questão da democratização da comunicação. Perguntamos se a postura do governo frente ao tema pode ser explicada, ou desculpada, ou compreendida, com as seguintes considerações que constam da Contribuição: “não é fácil para um Governo, sobretudo de esquerda: (1) estabelecer equilíbrio entre ação e reflexão e entre o urgente e o importante; (2) resolver as dificuldades institucionais e burocráticas que se antepõe à ação governamental e (3) entender e dar conta das novas reivindicações que surgem na sociedade”.
A verdade é que a postura do nosso governo frente ao tema da democratização da comunicação não se explica, nem se desculpa, nem se compreende por nenhuma dessas considerações. A postura do governo advém de uma visão estratégica errada, baseada na conciliação com o oligopólio da mídia. Nesta questão, aliás, a Contribuição está aquém daquilo que o próprio PT já deliberou a respeito. A direção nacional do PT que finda seu mandato dia 11 de dezembro já disse claramente claro que existe, sobre este tema, uma divergência de fundo.
O Mais Médicos já demonstrou que a correlação de forças, inclusive dentro do governo, permite fazer mais, quando se tem disposição estratégica e vontade política. Mas na ausência de uma estratégia adequada, não nos admiremos que alguns setores usem o Mais Médicos como justificativa para adiar ou não implementar o conjunto das medidas necessárias ao SUS, que não pode ser “SUS para pobres”, que não pode ser médico-centrado e que não pode receber um financiamento inferior ao necessário.
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A Contribuição faz uma crítica acerca da versão que a oposição e o oligopólio da comunicação difundem sobre os governos Lula e Dilma. Não é preciso dizer que concordamos que a direita e a mídia mentem a nossa respeito. Paradoxalmente, a Contribuição deixou de dizer algo fundamental: a tese segundo a qual os “êxitos econômicos de Lula-Dilma foram apenas continuidade do Governo FHC” foi vitaminada por setores do próprio PT.
Em primeiro lugar, pelo paloccismo, que nunca se resumiu a pessoa do ex- ministro da Fazenda. Embora seja dele, Antonio Palocci pessoa física, a primazia de, num famoso evento em Comandatuba (BA), ter apresentado nosso governo como de continuidade.
Em segundo lugar, por amplos setores do PT que namoraram (será certo utilizar este tempo verbal, perguntamos ao leitor) a ideia de uma aliança estratégica entre PT e PSDB. E isto não é algo do passado longínquo: lembremos de Fernando Pimental em Belo Horizonte, no ano de 2012, por exemplo.
Em terceiro lugar, pela recusa a golpear fundo o capital financeiro, reverter as privatizações, rever a legislação neoliberal, denunciar em tempo hábil a herança maldita recebida etc etc.
Ao contrário do que dá a entender a Contribuição, nossa defensiva no debate ideológico advém não da falta de uma “narrativa” alternativa, mas sim da falta de uma política consequente. No segundo mandato Lula, por exemplo, a inflexão desenvolvimentista foi mais poderosa e eficaz para nos tirar da defensiva, do que teria sido capaz qualquer narrativa. E as medidas adotadas recentemente pelo governo Dilma, no tocante as concessões e os juros, tornam cada vez mais difícil construir uma narrativa convincente.
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A Contribuição aponta que “desde 2003, sobretudo, temos enfrentado dificuldades em mudar o sistema político brasileiro, verdadeira camisa de força que impede transformações mais profundas e impõe um “Presidencialismo de coalisão”, que corrói o conteúdo programático da ação governamental”.
Mas atenção: temos “enfrentado dificuldades” em mudar este sistema, em primeiríssimo lugar porque não tentamos mudá-lo no momento certo, com a intensidade necessária e com a radicalidade indispensável. E optamos por tentar governar nos marcos da institucionalidade estatal herdada.
Esta opção não decorreu apenas de um cálculo “objetivo” de custo e benefício, mas também porque setores do PT e da esquerda adaptaram-se complemente a esta institucionalidade.
Isto tem conduzido a um rebaixamento também de nossos horizontes. De Assembléia Constituinte, passamos a falar de Constituinte exclusiva para tratar da reforma política. De reforma política vamos deslizando para algumas reformas. E de algumas reformas acabamos tendo que nos esforçar para evitar que eles façam contra-reformas.
O rebaixamento, é bom que se diga, é também “teórico”. Exemplo: a Contribuição diz que somos prisioneiros “de um sistema eleitoral que favorece a corrupção e de uma atividade parlamentar que dificulta a mudança, a despeito da vontade das forças progressistas”. É claro que isto é verdade. Mas o problema do sistema eleitoral brasileiro é anterior a este: ele distorce a vontade popular. Ou seja: ele não é democrático.
