terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Notas sobre o processo de industrialização paulista

A seguir, notas para um seminário sobre o processo de industrialização paulista, realizado em 1996.

1.Noções gerais sobre industrialização

     Se este seminário ocorresse há dez anos, é provável que fosse desnecessário fazer algumas considerações preliminares sobre a relação entre desenvolvimento capitalista e industrialização. Entretanto, vivemos dias em que um importante burocrata do Banco Central se sente a vontade para defender, com medidas truculentas e palavras supostamente modernas, a vocação agrária do Brasil. Assim, vale a pena gastar um tempo discutindo isto.

    É provável que o final do século XX entre para a história mundial como o período de mais incontestada hegemonia do capitalismo, seja pela sua extensão a todos os terrenos (geográficos, culturais, públicos e privados), seja pela inexistência de alternativa internacional articulada.

     Chega assim ao auge (e esperamos que ao início do fim) uma trajetória cujos primórdios localizam-se na Europa, nalgum ponto entre o final do século XIII e o início do século XIV; passando por séculos de acumulação primitiva de capital; e organizando-se em “ciclos sistêmicos de acumulação” (Arrighi, 1994), ciclos estes comandados, respectivamente, por Gênova (séculos XV/início do XVII), Holanda (fim do século XVI/maior parte do XVIII), Inglaterra (segunda metade do XVIII/início do XX) e Estados Unidos (1870 até hoje).

     Cada um destes ciclos sistêmicos de acumulação combina fases de expansão material e fases de expansão financeira. Ocorre que nos dois primeiros ciclos, o processo de acumulação de capital é aquele que Marx descreve como “primitivo”: desde o saque puro e simples, até a acumulação que registra-se no terreno comercial, baseado no “comprar barato e vender caro”, o que era possível graças ao exclusivo colonial.

     Já no terceiro ciclo (centrado na Inglaterra), o processo de acumulação do capital ganha uma forma específica: a produção de mais-valia, através da exploração do trabalho assalariado, trabalho assalariado que produz um valor superior ao que é necessário para sua reprodução, valor este que é apropriado pelo capitalista, que realiza esta “mais-valia” no processo de circulação e venda das mercadorias. A forma concreta que assume o processo de exploração da mais-valia é a grande indústria. Com ela, o capitalismo ganha autonomia e especificidade como modo de produção.

     Poderíamos aqui abrir uma longa discussão sobre as relações mantidas entre os trabalhadores assalariados e os capitalistas; sobre as alterações na forma de produção industrial; sobre as interconexões que vão se estabelendo entre indústria/agricultura/comércio/finanças; etc. Mas nos parece que isso fugiria do objetivo deste seminário. Entretanto, a título de provação para um debate, proporíamos as seguintes assertivas:

     1.O capitalismo é um sistema produtor de mercadorias, a partir da exploração do trabalho assalariado. A forma industrial de produzir (ou seja, uma certa química entre organização do trabalho vivo em combinação com o trabalho morto) só faz se generalizar, graças e apesar das enormes mutações que sofreu ao longo do século XX. Olhemos para o locus privilegiado do comércio varejista(os shoppings e os hipermercados); para os sistemas de transporte (de bens, pessoas ou informações); para a administração pública; para os sistemas de educação e saúde; para o setor de construção; para o setor agropecuário; ou para o setor financeiro --e em todos reconheceremos os traços básicos do sistema industrial, quais sejam: a produção coletiva, implicando em divisão de tarefas e no encadeamento das operações; a tendência à substituição de “trabalho vivo” por “trabalho morto”; o controle do capital sobre o trabalho; etc.

     2.Dada a natureza e as etapas de seu ciclo de acumulação (D-M-D, D-D), o próprio capitalismo produz desindustrializações (ou: destruição de forças produtivas) periódicas em larga escala. No momento atual, é o que ocorre em expressiva parcela do mundo, particularmente nos países periféricos.

     3.A criação, manutenção e ampliação de um parque industrial estrito senso continua e continuará sendo um indicador econômico decisivo. Não há nação independente, sustentada num “possante sistema financeiro”; numa “impressionante atividade agrícola” ou num “vigoroso setor de serviços”. Neste particular, discutir o processo de industrialização (brasileiro e paulista), é discutir os limites e as vicissitudes do processo que criou as bases da possível, mas não realizada plenamente, integração social e independência nacional. Isto porque, por outro lado, é plenamente possível desenvolver uma base industrial poderosa, mas articulada de maneira dependente e periférica; e, muito mais ainda, é plenamente possível desenvolver uma base industrial poderosa e manter os índices sociais vergonhosos que marcam nosso país.

