quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Mundo revolto, Brasil agitado

Agosto de 2012 será um mês tenso. Em primeiro lugar no terreno internacional, onde se destacam quatro conflitos.



O primeiro deles é a guerra na Síria. Independentemente da avaliação que façamos sobre Assad, o partido Baath e o regime existente naquele país, o que está em curso não é propriamente uma rebelião pela democracia, mas sim uma batalha geopolítica impulsionada pelos Estados Unidos e aliados. Uma eventual deposição de Assad não resultará em democracia, nem bem-estar na Síria. Quem duvida disto, deve olhar o que se passou no Afeganistão, Iraque e Líbia. O que teremos será mais instabilidade regional e a estrada aberta para um ataque direto contra o Irã. O que parece estar muito claro para a presidenta Dilma, mas não parece estar tão claro para setores do Itamaraty, que têm dado declarações, subscrito notas e aprovado resoluções aparentemente imparciais, mas que na melhor das hipóteses demonstram falta de percepção acerca do que efetivamente está em jogo. É preciso que o Brasil adote uma postura mais forte, não apenas contra a intervenção militar estrangeira na Síria, mas também denunciando a intervenção militar que já está em curso.



O segundo conflito é a crise na Europa. Como era previsível, a vitória dos Socialistas franceses não alterou o curso geral da política da União Européia. Isto significa que principalmente Espanha, Itália e Portugal –além de Grécia—continuam submetidos ao estrangulamento de suas políticas sociais e a perda da soberania nacional. Embora a esquerda consequente esteja presente, mobilizada e crescendo, a ultra-direita está se fortalecendo (vide os resultados obtidos na Grécia e na França pelo nacionalismo fascista e racista) e na prática imediata tem ajudado a dar maior liberdade para a política externa dos Estados Unidos. É preciso que o PT e a esquerda latinoamericana tirem os ensinamentos da crise européia, não apenas no que diz respeito à natureza periódicamente catastrófica do capitalismo, mas também quanto ao caminho para superar o neoliberalismo, que passa por derrotar o capital financeiro e as transnacionais. Sem ter isso claro, o destino da esquerda social-democrata será o pântano social-liberal.



O terceiro conflito que marca a conjuntura internacional é a campanha eleitoral na Venezuela. Hugo Chavez segue liderando as pesquisas e, por isto mesmo, a direita latinoamericana e seus patrões gringos buscam pintar um quadro eleitoral diferente do real, preparando o ambiente para um questionamento pós-7 de outubro. Deste ponto de vista, a integração da Venezuela ao Mercosul, além de vantajosa para todos os países e para o processo regional, constitui também um instrumento de proteção para a chamada Revolução Bolivariana, contra eventuais tentativas de intervenção estrangeira. É preciso acelerar a integração, ampliar o mais rapidamente que for possível o Mercosul –através da adesão de Equador e Bolívia, fortalecer os mecanismos da Unasul e, também, apoiar a esquerda paraguaia, para que derrote nas ruas e nas urnas o golpismo. Para tudo isto, é importante ampliar os recursos humanos e materiais dedicados à atuação internacional do PT.



O quarto conflito é a eleição presidencial, em novembro, nos Estados Unidos. Embora o mais provável ainda seja a vitória de Obama, não devemos subestimar a força da direita cavernícola expressa pela candidatura republicana. Nem devemos esquecer que Obama –no terreno da política externa—assumiu a pauta da direita do Partido Democrata, capitaneada pela senhora Hillary Clinton. Ou seja, se a vitória de Romney projeta uma hecatombe, a de Obama não significa um desanuviamento. Neste sentido, uma alternativa positiva só pode surgir da organização político-social independente da classe trabalhadora estadounidense, a começar pelos migrantes latinos.



No cenário nacional, o mês de agosto de 2012 também será muito tenso.



De cara, temos o julgamento, no Supremo Tribunal Federal, do chamado mensalão.



Dizemos do chamado, porque o próprio autor do termo –o então deputado Roberto Jefferson, ainda hoje dirigente do Partido Trabalhista Brasileiro— reconheceu em seu depoimento à Justiça que ele inventou este termo, admitindo não ter existido pagamento mensal para que parlamentares votassem de acordo com as posições do governo federal.



Dizemos julgamento no STF, mas deveríamos acrescentar: & linchamento na mídia. Os grandes meios de comunicação estão alinhados em torno de uma posição única, que lembra a rainha de Alice no País das Maravilhas: cortar cabeças (no caso, condenar e prender).



Como não existe mobilização social –nem a favor, nem contra os réus—os meios de comunicação estão fazendo um esforço imenso para provocar tal mobilização, seja nas ruas, seja nas urnas, direcionando-a contra o PT.