E não se trata apenas de falar –como a Contribuição fala acerca do Judiciário— de instituições “permeadas” por “interesses privados”. Não se trata de “interesses privados” genericamente falando. A democracia brasileira está estruturada para garantir o predomínio dos interesses do grande Capital. E tanto isto é verdade que, à medida que os trabalhadores furaram o bloqueio eleitoral, foram crescendo as “medidas de contenção”. O preço das campanhas subiu, a compra de votos retornou, os meios de comunicação converteram-se em partido, a política foi judicializada, o judiciário se encastelou ainda mais etc etc.
Precisamos entender que é disto que se trata: de quebrar o caráter de classe do Estado, de construir uma democracia popular. Ou entendemos isto, ou continuaremos vivendo aquela situação que alguém resumiu assim: enquanto a gente vai de Woodstock, eles vêm de Al Capone.
Neste sentido, as considerações da Contribuição não são erradas, são insuficientes, são parciais: o problema central da reforma do Estado, por exemplo, não está em “remover os obstáculos burocráticos que criam empecilhos para o avanço mais rápida dos grandes projetos de infra-estrutura”;  e o problema central da comunicação não está em desenvolver “instrumentos de comunicação social que pudessem contra-arrestar a permanente ofensiva conservadora dos grandes proprietários de jornais, rádios e televisões”.
Quanto a este último tema, é claro que compartilhamos plenamente da ideia segundo a qual tanto o governo, quanto o Partido, devem desenvolver seus instrumentos próprios de comunicação. Mas o "problema central" só será resolvido quando quebramos o oligopólio, através de uma Lei da Midia Democrática.
E a questão, mais uma vez, é: isto não foi feito, ao longo destes onze anos, não apenas devido à oposição da direita, mas também devido a uma opção de setores da esquerda. Opção cujo equívoco consiste, no fundo, em ter acreditado ser possível fazer uma “transição” econômico-social sem realizar uma “reforma político-institucional”.
Falando de outra maneira, um pedaço da esquerda brasileira acredita que o problema está em reformar as “instituições políticas”, quando na verdade nosso desafio está em construir uma democracia popular.
Abordagem que, como está claro, não é compartilhada pela Contribuição, que finaliza suas reflexões sobre as “instituições” falando de passagem sobre as mobilizações ocorridas em junho de 2013, assim como sobre a “atração de parte do eleitorado tradicionalmente petista” por candidato conservadores e discursos populistas de direita.
Os dois fenômenos revelam que parte da nossa base social está descontente, manifestando este descontentamento em dois sentidos diferentes: “pela esquerda” e “pela direita”.
A Contribuição afirma que “sem compreender plenamente o alcance e os limites das mudanças realizadas e o que estão pensando e sentindo os novos atores sociais será impossível superar as dificuldades do momento”. E conclui (ponto 35) dizendo que “não se trata de converter o Partido e o Governo em uma academia, mas de atribuir à reflexão política e econômica a importância decisiva que ela tem para uma ação transformadora”.
Que a Contribuição tenha sentido a necessidade de vestir a carapuça e proteger-se da crítica de “academicismo” é bem revelador do ambiente pragmático, taticista, empirista, que predomina em certos meios. Mas o essencial precisa ser repetido, com palavras mais claras: sem compreender como se dá a luta de classes no Brasil e a luta entre Estados no mundo, seremos derrotados. E, infelizmente, a julgar pelos textos submetidos ao debate, nosso V Congresso não dará nenhum passo novo neste sentido.
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A partir do item 36, a Contribuição passa a falar de “um mundo em transição”. Não vamos nos deter neste ou naquele detalhe da descrição necessariamente genérica e superficial que o texto faz da situação mundial, desde 2008.
O essencial, em nossa opinião, é destacar as principais variáveis em jogo: a crise do capitalismo, o declínio dos Estados Unidos, o deslocamento geopolítico do centro dinâmico do mundo, a instabilidade generalizada e, neste contexto, a integração regional como decisiva para o sucesso da estratégia que defendemos para o Brasil.
A questão é: a política externa do governo brasileiro e a política de relações internacionais do PT, por razões diferentes, não estão à altura desta situação internacional.
Isto vem sendo dito, especialmente desde 2011, pela própria secretaria de relações internacionais do PT: observando o conjunto da obra, tanto a política externa do governo brasileiro, quanto a política de relações internacionais do Partido dos Trabalhadores são globalmente positivas. Porém, especialmente a partir de 2011, vem se acumulando problemas.
Alguns reputam estes problemas às diferentes posturas do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma frente aos temas internacionais; outros citam as mudanças ocorridas no Itamaraty; outros falam das mudanças na conjuntura global. Certamente há um pouco de verdade nisto. Mas o essencial, na nossa opinião, é algo mais simples: assim como ocorreu no plano interno, também no plano internacional vem ocorrendo um esgotamento de nossa estratégia.
Isto fica claro, por exemplo, no terreno da integração regional: sem alterar qualitativamente o papel do Estado em nosso país, sem criar os meios que nos permitam fazer um forte investimento público na região, sem impor um alto nível de controle sobre as empresas privadas que possuem sede no Brasil e atuam internacionalmente, o Brasil não criará as condições necessárias para que integração avance.