2.A industrialização no Brasil

No Brasil Colônia

     Durante os três primeiros séculos de nossa história, as atividades industriais (no sentido genérico do termo) reduziram-se, praticamente, à fabricação do açúcar nos engenhos e à mineração. Durante todo esse longo período colonial, uma série de outras atividades industriais --artesanais e manufatureiras-- foram aqui desenvolvidas, porém todas elas com um caráter de atividade acessória, ocupando um papel secundário no conjunto da economia. É o caso, por exemplo, das diferentes tentativas de exploração metalúrgica com fundição de ferro, ou ainda de fabricação de tecidos e de construção naval. Convém lembrar que em 1785, um alvará real de D. Maria I proibe a existência de manufaturas no Brasil.

     A construção naval foi a atividade industrial que reuniu, junto com os engenhos, o maior número de trabalhadores por unidade de produção durante a colônia. Essa indústria estimulou o aparecimento de várias outras manifestações manufatureiras nos séculos XVII e XVIII: confecção de cordas, velas, cabos, estopas e óleos. Além das atividades acima mencionadas, ainda poderíamos lembrar a produção de charques e de gêneros alimentícios, a preparação de fumo de corda, a fabricação do anil, a extração do sal, a produção de azeite de baleia usado na iluminação pública, a confeção de móveis e a construção civil (casas, pontes, aquedutos), como manifestações de atividades industriais e manufatureiras no Brasil-Colônia.

     O aparecimento de algumas fábricas no interior da sociedade escravista brasileira, na década de 1840, não significava, em absoluta, que esses fatos primeiros estivessem prestes a se generalizar.  As pequenas fábricas, surgidas no Brasil nas décadas iniciais do século XIX, eram estabelecimentos de pequeno porte e tiveram, em geral, vida efêmera. Somente a partir de 1870 começaram a aumentar, em número e em importância, num processo que se intensificaria entre os anos 1885-1895.

Comparando com a inglaterra

     Se o panorama industrial brasileiro era este, no mesmo período, entre o final do século XVIII e o início do século XIX, a indústria inglesa tomara grande impulso, especialmente a partir de 1760, apoiando-se num parque manufatureiro já existente (registramos aqui a necessidade de uma análise da divisão técnica do trabalho e dos diferentes tipos de manufatura); num mercado consumidor concentrado (combinando o mercado externo com o de Londres, e lembrando que a indústria chave deste processo era a têxtil) e sobre um poder político que lhe era favorável (ver Hobsbawn, As origens da revolução industrial inglesa).

     Descobertas importantes desta fase: John Kay, 1733, na tecelagem; John Wyatt e James Hargreaves (1764, Spinning Jenny, fiação); Arkwright, 1771, primeiro tear movido à base de energia hidráulica; Cartwright, tear mecânico.

     Por volta de 1840, a indústria têxtil inglesa já se encontrava efetivamente mecanizada. Para ilustrar isto, vejamos o quadro em dois momentos:

·         1787: manufatura e trabalho manual e 14.150 teares na Inglaterra e Escócia;
·         1834: mecanização e 100.000 teares.

     A segunda fase da primeira revolução industrial consistiu na substituição de energia hidráulica (e do braço humano, energia eólica e tração animal) pelo vapor. Alguns marcos deste processo:

·         1769: James Watt descobre a primeira máquina a vapor de utilização comercial;
·         1769: motor de Newcomen;
·         1785: entrava em funcionamento a primeira fábrica (uma fiação) utilizando o vapor.

     Esta segunda fase estava praticamente concluída em 1870. Só para comparar, somente em 1869 (94 anos depois) foi utilizado pela primeira vez, na Província de São Paulo, o vapor no ramo têxtil.

     A terceira fase -- mecanização da construção mecânica, setor da indústira de máquinas-ferramentas e de bens de produção em geral-- é onde ficam mais gritantes as diferenças entre a industrialização inglesa, as posteriores e a industrialização brasileira. Lembramos a importância específica deste setor de máquinas equipamentos na evolução do capitalismo.

Com  a vinda da corte

     O alvará de1º de abril de 1808 revogou as peias do regime colonial, formulando os princípios de uma nova orientação no que diz respeito à indústria.

