domingo, 4 de novembro de 2012

Mundo, Brasil, Sergipe: 2013 será um ano de grandes embates


Mundo, Brasil, Sergipe: 2013 será um ano de grandes embates

Este texto é uma contribuição ao debate de conjuntura no Congresso do SINTESE. Por isto, está escrito na forma de um roteiro, para estimular a discussão sobre as principais variáveis da conjuntura internacional, nacional e regional.

Introdução

Analisar a conjuntura significa estudar um determinado momento da luta permanente entre as forças políticas e sociais que integram nossa sociedade.

A análise de conjuntura é uma mistura de ciência com arte.

A ciência está em saber escolher e saber analisar detalhadamente cada uma das principais variáveis que, combinadas, compõem a atual conjuntura ou momento da luta de classes.

A arte está em prever, com a exatidão que for possível, como estas variáveis vão se projetar, combinar, interagir futuramente.

Noutras palavras, a ciência conhece o passado e o presente; a arte tenta prever os vários futuros possíveis; para, a partir desta previsão, determinar qual deve ser nossa ação para que o futuro seja o melhor possível para nós.

O exercício que faremos agora, portanto, pode ser dividido em três partes: 1) escolher e estudar as principais variáveis que compõem o nosso presente; 2) especular como estas variáveis vão se projetar no futuro; 3) decidir o que a classe trabalhadora deve fazer, para que o futuro seja o mais próximo possível daquele que nós desejamos.

Variável 1: o mundo

Hoje a principal característica do mundo é a crise. Crise do capitalismo, crise social, crise política, crise militar, crise ambiental.

De todas estas crises, a principal, a que é pano de fundo das demais crises, é a crise do capitalismo.

A crise do capitalismo neoliberal pode ser resumida da seguinte forma: os lucros incomensuráveis produzidos pela especulação financeira não podem ser reinvertidos na produção, pois gerariam lucros menores. E não podem ser reinvertidos na especulação financeira, pois são insustentáveis. Em consequência, os lucros estão caindo, e com eles cai o valor das ações, das empresas etc.

Noutras palavras: o capitalismo, que é um modo de produção baseado na valorização permanente do capital, está gerando desvalorização do capital. Esta é a crise.

Para enfrentar esta crise, os países ricos e os ricos dentro de cada país buscam transferir os ônus da crise para os outros países, especialmente para os países mais pobres, e para outros setores sociais dentro dentro de cada país, especialmente para os setores mais pobres.

É desta atitude que brota a crise social, especialmente o desemprego e o corte dos direitos e serviços públicos.

Da crise social surge a crise política, com governos sendo eleitos por uma parte do povo num dia e questionados nas ruas, por outra parte do povo, no dia seguinte as eleições.

É deste ambiente que surgem, ainda, as crises militares, com os países se armando para enfrentar uns aos outros.

A crise mundial –somatória das várias crises citadas, mais a crise ambiental-- vai ter prosseguimento pelos próximos anos. E afetará cada vez mais gravemente o Brasil, que terá que adotar medidas para defender sua soberania, sua economia, suas riquezas, seu povo.

Variável 2: os Estados Unidos

O mundo viveu crises semelhantes em 1930 e 1970. Naqueles dois momentos, os Estados Unidos lideraram a reorganização do mundo capitalista.

Hoje, os Estados Unidos querem voltar a reorganizar o mundo em crise. Acontece que os EUA estão com dificuldades para fazer isto.

A primeira destas dificuldades é produto do fim da União Soviética. Os Estados Unidos derrotaram a URSS na chamada Guerra Fria. A União Soviética acabou, os EUA sobreviveram e venceram.

Mas a vitória dos EUA causou dois efeitos colaterais: os EUA embarcaram com tudo na política neoliberal e, com isso, tornaram-se brutalmente dependentes de outros países do mundo; e, ao mesmo tempo, com o fim da ameaça soviética, os demais países do mundo capitalista se sentiram a vontade para se tornar mais independentes em relação aos EUA.

Resultado: a hegemonia (ou predomînio) dos EUA está ameaçado e sua economia está fragilizada. E como não existe nenhum país com a força dos Estados Unidos, não há ninguém capaz de liderar o enfrentamento da crise e a reorganização do mundo capitalista.

Noutras palavras: a crise mundial deve prosseguir e agravar-se muito ainda. E pode se tornar ainda mais aguda, a depender do resultado das eleições nos Estados Unidos.

Ganhe Obama ou ganhe Romney, a postura geral dos EUA continuará a mesma: a de tentar transferir para a periferia do mundo o önus de sua crise.

Obama parece ter mais consciëncia dos limites da força dos Estados Unidos. Já o candidato republicano é mais tosco, é mais bruto: sua eventual vitória tornará ainda mais frequente o recurso a força bruta contra os adversários dos Estados Unidos.