A integração regional, combinada com a expansão dos investimentos em infraestrutura no Brasil, assim como a ampliação do consumo interno de bens públicos (e não apenas privados), é a chave para retomar o dinamismo e o crescimento acelerado que o Brasil precisa.
Avançar na integração é essencial, também, porque na conjuntura internacional em que estamos, quem não avançar, retrocederá sob os golpes do inimigo.
E nesta palavra –“inimigos”—talvez esteja resumido o tema “teórico” mais decisivo para o debate sobre o mundo moderno: salvo engano de nossa parte, a Contribuição não utiliza o termo imperialismo. Arrodeia, mas não fala. E a questão é: sem compreender a natureza do imperialismo, não compreenderemos nada sobre o momento internacional que vivemos.
As ilusões no que seria Obama, por exemplo, estão relacionadas com a incompreensão da natureza do imperialismo. O mesmo vale para a insólita afirmação acerca do “caráter errático da posição do EUA no mundo”.
A Contribuição não fala em imperialismo, mas lembra que “o capitalismo, quando não sofre pressão das esquerdas, tende a mostrar sua face mais cruel”. Eis aí uma questão que o V Congresso do PT deve responder: neste mundo em transição, qual nosso horizonte? Fazer pressão sobre o capitalismo, para que ele seja menos cruel?
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O capítulo que trata dos “desafios programáticos” abre “reiterando que a orientação programática do Quinto Congresso do PT não se confunde com o enfoque que deve ter o Programa de nossos candidatos nas eleições de 2014”.
Como já dissemos antes, esta maneira de colocar o problema pode resultar numa dissociação entre tática e estratégica, entre programa eleitoral e programa geral. No limite, converteria a resolução do V Congresso num exercício academicista, sem nenhuma incidência prática. Afinal, somos um partido que disputa eleições, que governa o Brasil. Nossas resoluções programáticas, especialmente aquelas que explicitam “os principais desafios do partido, em uma perspectiva mais duradoura”, devem sim iluminar, orientar, incidir sobre o enfoque com que nosso Partido vai atuar, por exemplo, nas eleições 2014.
O mais grave é que, ao ler os itens 53 a 70, não encontramos absolutamente nada que não possa ser dito por nossas candidaturas, em 2014. Recomendamos a cada delegado e delegada que leia atentamente e reflita se não é verdade isto, ou seja, que o alerta de “não confundir” é, além de errado, totalmente desnecessário.
Até porque se excluiu, dos desafios programáticos, o tratamento do socialismo, que foi convenientemente remetido para outro item. O que não deixa de ser curioso, pois como o PT é um partido socialista, seu programa deve estar organizado por esta perspectiva.
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No capítulo que fala da “situação e perpectivas do PT”, há novamente um conjunto de considerações históricas, escritas naquilo que um conhecido intelectual brasileiro brincou ser “um grande passado pela frente”, do qual sempre nos orgulharemos, hoje ou daqui há 100 anos, mas que muitas vezes serve para dissimular as imensas dificuldades do presente e do futuro.
De toda forma, a Contribuição reconhece que “um certo afastamento do partido em relação a suas bases originais e àqueles novos segmentos que foram sendo beneficiados pelas políticas aplicadas por petistas em seus governos”; que “governantes e parlamentares do PT, pressionados por seus afazeres institucionais, ganharam exagerada autonomia em relação à atividade partidária”; que “sindicalistas e dirigentes de organizações sociais nem sempre acompanharam as mudanças por que passaram seus movimentos”; que “esses e outros fatores contribuíram para certa burocratização do partido e consequente perda de importância de suas direções junto aos governos”.
O que espanta nesta descrição não são os fatos, que aqui são resumidos de maneira asséptica. O que espanta é a “naturalização” do processo: o Sol nasce, a Lua nasce, os dias passam e os partidos, com o passar do tempo, se burocratizam.
Esta visão “naturalista” omite que os processos ocorridos em nosso Partido foram produto de uma intensa luta política, dentro e fora do Partido e dos movimentos sociais, entre diferentes correntes de opinião, no contexto de uma dura luta de classes.
Não temos dúvida alguma de que os autores da Contribuição sabem disto. Mas ao omitir isto de sua análise, estimulam uma leitura incorreta do ocorrido. Por exemplo: não é fato que os governantes tenham ganho autonomia frente ao Partido, por estarem “pressionados por seus afazeres institucionais”. Não se tratou, nunca, de um problema de “agenda”, de “tempo”. Há uma concepção envolvida, segundo a qual o governo é superior, historicamente falando, ao Partido. Sem colocar os problemas nestes termos, ele não terá solução.
Poderíamos dar outros exemplos, mas nos foquemos no tema decisivo, que a Contribuição resume assim: “Perdemos capacidade de análise das conjunturas e das perspectivas de médio e longo prazos de evolução do país e do mundo. O PT deixou de ser aquele “intelectual coletivo” que se espera deva ser um partido de esquerda. Afastou-se do socialismo, não por negá-lo, mas por ser incapaz de pensá-lo de forma criativa”.