Para isto, fazem uma cobertura totalmente parcial do julgamento. Exemplo desta cobertura parcial é o silêncio acerca dos dois pesos e duas medidas adotados pelo Supremo Tribunal Federal, no tratamento do chamado mensalão (que certa imprensa adjetiva como petista) versus o tratamento dado ao caso envolvendo tucanos (que a mesma imprensa prefere chamar de mensalinho mineiro). O caso tucano ocorreu antes, mas ainda não foi a julgamento; e neste caso, o STF decidiu desmembrar o processo. No caso que envolve réus petistas, manteve tudo no Supremo e antecipou o julgamento. E não por acaso as sessões foram marcadas para iniciar em agosto, coincidindo com as eleições municipais.



A verdade é que a mídia monopolista está fazendo um brutal esforço para que os réus sejam condenados, especialmente aqueles cuja condenação possa causar danos ao Partido dos Trabalhadores.



Como não podia deixar de ser, a desfaçatez e a hipocrisia da direita geram um movimento de solidariedade aos réus vinculados ao Partido. É natural que isto ocorra: embora o Partido não esteja sob julgamento, esta é a pretensão da direita e da mídia. Neste contexto, é importante deixar clara nossa posição, até para que não se confunda a defesa irrestrita que fazemos do Partido frente a direita, com a defesa, esquecimento ou anistia dos erros cometidos.



Em primeiro lugar, reiteramos as posições (ver www.pagina13.org.br) que defendemos acerca das causas da crise de 2005, acerca dos erros políticos cometidos por importantes dirigentes do Partido, acerca do pano de fundo estratégico destes erros, bem como reiteramos a defesa que o PT faz sobre a necessidade de adotar o financiamento público de campanhas eleitorais. Esta posição pode ser assim resumida: o financiamento privado empresarial gera uma democracia corrompida, como a que existe nos Estados Unidos, onde como disse um famoso escritor, pode-se ter o melhor governo que o dinheiro pode comprar.



Por isto mesmo, reiteramos nosso posicionamento e nosso voto, nos debates travados no interior do Partido dos Trabalhadores. Seja na eleição das direções partidárias, seja no Diretório Nacional, seja nos temas éticos, votamos contra os que colocaram em risco a sobrevivência do PT.



Em segundo lugar, entendemos que o julgamento político cabível num Partido, não cabe na Justiça. Os critérios do Partido, não são os critérios da Justiça. O que é legal para a Justiça, não necessariamente é legítimo para o Partido. E o que é legítimo para o Partido, não necessariamente é legal perante a Justiça. É o caso, por exemplo, das ocupações de terra.



Também por isto, sempre criticamos submeter à Justiça Eleitoral as decisões adotadas pelo Partido (como fizeram, para citar dois exemplos politicamente opostos, tanto Wladimir Palmeira em 1998 quanto João da Costa em 2012).



A ausência de controle democrático, a falta de transparência, os critério de seleção e promoção, o modus operandi, aliado a legislação voltada no fundamental para defender o status quo e o direito dos grandes proprietários privados, fazem da Justiça o terreno privilegiado da burguesia, não da classe trabalhadora.



Mesmo assim, no Supremo Tribunal Federal e em qualquer outra instância judicial, exigimos que eventuais condenações estejam baseadas na lei, sustentadas em provas, com pleno direito à defesa, cabendo ao acusador o ônus de provar, garantida a inocência do acusado até prova em contrário. Estas são as premissas básicas para que, mesmo quando questionamos o mérito das decisões, elas possam ser formalmente legítimas.



A oposição de direita e a mídia monopolista não estão preocupadas com isto. Pretendem que o Supremo Tribunal Federal atue como seu Partido, ou seja: que no comando esteja a política que defendem, não a Lei. Por isso, se a aplicação da Lei indicar que os réus devem ser absolvidos, eles buscarão corrigir a conhecida máxima da seguinte forma: aos amigos tudo, aos inimigos nem mesmo a Lei.



Sabendo disto, mesmo levando em consideração que há réus contra os quais não há provas que permitam uma condenação; mesmo lembrando as surpresas positivas que podem derivar da composição e do funcionamento do Supremo Tribunal Federal; mesmo considerando que a pressão excessiva por parte da mídia pode provocar, sobre alguns ministros do Supremo, um efeito oposto ao pretendido pela direita; devemos preparar politicamente o Partido para a condenação de diversos réus ligados ao PT, o que terá algum impacto sobre o transcorrer das eleições e sobre seu resultado final, especialmente se as penas forem duras.



Devemos nos preparar, não exatamente para um impacto direto sobre as intenções de voto do grande eleitorado, que em 2006 e 2010 já se manifestou, reelegendo Lula e Dilma; sendo que a preferência popular pelo PT é hoje superior a dos demais partidos somados. Mas uma eventual condenação pode impactar tanto em situações municipais específicas, quanto na capacidade de mobilização militante do petismo, extremamente necessária em algumas cidades, especialmente nas semanas que antecedem o horário eleitoral gratuito.