Num caso ou noutro, o mundo será mais perigoso, porque o Xerife impõe mais medo que respeito.

Variável 3: a América Latina

Toda vez que ocorre uma crise mundial (como em 1789-1848, em 1895-1945 ou agora), abre-se uma oportunidade para a América Latina.

Foi numa destas crises que as colônias se transformaram em nações soberanas. Foi noutra destas crises que várias nações deixaram de ser agroexportadoras e tornaram-se potências industriais.

O que está posto, na atual crise, é se vamos continuar periferia ou se vamos nos converter em um dos pólos da geopolítica mundial.

Noutras palavras: integração regional para nos convertermos em poder mundial; ou desagregação para seguirmos subordinados a terceiros.

Os governos latinoamericanos e as principais forças políticas e sociais da região estão, hoje, divididas entre estes dois projetos.

O caminho da integração regional é defendido pelos governos do Brasil. Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador, Venezuela, Nicarágua, El Salvador e Cuba.

A integração é vista por estes governos como instrumento de defesa regional (por exemplo contra os efeitos da crise mundial) e também como meio de aproveitar as potencialidades regionais (grande reserva de água, petróleo, minerais, riqueza biogenética, florestas naturais etc.).

A integração defendida é econômica, política e cultural. E se traduz em algumas instituições internacionais, como a Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos (CELAC), a União das Nações da América do Sul (Unasul) e o Mercado Comum da América do Sul  (Merosul).

O caminho da subordinação é defendido por forças políticas que estão na oposição, mas também por forças que governam o Paraguay, Chile, Colômbia, Honduras, Panamá e Mëxico.

O projeto da subordinação tem nome: Arco do Pacífico. Hoje, o Arco do Pacífico está vinculado aos interesses dos Estados Unidos, mas pode se vincular aos interesses de outra potência que emerja no lugar dos EUA. O fundamental está em não construir um proeto autônomo, econômico e social, para nossa região. A integraçao deve ser aberta, ou seja, não importa quem é teu vizinho e quem não é, importa quem te oferece mais supostas vantagens no curto prazo.

Os dois blocos que existem na América Latina vivem uma situação de equilíbrio relativo. Nem a direita consegue desalojar a esquerda (exemplo disto é a recente eleição na Venezuela, vencida mais uma vez por Chavez); nem a esquerda consegue desalojar a direita (exemplo disso é a recente eleição no México, vencida por um dos setores da direita).

Esta situação de equilíbrio relativo não vai durar para sempre. O maior ou menor impacto da crise internacional, a maior ou menor agressividade do governo dos EUA, o maior ou menor êxito dos projetos de integração, assim como a evolução interna de cada país, vão empurrar a situação para um lado ou para o outro.

E a pedra de toque estratégica está no Brasil. Como já disse um estrangeiro: para onde for o Brasil, irá a América Latina.

Variável 4: o Brasil

Há várias maneiras de conhecer um país. A mais profunda, a mais completa, é conhecer a sua estrutura econômico-social: como produz suas riquezas e em benefício de quem.

No século XX, o Brasil tornou-se um país capitalista. Ou seja: um país onde as principais riquezas eram produzidas pelos trabalhadores assalariados, em benefício principalmente dos proprietários das grandes empresas capitalistas.

Nisto, o Brasil era e continua sendo parecido com muitos outros países capitalistas existentes pelo mundo afora. A diferença consistia no seguinte: a taxa de exploração aqui no Brasil era das mais altas do mundo. Os ricos, mais ricos, os pobres, mais pobres, a repartição da riqueza entre o Capital e o Trabalho das mais desiguais do mundo.

Esta característica tipicamente brasileira se aprofundou no final do século, quando os neoliberais Collor e Fernando Henrique governaram o Brasil, de 1990 a 2002. O neoliberalismo foi uma espécie de bode na sala.

Os governos Lula e Dilma (2002-2012) estão tirando o bode da sala. Sem o bode, a sala voltou a ser o que era na maior parte da história do Brasil: um país tremendamente rico, uma classe dominante tremendamente poderosa, um povo tremendamente explorado.

A esquerda que chegou ao governo, com Lula e Dilma, sabem que não basta tirar o bode da sala, é preciso mudar a sala, seu tamanho, sua decoração, seus móveis, absolutamente tudo.

Mas para isto é preciso poder. E a maior parte do poder, no Brasil, segue com os de sempre: os grandes capitalistas e seus aliados. São eles que controlam os meios de comunicação, a Justiça, os meios econômicos etc.

Por isto, um dos grandes desafios da esquerda que chegou ao governo, com Lula e Dilma, é fortalecer o poder dos trabalhadores, através da ação sindical, dos movimentos populares, da organização da juventude, dos negros e das mulheres, dos partidos de esquerda, de meios de comunicação próprios, da difusão de nossas idéias e da eleição de nossos representantes nos parlamentos e executivos municipais e estaduais.