Não há dúvida de que o PT afastou-se do socialismo. Mas não é verdade que o problema tenha sido “incapacidade” de “pensá-lo de forma criativa”. O problema é que amplos setores do PT abandonaram a idéia de construir uma sociedade socialista e conformaram-se com administrar, com doses maiores ou menores de reforma, a sociedade capitalista. E alguns ainda tem o desplante de chamar isto –uma administração melhorista-- do socialismo realmente possível.
Certamente precisamos de criatividade. Mas o problema é anterior a este: para que sejamos criativamente socialistas, é preciso ser socialistas primeiro. E uma parte do PT precisa ser ganha para o socialismo.
Como os autores da Contribuição, confiamos que o PT tem potencial para recuperar seus melhores atributos. Porém, não concordamos com o excessivo otimismo contido na seguinte frase: “É um partido democrático, capaz de conviver com as diferenças internas”. Esta frase não condiz com o que temos visto, nos últimos anos, em que a democracia partidária tem sido progressivamente degenerada pelo abuso do poder econômico, pela influência de máquinas parlamentares e governamentais, por práticas que condenamos nas eleições burguesas.
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Quando fala do socialismo, a Contribuição aborda-o sob título “referentes político-ideológicos: perspectivas atuais do socialismo”.
Os parágrafos 71 a 73 resumem, de maneira mais superficial, um raciocínio que está presente num texto escrito no início dos anos 1990 por Marco Aurélio Garcia, segundo o qual o PT seria “pós”: “pós-comunista”, “pós-socialdemocrata”. E, claro, pós-neoliberal.
Não vamos nos deter, aqui, em criticar este raciocínio. Basta chamar atenção para um detalhe digamos “linguístico”: por qual motivo colocar num mesmo “pacote” comunismo, socialdemocracia e neoliberalismo, frente aos quais o PT seria “pós”?!   Por qual motivo não dizer que somos antineoliberais? Voltaremos a isto noutra oportunidade, pois neste detalhe esconde-se um mundo de considerações.
A Contribuição afirma que “acossados pelas tarefas de Governo e pelas vicissitudes da luta política, não fomos capazes, no entanto, de inserir as transformações que realizamos em uma estratégia de longo prazo, que pudesse apontar para uma efetiva renovação do socialismo no século XXI”.
Como já apontamos antes, a Contribuição dissimula o fundo do problema. É verdade e é muito importante que o texto reconheça que não fomos capazes de inserir o que fizemos, entre 2003 e 2013, em uma estratégia socialista.
Mas isto não ocorreu por acaso, não foi por falta de tempo, não foi porque estávamos acossados por tarefas e pelos inimigos. A dissociação entre nossa tática na última década e uma estratégia socialista ocorreu porque, nestes anos todos, predominou no Partido outra estratégia, uma estratégia que não tinha como objetivo “uma efetiva renovação do socialismo no século XXI”.
A Contribuição deveria falar claramente que está colocado é mudar a estratégia do PT, é voltar a assumir uma estratégia que tenha como objetivo o socialismo. E esta necessidade está colocada porque a realidade da luta de classes no Brasil está mostrando os limites do melhorismo, os limites do progressismo, os limites do reformismo de baixa intensidade, os limites da social-democracia num país capitalista periférico.
Mas só teremos êxito em enfrentar este desafio, só teremos êxito de reconstruir uma estratégia socialista, se entendermos que o caminho socialista é uma resposta para os problemas que estamos vivendo hoje, aqui e agora.
Na nossa opinião, a maneira tímida com que a Contribuição trata do assunto, quase pedindo desculpas pela impertinência em colocar este problema (o socialismo) num momento pré-eleitoral, deve-se a incompreensão deste “detalhe”: a solução para nossos problemas táticos passa pela adoção de “soluções socialistas”.
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O último capítulo da Contribuição fala do “momento atual e seus desafios”. Começa dizendo uma verdade incompleta: “o 5º. Congresso do PT realizar-se-á em uma conjuntura política excepcional, marcada pelo renascimento de manifestações sociais, como as ocorridas em junho deste ano. A nova situação criada no país a partir dessas mobilizações e as soluções concretas que formos capazes de apresentar e realizar terão influência sobre a estratégia mais geral do Partido e do Governo e, de forma especial, sobre as eleições de 2014”.
Trata-se de uma verdade incompleta, pelo seguinte: a nova situação criada no país deveria ter influência sobre nossa estratégia e sobre nossa tática. Mas os debates do PED, o comportamento da direção nacional do PT, de setores importantes da nossa bancada e de nosso governo mostram outra coisa: que as chamadas lições de junho não foram adequadamente compreendidas.
Concordamos com a Contribuição quando diz que “parte da sociedade, inclusive aquela beneficiária das transformações dos últimos anos, está insatisfeita com o ritmo – que considera lento – das mudanças e não vê alternativas para suas demandas nos políticos e nas instituições atuais”. E concordamos, também, com outras análises feitas neste capítulo pelo texto.
