sábado, 14 de janeiro de 2012

A direita brasileira quer a cabeça de Lula

O texto abaixo também é de 2005.

No dia 14 de maio de 2005, a revista Veja - um dos maiores semanários brasileiro -denunciou a existência de um esquema de corrupção na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
Os envolvidos foram afastados pelo governo brasileiro, cujas investigações indicaram uma conexão entre o esquema de corrupção e o presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o deputado federal Roberto Jefferson.
Ao perceber que nem o governo, nem o PT, seriam solidários com seu esquema de corrupção, o deputado Roberto Jefferson concede, no dia 6 de junho, uma entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o mais influente diário brasileiro, no qual acusa o governo e o Partido dos Trabalhadores de comprar votos de deputados, para garantir a vitória em votações no Congresso brasileiro.
As denúncias de Roberto Jefferson produzem novas demissões no governo, a abertura de um processo de cassação do parlamentar na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, bem como a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as denúncias de corrupção nos Correios.
Figura extremamente controversa, mentiroso assumido e criminoso confesso, o deputado Roberto Jefferson acaba revelando a existência de um personagem até então pouco conhecido: o empresário Marcos Valério.
Marcos Valério foi operador clandestino do caixa de campanhas eleitorais do PSDB (partido de Fernando Henrique Cardoso). Em 2003, aproxima-se de integrantes da cúpula do PT, apresentando-se como capaz de resolver os problemas de financiamento das campanhas eleitorais do Partido.
Ocorre que esta “solução” passava pela manipulação vultosa de recursos em “caixa 2”, pelo tráfico de influência, por crimes de colarinho branco e pelo enriquecimento pessoal de alguns políticos.
O aprofundamento das investigações, desde então, vem mostrando que importantes dirigentes do PT foram seduzidos pelos mecanismos tradicionalmente utilizados pelo grande empresariado, para influenciar a política brasileira.
Diversos deputados e dirigentes PT foram envolvidos e tiveram que renunciar a seus postos: o secretário geral nacional, o secretário nacional de Finanças e o secretário nacional de Comunicação pediram demissão da Comissão Executiva Nacional do PT. O líder do PT na Câmara dos Deputados pediu demissão. O ex-presidente da Câmara dos Deputados também foi envolvido.
No dia 16 de junho, ocorre a principal demissão: cai o ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil e presidente nacional (licenciado) do Partido dos Trabalhadores.
No dia 9 de julho, cai José Genoino, presidente nacional interino do PT.
Embora as investigações demonstrem que há políticos de todos os partidos envolvidos – inclusive dos partidos que fazem oposição ao governo Lula -, a ênfase dos meios de comunicação é no envolvimento de petistas.
Fica claro que há uma intenção, não propriamente de corrigir os erros do PT ou da legislação política brasileira, mas sim de se aproveitar destes erros para afastar o PT do governo e, mais do que isso, desmoralizar a esquerda brasileira como corrupta.
Apesar disso, grande parte dos intelectuais brasileiros rejeita a tese de que existiria uma conspiração das elites contra o governo Lula e contra o PT.
Os argumentos são variados, mas podem ser resumidos no seguinte: “Lula governa para as elites, logo elas não teriam interesse em derrubar seu governo”. Isto porque, para a maioria dos intelectuais brasileiros, a política econômica do governo Lula pouco se diferencia da política econômica do governo FHC.
Ademais, dizem esses intelectuais, se conspiração houvesse, teria origem nos erros do PT e do governo, que teriam constituído o ambiente propício para os ataques da direita.
Dentro de alguns anos, quanto tivermos acesso ao que aconteceu nos bastidores da crise, poderemos saber com certeza se estamos ou não diante de uma “conspiração”, que é o equivalente político à formação de quadrilha.
Mas não é preciso admitir a existência de uma conspiração, nem é preciso minimizar os erros do PT e do governo, para chegar à seguinte conclusão: a ofensiva que a direita brasileira desencadeou a partir de 14 de maio de 2005 está chegando cada vez mais perto do impeachment do presidente Lula.
Esta tem sido a preocupação de todos os principais jornais e revistas brasileiras: provar que o presidente Lula sabia da existência de corrupção, nada tendo feito; ou até mesmo envolver diretamente o presidente em algum ato de corrupção.
Se, nos próximos dias, o PT não for capaz de perceber e de reagir a este movimento pelo impeachment, a esquerda brasileira poderá ser apeada do governo de forma tão desmoralizante, que será neutralizada, como força ativa de mudança, por algumas décadas.