Além disso, uma condenação terá impacto de médio prazo sobre a imagem do PT, em alguns setores da população. Não podemos subestimar os efeitos da campanha corrosiva, insidiosa e cotidiana que se faz contra nosso Partido; ao invés de subestimar, nos cabe defender o PT, reconhecer e corrigir os erros, enfrentar e derrotar a direita.



*



Um segundo elemento do cenário nacional é, exatamente, a eleição municipal. Na maioria do país, ainda estamos numa fase de aquecimento das campanhas: só nos últimos dez dias deste mês de agosto, com o início da campanha na televisão, é que a campanha vai tomar conta do cotidiano nacional.



Será neste momento que veremos quais candidaturas petistas souberam apropriar-se da força do voto potencial no PT; e quais candidaturas aparecerão, aos olhos do eleitor médio, como sendo as sintonizadas com a obra dos governos Lula e Dilma. Sintonia que é fortemente disputada, contra o PT, por partidos que fazem parte da base do governo, conduzindo a uma situação perigosa, que alguns querem resolver de maneira tão perigosa quanto: ampliando o espaço do PMDB.



Ainda é cedo para avaliações definitivas, mas é preciso entretanto acender o sinal amarelo: se dependesse da situação atual, o quadro nacional estaria mais para negativo do que para positivo. Motivo pelo qual não basta esperar que as coisas melhorem, após o início do horário eleitoral gratuito. É preciso fazer um esforço imenso para mobilizar a militância e politizar as campanhas, inclusive para neutralizar a tentativa que a mídia faz para desgastar o PT.



*



É preciso levar em conta, também –este é o terceiro elemento do cenário nacional— que o resultado eleitoral está fortemente vinculado ao maior ou menor êxito do governo, nas medidas que visam manter a atividade econômica em níveis compatíveis com a geração de empregos e salários de qualidade. Deste ponto de vista, a batalha contra o setor financeiro e contra as transnacionais segue na ordem do dia.



Motivo pelo qual apoiamos os trabalhadores da General Motors. As demissões, apesar dos subsídios e incentivos recebidos do governo por todo o setor automobilístico, constituem nada menos que um acinte. Frente a isto, esperamos do ministério da Fazenda uma atitude pelo menos tão firme quanto a da presidenta Dilma, que já deixou claro que subsídio deve estar vinculado a manutenção de empregos.



Neste sentido, nos congratulamos com as posições firmes adotadas pela Central Única dos Trabalhadores e reiteramos a necessidade do movimento social se manter mobilizado em torno de suas demandas. Pelos mesmos motivos, reafirmamos o conteúdo da nota Valorização do funcionalismo, encaminhada por nós à direção nacional do Partido dos Trabalhadores.



Tal nota encerra dizendo que: A valorização do funcionalismo público não pode ser interditada em nome de suposta necessidade de contingenciamento orçamentário. A experiência dos anos recentes já demonstrou que a melhor maneira de enfrentarmos os efeitos (e as raizes) da crise econômica internacional é aumentar o gasto público com equivalente aumento da capacidade geral do Estado em prover serviços e infraestrura de qualidade para o conjunto da população. Cabe ao PT cumprir um papel ativo na tentativa de fortalecer os canais de diálogo e negociação efetiva entre o governo e o movimento sindical do funcionalismo.



A atitude do governo em relação às reivindicações do funcionalismo está estruturalmente relacionada com o esgotamento da estratégia de crescimento via ampliação do consumo de massas, sem mudanças na estrutura de investimentos, produção e propriedade. É óbvio que o acréscimo no poder de compra do funcionalismo, com os justos aumentos pedidos, vai pressionar a demanda. Mas este problema não pode ser resolvido como deseja o setor conservador da equipe econômica, que parece acreditar que este problema pode ser resolvido voltando ao velho método do arrocho que tanto combatemos. A solução virtuosa passa pela ampliação combinada dos investimentos, da produção e do consumo. Temas que precisam entrar urgentemente na pauta de discussão do Partido, antes que o debate sobre a estratégia de crescimento se torne a questão política central da oposição contra nós.



As dificuldades do mês de agosto confirmam, portanto, algo que temos destacado desde 2005: nosso Partido precisa retomar o debate estratégico. A defesa do socialismo e das reformas estruturais, como a agrária e a urbana; a reconstrução do campo democrático-popular, envolvendo os partidos de esquerda e os movimentos sociais em torno de um programa de transformações; a reforma política, a democratização da comunicação, as medidas de proteção da economia e da soberania nacionais; assim como a ampliação da nossa organicidade militante precisam receber atenção permanente, de uma direção partidária que pretenda ser algo mais do que administradora de campanhas eleitorais bianuais.



Brasília, 13 de agosto

A direção nacional da Articulação de Esquerda

Nenhum comentário:

Postar um comentário