Mas falta algo fundamental: em todo o texto, inclusive neste ponto, a Contribuição não aponta que houve uma mudança qualitativa na postura do grande Capital frente ao nosso governo e frente as mudanças que fizemos no país.
A Contribuição não indica que por trás da oposição e da mídia oligopolizada, está o grande Capital. A chave de nossa vitória, não apenas da vitória eleitoral, mas da vitória na ação de governo e na ação de transformação da realidade brasileira, está em derrotar o grande Capital.
Na nossa opinião, isto passa hoje por isolar e golpear a fração dominante do grande Capital, a saber, o setor financeiro. Acontece que o governo Dilma não tem uma postura adequada a este respeito. Iniciou mal, em 2011. Depois fez uma ofensiva contra as taxas de juros e a ganância do setor bancário-financeiro. Mas ultimamente recuou. Ao recuar, permitiu que a fração financeira do grande Capital coesionasse o conjunto da burguesia, em torno de seu programa, que como a Contribuição aponta, é o programa das oposições, o programa do retrocesso. Pior: como a postura do governo é recuada, setores da oposição fazem demagogia a respeito, aumentando a confusão política.
Este é o tema ao redor do qual giram os demais. Por exemplo: qual o programa para 2015-2018? Qual a sustentabilidade econômica de um programa de crescimento com mudanças sociais mais profundas? Qual o discurso de campanha? Qual a política de alianças? (tema sobre o qual a Contribuição mantém um praticamente silêncio para lá de constrangedor, só equiparável ao que não é dito sobre a AP470).
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A Contribuição conclui propondo como “aprofundar o debate do quinto congresso”. De nossa parte, a questão essencial a debater é a seguinte: a luta de classes no Brasil entrou em uma nova etapa. Quem não compreender isto e não agir em conformidade, será atropelado, não importando se antes das eleições, durante as eleições ou depois das eleições.
Esperamos e buscaremos contribuir para que a primeira etapa do Congresso, realizado pouco antes do aniversário de 50 anos do golpe militar de 1964, leve isto em consideração.
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Junto da Contribuição, a secretaria geral nacional distribuiu a Resolução sobre a situação política, aprovada pelo Diretório Nacional do PT no dia 29 de julho de 2013.
Esta resolução foi produto de um confuso processo, que resultou na votação, pelo Diretório Nacional, entre dois textos muito parecidos, mas distintos em alguns aspectos fundamentais. Não há espaço, aqui, para explicar novamente estas diferenças, que já detalhamos noutro momento.
O importante é dizer que o documento afirmava que a “condução de uma nova etapa do projeto popular exige retificações na linha política do PT e do governo, que se reflitam na atualização do programa e na consolidação de estratégia que expresse a radicalização da democracia”. Além disso, o documento detalhava várias medidas programáticas, além de conter propostas como um documento para ser distribuído no 7 de setembro e a oferta de asilo ao ex-agente da CIA Edward Snowden.  Em vários sentidos, o documento do Diretório é mais concreto e mais avançado que a Contribuição.
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O mesmo pode ser disto da Convocatória do quinto Congresso, aprovada em dezembro de 2012. O parágrafo a seguir, por exemplo, é muito superior a Contribuição, quando fala da combinação entre tática eleitoral e estratégia geral:

“(...) um partido comprometido com a transformação socialista e democrática da sociedade brasileira, sem descuidar das importantes tarefas que lhe são impostas pela conjuntura, deve erguer o olhar, mais além do cotidiano, e ocupar-se também dos problemas de dimensão estratégica que tem pela frente; aqueles de cujo enfrentamento depende o futuro do país. Trinta e três anos após sua fundação e passados dez anos do início do Governo Lula, o PT vive um desses momentos. Nosso partido tem uma dupla e complexa tarefa: apoiar os Governos que ajudou a eleger, mantendo sobre eles uma permanente e generosa vigilância crítica; e atuar na sociedade para alterar a correlação de forças, para tornar possível avançar em direção aos nossos objetivos históricos e estratégicos. O exercício dessas duas tarefas nos impõe uma reflexão que reconstitua nossa trajetória e projete um caminho de transformações para o futuro. É chegada, assim, a hora de convocar um novo Congresso – o 5º. Congresso do Partido dos Trabalhadores para fevereiro de 2014, ano no qual disputaremos, uma vez mais, a Presidência da República, as eleições para a Câmara, Senado, Governos e Assembleias estaduais. Mas, para vencer esses pleitos, teremos de disputar também os corações e as mentes dos brasileiros. Teremos de apontar para o futuro”.