Deste ponto de vista, o resultado das eleições de 2012 é muito contraditório.


Variável 5: eleições 2012

As eleições municipais realizadas no Brasil serviram de termômetro, em dois sentidos: como o povo está avaliando a situação e quais as tendëncias para a eleição presidencial de 2014.

Se contabilizarmos quem ganhou e quem perdeu as eleições, colocando de um lado os partidos de oposição e de outro lado os partidos que apoiam o governo Dilma, o que veremos é que a oposição perdeu. Nacionalmente, ganharam os partidos da base do governo Dilma, perderam o PSDB, o DEM e o PPS.

Ao mesmo tempo, os resultados eleitorais mostraram a insatisfação popular com os governos municipais. Isto ocorre por vários motivos, entre os quais uma piora nas condições orçamentárias em grande parte das cidades brasileiras. Seja como for, a maioria das candidaturas vitoriosas foi de oposição aos respectivos governos municipais.

Para complicar ainda mais a situação: tomado isoladamente, o partido da presidenta Dilma, o PT, foi o partido mais votado e é o partido que governa o maior número de pessoas em todo o Brasil. Mas, por outro lado, naquelas cidades onde candidatos do PT disputaram contra candidatos de outro partido da base do governo Dilma, estes candidatos geralmente receberam o apoio da oposição de direita e derrotaram o PT.

O que isto projeta para 2014? Falemos da eleição presidencial, pois nas eleições para governador o quadro é mais complexo.

Resumidamente: se 2014 for uma disputa entre Dilma contra um candidato tucano, apoiado por DEM e PPS, Dilma vai ganhar a presidência.

Mas se 2014 ocorrer uma disputa entre Dilma e um candidato do PSB ou do PMDB, apoiado pela oposição, a candidata do PT corre riscos.

Por isto, o enfraquecimento da oposição (PSDB, DEM, PPS) amplia os apetites de alguns partidos que, embora hoje façam parte do governo, amanhã planejam disputar contra a candidatura presidencial de Dilma.

É o caso do Partido Socialista Brasileiro (PSB), que está sendo tentado a lançar candidatura própria a presidëncia da República. Se isto ocorrer, e se esta candidatura vier a ser apoiada pelos partidos da oposição, será um imenso desafio para o Partido dos Trabalhadores.

Variável 6: a classe trabalhadora

A classe trabalhadora brasileira está dividida. Parte importante dos trabalhadores ainda vota em partidos que se opõem ao governo Dilma.

Sem o voto de parte dos trabalhadores, João Alves não seria prefeito de Aracaju e ACM não seria prefeito de Salvador.

É verdade, contudo, que a maior parte dos trabalhadores votou em 2012 em partidos que são da base de apoio do governo Dilma.

Mesmo assim, grande parte dos trabalhadores tem consciência política limitada: a soma dos votos obtidos pelo PMDB, PSD e PP supera 26 milhões.

Somando os votos de todos os partidos nominalmente de esquerda (sejam os que fazem parte do governo Dilma, seja os que se opõem), isto alcança 35,76% do eleitorado.

Tomado isoladamente, o PT foi o partido mais votado no primeiro e no segundo turno das eleições municipais de 2012. E seus prefeitos governarão maior número de habitantes.

Ao mesmo tempo, o PT sofreu derrotas importantes (especialmente no sul e no nordeste do Brasil). Além disso, as candidaturas petistas foram muito desgastadas pelo noticiário acerca do chamado mensalão. Na semana anterior ao primeiro turno, a TV Globo chegou a dedicar 19 minutos do Jornal Nacional para este tema, o que obviamente teve impacto eleitoral.

Quais são as tendências que se projetam para 2013 e 2014?

Primeiro, que o desempenho eleitoral da esquerda está relacionado com a sua capacidade maior ou menor de manter o voto dos pobres, de recuperar o voto dos setores médios, de neutralizar o impacto dos meios de comunicação e de estabelecer o financiamento público das campanhas eleitorais.

Segundo, que as forças de esquerda precisam renovar seu discurso programático: não basta falar do que foi feito, é preciso ganhar as pessoas para o que será feito.

Terciero, que os governos da esquerda precisam ser capazes de encantar novamente as pessoas. Sem o que a direita conseguirá apresentar-se com o discurso de renovação.

Quarto, que um desarranjo na economia do país pode ter efeitos catastróficos sobre o desempenho eleitoral das esquerdas.

Quinto e principal: a esquerda não crescerá, se depender única e exclusivamente do seu desempenho e da sua atuação eleitoral, parlamentar e governamental. A esquerda precisa voltar a priorizar a organização direta das classes trabalhadoras, com sua mobilização e conscientização.

Nas urnas se colhe o que se planta nas ruas.

 2 de novembro de 2012







Nenhum comentário:

Postar um comentário