Aqui, novamente, há uma parte da intelectualidade que minimiza este risco. Ou melhor, que acha que o PT pode ser apeado pelo povo, democraticamente, em 2006, como uma reação aos descaminhos do governo e do Partido. Mas que isso não significaria retrocesso, nem afetaria o conjunto da esquerda.
No fundo deste raciocínio, a seguinte tese: “às elites não interessariam as turbulências que um impeachment causaria. Até porque o atual governo estaria cumprindo um receituário conservador”.
Os que raciocinam esquecem que os ataques ao PT e ao governo Lula vêm de cinco direções diferentes: dos partidos de direita; dos meios de comunicação de massa; de setores médios desiludidos com o governo; da ultra-esquerda; e do grande capital.
Embora todos estes setores tenham em comum o ataque ao PT e ao governo, nenhum deles controla a situação. Hoje, a crise ganhou dinâmica própria e, por isso mesmo, pode descambar para o impeachment.
Um exemplo: os grandes empresários não querem, ou pelo menos não têm como objetivo principal, o impeachment do presidente Lula. O que eles querem é manter e aprofundar a política econômica, que todos reconhecem como conservadora.
Mas, para atingir este objetivo, é preciso enfraquecer mais e mais o PT. E isso gera uma espiral que leva ao impeachment, que é desejado abertamente por setores conservadores e alimentado pela ultra-esquerda.
Quanto ao Partido dos Trabalhadores, encontra-se prisioneiro de uma armadilha política. A armadilha é a seguinte: o PT chegou ao governo federal sustentando um programa, uma estratégia, uma política de alianças e uma determinada maneira de conduzir o Partido, que pretendiam manter boas relações tanto com os setores populares, quanto com o grande empresariado.
Para enfrentar a presente crise, o PT precisa alterar esta política. Ocorre que adotar outra política pode produzir, ao menos no curto prazo, um agravamento da crise.
Se a outra política for romper com o PT e fazer uma aliança explícita com o PSDB, como propõem alguns condestáveis do governo Lula, isso agravará a crise com os setores populares.
Se a outra política for mudar a política econômica e romper as alianças com a direita, como propõe setores da esquerda brasileira, isso agravará a crise com o grande empresariado e com a direita.
Um exemplo disso é o desagrado com que a direita recebeu os acenos, absolutamente retóricos e sem repercussão na ação administrativa do governo, que o presidente Lula dirigiu aos setores populares, nos últimos dias.
Como em política não há espaço vazio, a influência da direita sobre o governo Lula cresce proporcionalmente à redução do espaço do PT. Inicialmente com 21 ministros, hoje o PT viu seu espaço reduzido para 15 ministros. Ministérios fundamentais, como o de Saúde e o de Minas e Energia, foram entregues ao PMDB, partido de centro-direita que possui uma grande bancada parlamentar.
Para enfrentar a crise, setores do governo defendem que o Presidente Lula deveria manter distância do Partido dos Trabalhadores, responsabilizando a este e sua direção pelos erros. Acontece que é muito difícil separar Lula do PT. Ademais, as eleições de 2006 estão muito próximas e, no Brasil, não existe candidatura avulsa.
Outros setores defendem que o presidente mande um duro recado às elites e recorra às camadas populares. Mas isso só terá efeito se ocorrer uma reorientação na ação do governo, em particular na política econômica, visando recuperar o apoio das camadas médias (categoria que inclui amplas camadas de trabalhadores assalariados).
A crise se abateu fortemente sobre o PT. As bases petistas oscilam entre a vontade de resistir e o afastamento em relação ao PT. Cresce a possibilidade de uma renovação radical na composição e na linha política do Partido, que no dia 18 de setembro elegerá suas direções para o período 2005-2008.
Em resumo: há uma brutal crise política no país, a direita brasileira desencadeou uma ofensiva contra o governo Lula e contra o PT, ofensiva que pode chegar ao ponto de se propor o impeachment do presidente da República.
O desenlace desta crise dependerá, e muito, da postura da militância democrática e popular, que precisa deixar claro que exige mudanças de rumo por parte do governo, especialmente na política econômica, mas que não aceitará passivamente as tentativas de interromper o mandato do Presidente da República e de criminalizar a esquerda brasileira.
Tentativas que teriam um grande beneficiário: o governo norte-americano, que se veria em melhores condições para apertar o certo contra a esquerda latino-americana.


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