A Convocatória também é superior à Contribuição, quando fala das classes sociais no Brasil:

“(...) a formação de novas classes ou segmentos sociais não é expressão única da incorporação de novos setores aos mercados de trabalho e, principalmente, ao de consumo. Uma classe social não se define apenas, nem principalmente, por sua capacidade de consumir produtos que antes lhes eram inacessíveis. As classes sociais não se encaixam no abecedário no qual são segmentadas nas pesquisas de mercado e/ou eleitorais – A,B,C ou D. A mobilidade social que experimentamos implica também mudanças de valores, demandas imateriais, em exigências novas em relação àquelas do passado, sobretudo em uma sociedade que passa por acelerada transformação como a brasileira. Os principais beneficiários das transformações ocorridas no país somente se identificarão com as forças políticas que as produziram a partir da ação coletiva e da compreensão partidária deste fenômeno. Diferentemente de uma visão economicista vulgar, a consciência de classe se constrói. Não entender isso pode significar que os principais beneficiários das transformações ocorridas no país não sejam capazes de reconhecer-se e identificar-se com as forças políticas que produziram essas mudanças. Diferentemente de uma visão economicista vulgar, a consciência de classe se constrói também – e talvez, sobretudo – no entrechoque de culturas e de ideias e na ação coletiva. Hoje, as ideias e a cultura dominantes expressam ainda, e predominantemente, os valores dos que até agora controlaram o Estado, os meios de comunicação e todos os aparelhos vinculados à produção e à reprodução da cultura. A reflexão sobre esses temas pelo PT, mais do que um exercício intelectual necessário, é uma exigência política inadiável.”

Outro trecho em que a Convocatória é superior está nos trechos que reproduzimos a seguir:

“(...) Uma das particularidades da sociedade brasileira, apontada e criticada pelos grandes pensadores que se dedicaram a analisar nossa formação social, é a de termos realizado as grandes transformações econômicas, sociais e políticas de nossa história por meio da conciliação. A Independência não foi resultado de um processo de libertação nacional, como no resto da América Latina, mas do acordo com a metrópole colonial. O fim da escravidão, apesar das revoltas negras e do Abolicionismo, resultou de um ato tardio da Coroa, que deveria ter ocorrido muitas décadas antes. O advento da República não configurou uma ruptura significativa na sociedade. A partir de 1930, a despeito das profundas mudanças processadas na era Vargas, foram preservados os interesses do latifúndio. O fim da ditadura, nos anos 80, não decorreu das reclamadas eleições diretas pela sociedade, mas de um acordo entre a maioria da oposição e segmentos que haviam dado sustentação ao regime militar. Alguns procuraram ver, também, no período pós-2003 a persistência desse viés conciliador. Creditaram o êxito do Governo Lula à sua capacidade de incluir milhões de pobres e miseráveis, proteger e expandir o emprego e a renda dos trabalhadores, mas, ao mesmo tempo, de beneficiar o capital financeiro, o agronegócio e os monopólios da mídia, além dos grupos do capital produtivo. No plano político-institucional, como expressão das distorções do sistema político, impôs-se a constituição de um bloco mais amplo de partidos - de esquerda e de centro – para dar sustentação parlamentar ao Governo. Essa percepção pode encobrir, no entanto, questões cruciais. A expansão da renda dos trabalhadores e a inclusão de dezenas de milhões de homens e mulheres ao mercado de bens de consumo de massas, embora não tenham estimulado o desenvolvimento sem ameaçar o capitalismo, sofreu e sofre uma oposição brutal de setores das classes dominantes. Oposição que recrudesceu, sobretudo quando sobreveio a crise global. A verdade é que os donos do poder não aceitam essa irrupção de pobres na vida social e política do país”.
“Certamente também porque temem as reformas estruturais, como a tributária, agrária e política. O êxito de um nordestino, sem educação formal, como Presidente da República e sua gravitação internacional era inaceitável para setores da sociedade que se acostumaram a dirigi-la a partir de seus preconceitos e segundo suas normas hierárquicas. Era plenamente “normal” que o poder fosse exercido por doutores, banqueiros, grandes proprietários. Passou a ser “intolerável” que sindicalistas, dirigentes de movimentos populares, intelectuais críticos pudessem participar da condução da República, vencendo três vezes a Presidência da República, duas com Lula e uma com Dilma, a primeira mulher a dirigir a República no Brasil”.
“A história do século XX e dos primeiros anos deste século mostra como as classes dominantes e seus aparelhos reagem contra governos que vão na contramão de seus interesses particulares. Vargas suicidou-se para deter insidiosa campanha de forças políticas, meios de comunicação e outros agentes inconformados com sua política nacionalista e de fortalecimento do Estado. Dez anos depois, por razões semelhantes, esses mesmos atores se reuniriam para derrubar o Governo João Goulart e impor vinte anos de ditadura ao país. No período que antecedeu as eleições de 2002 desencadeou-se uma campanha de medo com o objetivo de impedir a eleição de Lula para a Presidência. A partir de 2003, de forma intermitente, tratou-se de anular os notórios êxitos do Governo, com campanhas que procuravam ou desconstruir as realizações do Governo Lula (o que havia de bom era apresentado apenas como o resultado da herança de FHC) ou tachá-lo de “incapaz” e “corrupto”. Sabe-se que denúncias sobre corrupção sempre foram utilizadas pelos conservadores no Brasil para desestabilizar governos populares, como os já citados casos de Vargas e Goulart. Grandes episódios de corrupção – a votação da emenda da reeleição de FHC, os turvos processos de privatização nos anos 90 ou o Governo Collor, para só citar alguns exemplos notórios – nunca mereceram uma investigação que levasse seus responsáveis à punição pela Justiça. Essa constatação não pode, no entanto, eludir o tema da corrupção de nossas preocupações. O repúdio ético e moral que esse fenômeno provoca tem de incitar, porém uma reflexão mais abrangente. A corrupção vence onde persiste um Estado vulnerável a pressões de grupos e corporações e onde o sistema político não permite a clara expressão da vontade popular. Onde a República é fraca. Nos últimos dez anos, as denúncias de malfeitos no Brasil se viram beneficiadas pela absoluta liberdade de imprensa reinante, pelo funcionamento livre e independente dos poderes da República, em particular pela ação de organismos do Executivo como o Tribunal de Contas da União, a Controladoria Geral da República, a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal, todos eles revalorizados, funcional e materialmente, pelos nossos governos”.
Lendo isto tudo, que está na Convocatória mas não está na Contribuição, cabe perguntar: por qual motivo o texto mais recente é pior, mais fraco, do que o texto original?
Sobre o tema do socialismo, por exemplo, o texto da Contribuição diz o seguinte:
“(...) A dissolução da União Soviética e do chamado “campo socialista”, a deriva da Socialdemocracia, os rumos seguidos pela República Popular da China, para só citar alguns fenômenos maiores das últimas décadas, lançaram uma profunda incerteza sobre o ideário socialista. Nascido nos anos em que essa crise começou a se fazer mais evidente e herdeiro de tradições democráticas e libertárias, o PT resistiu aos descaminhos desses projetos socialistas, não sendo constrangido pela aparentemente irresistível ascensão do neoliberalismo ou pelo proclamado “fim da História”. Ao contrário, fizemos a História andar em nosso país. Mas, ainda que tenhamos dado respostas práticas e alternativas aos desafios do presente, não fomos capazes de construir nem mesmo um esboço de um novo e abrangente ideário de esquerda – socialista e democrático – que pudesse abrir perspectivas àqueles que sofrem a orfandade de uma generosa utopia, sobretudo naquelas partes do mundo onde a crise econômica e social ceifa esperanças; onde a política é substituída por arranjos tecnocráticos, que produzem desilusão e impotência. Dar, pelo menos, alguns passos para reinstaurar o socialismo como horizonte político, ajudar a reconstruir uma cultura política de esquerda, aí estão tarefas a que devemos nos dedicar em nosso Congresso”.
Isto tudo é dito no documento aprovado no dia 8 de dezembro de 2012. Depois veio a crise de junho, o PED, e a Contribuição resultante é aquém da Convocatória inicial.
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Para concluir, faremos alguns comentários sobre a Tese apresentada pela chapa “O Partido que muda o Brasil”, vencedora do PED 2013.
O que mais chama nossa atenção, no início mesmo da Tese, é a visão sobre o alcance das mudanças feitas pelos governos Lula e Dilma. Segundo a tes, foram “mudanças estruturais” que modificaram “os padrões de acumulação do capitalismo brasileiro na medida em que a histórica manutenção da miséria e das condições de exploração do trabalho, funcionais a esse padrão, estão sendo transformadas”.
Como já tivemos a oportunidade de dizer, a não ser que banalizemos o significado do termo “mudança estrutural”, não se pode dizer que elas tenham sido realizadas pelos governos Lula e Dilma.
Igualmente, salvo por incompreensão do que significa a expressão “padrões de acumulação do capitalismo brasileiro”, é totalmente incorreto dizer que eles tenham sido modificados ao longo destes 12 anos.
O que ocorreu, isto sim, é que estamos lentamente tirando o “bode neoliberal” da “sala apertada” do capitalismo brasileiro. Isto faz a sala parecer mais arejada, mas a verdade é que estamos voltando aos parâmetros existentes nos anos... 1980, quando criamos o PT.
Infelizmente, no afã de qualificar as mudanças positivas feitas nos últimos 12 anos, a tese “Partido que muda o Brasil” exagera tanto nas velas que corre o risco de por fogo na igreja.
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A tese incorpora vários trechos da resolução do Diretório nacional já citada anteriormente. E introduz, sobre o tema da reforma política, um trecho muito interessante, que reproduzimos a seguir:
“(...) Uma vez mais, setores do parlamento brasileiro antepõem obstáculos à realização da reforma política. É imprescindível colocar novamente no centro do debate a questão da soberania. Quem deve eleger seus representantes: o povo ou o poder econômico? O custo tenham maioria crescente das campanhas e os padrões atuais de financiamento privado afastam, cada vez mais, das eleições as lideranças populares e permitem que as representações dos diferentes interesses do poder econômico. Constrangem, por outro lado, os partidos de esquerda que têm dependido desse tipo de financiamento de maneira crescente”.
É no mínimo curioso que esta Tese tenha sido apoiada pelo deputado federal Candido Vaccarezza, legítima expressão dos setores que obstaculizam a reforma política e que representam dentro do PT, a influência perniciosa do financiamento privado empresarial.
A Tese também traz uma reflexão interessante sobre a necessidade de “democratizar as comunicações e ampliar a liberdade de expressão no Brasil (...)A estrutura da comunicação hoje não reflete a pluralidade e a diversidade cultural e política brasileiras. Isso fragiliza e serve de negativa à própria democracia, já que estabelece dois tipos de liberdade: uma, para os que podem exercitar livremente sua capacidade de expressão, inclusive com apoio do Estado, via concessões, inibição à comunicação comunitária e permissão para propriedades cruzadas; outro, a liberdade de expressão do cidadão comum, muito mais restrita e, geralmente, de caráter passivo”.
Novamente, nos chama a atenção que esta Tese recebeu o voto do ministro Paulo Bernardo, conhecido por suas críticas a posição do PT na área da comunicação, críticas expostas em entrevista que Paulo Bernardo concedeu a revista Veja.
A Tese traz ainda um conjunto de pontos programáticos e chama o PT a enfrentar “de uma só vez os riscos de excessiva burocratização e vinculação dos seus quadros com os aparelhos de Estado e o descolamento da militância partidária das forças vivas de nossa sociedade”.
De conjunto, trata-se de um texto superior ao da Contribuição, embora evidentemente cause espécie a Tese não diz sobre a política de alianças, sobre a AP 470 e sobre as debilidades do nosso governo.
Um comentário final: no item 17 é dito que “o Processo de Eleições Diretas (PED) no PT constitui-se, nesse momento, em uma grande oportunidade de análise e compreensão da conjuntura”. E no item 18 é dito que o “PED prepara o debate do 5º Congresso que tem a inadiável tarefa de apontar um horizonte de transformações estratégicas para o país”.


Portanto, debateríamos “conjuntura” com a base e “estratégia” no Congresso: a vida está sendo um pouco diferente deste roteiro. Mas como a vida é viva, faremos um esforço para que o V Congresso aprove resoluções mais avançadas do que as contidas na Contribuição, na Tese, na Resolução e na Convocatória
Este esforço significa dar continuidade ao que defendemos ao longo de todo o processo de eleição direta das direções petistas: que o PT precisa mudar de estratégia, mudar a tática para 2014 e mudar o funcionamento partidário.
A atual estratégia do PT é baseada na ideia de mudança através de políticas públicas. Defendemos que o PT adote uma estratégia de mudança através de reformas estruturais.
Salvo engano, nenhum petista se opõe às reformas estruturais. Todos parecem defender a reforma tributária, reforma política, lei da mídia democrática, reforma agrária, reforma urbana, 40 horas, universalização das políticas públicas etc.
Assim parece, mas não é exatamente verdade. Alguns setores do PT se opõem a tais reformas, como vimos por exemplo toda vez que houve chance real de aprovar a reforma política. Outros setores defendem tais reformas, mas são contra adotar uma estratégia de mudança baseada nelas.
Os que pensam assim parecem acreditar que será possível continuar melhorando a vida do povo, continuar ampliando a democracia, continuar afirmando a soberania nacional, continuar avançando na integração regional, sem fazer reformas estruturais.
Nós, pelo contrário, achamos que a estratégia de melhorar a vida do povo apenas ou principalmente através de políticas públicas entrou numa fase de “rendimentos decrescentes”. A comparação entre o segundo governo Lula e o primeiro governo Dilma é uma das provas disto.
Os problemas da saúde pública, por exemplo, exigem um salto na capacidade de financiamento. O mesmo pode ser dito de outras questões, como o transporte público. Visto de conjunto, a “sustentabilidade” das políticas públicas universais exige reforma tributária e uma mudança radical no serviço da dívida pública.
Mas como viabilizar isto, se o Congresso seguir majoritariamente composto por representantes do grande empresariado? E como ter sucesso na batalha da reforma política, sem derrotar o oligopólio da mídia?
E como viabilizar estas e outras reformas estruturais, se nossas bancadas, governos, aliados políticos e sociais não organizarmos nossa atuação em função disto? Se não formos para as eleições de 2014 com o propósito de reeleger Dilma em condições dela realizar um segundo mandato superior, marcado pelas reformas estruturais? Se nosso Partido não for capaz de uma atuação militante em favor destes objetivos?

Seja para ganhar as eleições de 2014, seja para continuar mudando o país, seja para construir um caminho para o socialismo, o PT precisa adotar uma estratégia democrática e popular, por reformas estruturais. Esta é a principal tese que defendemos no PED e defenderemos no Congresso do Partido dos Trabalhadores.