     O de 28 de abril de 1809 estabele isenção de direitos aduaneiros às matérias primas necessárias às “fábricas nacionais”; isenção de impostos de exportação para os produtos manufaturados no Brasil; concessão de privilégios exclusivos, por 14 anos, aos inventores de novas máquinas; e empréstimos às manufaturas de algodão, lã, seda, ferro e aço.

     O tratado de 1810 entre Brasil e Inglaterra faz morrer no ovo as primeiras tentativas industrializantes. De 1810 até 1844, prevalece um regime de livre câmbio (em 1882, os minérios brasileiros chegavam ao porto do Rio a um preço superior aos dos produtos estrangeiros).

     Mas o principal problema não era a falta de proteção alfandegária, e sim:

·         a escravidão/mercado interno restrito (3 milhões de habitantes, 1 milhão de escravos, no início do século XIX);
·         a falta de capitais (riquezas foram drenadas);
·         a divisão do mercado mundial entre as potências capitalistas

     Convém recordar o papel específico da Inglaterra: em 1812 o Brasil consumia 25% mais de mercadorias inglesas do que a Ásia inteira, e cerca de 4/5 do total absorvido pela América do Sul. No final do século XIX os ingleses controlavam ferrovias, as maiores firmas exportadoras e importadoras, companhias de navegação, agências de seguro e bancos financiadores. Já em 1840, quase metade da exportação brasileira de açúcar, metade da de café e mais da metade da de algodão estavam sendo exportadas por firmas britânicas. Os tecidos representavam até 1890, mais de 50% das importações provindas da Grã-Bretanha. Quase metade dos vapores que aportaram no RJ nos últimos anos do século XIX eram ingleses.

     Voltando: de 1840 a 1860, o núcleo fabril relativamente mais forte do país estava localizado na Bahia. Só a partir de 1860 a Bahia seria ultrapassada pelo Rio de Janeiro. Mas estamos falando de... apenas 9 fábricas de tecidos no Brasil, em 1866 (versus 1.000 nos EUA). Em 1882, tinhamos 45 fábricas de tecidos (12 na Bahia, 11 no Rio, 9 em São Paulo e 8 em Minas). As 9 paulistas ficavam nas cidades de: Itú, Jundiaí, Salto, Jacareí, Sorocaba e na capital.

     Predomínio de pequenas empresas: metalúrgicas, couro (curtumes, calçados, malas etc), chapelaria, móveis e mobílias, ramo gráfico, cervejas e refrigerantes, macarrão e massas alimentícias, sabão, olarias, cerâmicas, pedreiras, marmorarias.

     É importante perceber também o impacto, sobre a industrialização, da abolição do tráfico e da lei de terras de 1850. O mesmo vale para guerra de secessão norte-americana, que influenciou a evolução da indústria de algodão (em 1869, a primeira fábrica de tecidos que utilizou máquina a vapor na província de SP é fundada em Itu). Outro elemento a ser considerado: a guerra do Paraguai. Mais importante ainda: o superávit produzido nas exportações de café.

     Como efeito deste complexo de fatores, a partir de 1885 ocorre um salto: 1880/84, 150 estabelecimentos; 1885/1889, 248 estabelecimentos; 1890/1894, 425 estabelecimentos.

3.Café e indústria

     Graças ao aumento da produção e exportação de café nas últimas décadas do século XIX, numa época em que os preços desses produtos eram favoráveis no mercado internacional, teve início um processo de acumulação de capital, por parte de fazendeiros paulistas, principalmente.

     Ao contrário do que havia sucedido com as classes dirigentes nordestinas ligadas à economia açucareira, a nova classe de fazendeiros ligados ao café conseguiu impedir a separação rigorosa das fases produtiva e comercial da economia cafeeira. A expansão cafeeira provocara um desenvolvimento orgânico das relações de produção capitalista, mesmo que ele tenha se dado de maneira extremamente fragmentada.

     Aqui vale uma resenha de O capitalismo tardio, do professor da Unicamp João Manuel Cardoso de Mello. Nas palavras da apresentação do também professor Luis Gonzaga Beluzzo e do próprio texto de João Manuel, extraímos (livremente) o resumo abaixo:

     Foi apresentado como tese de doutoramento em 1975. Suas páginas desfiam uma hipótese sobre a constituição do capitalismo brasileiro. Éramos todos cepalinos. O Estudo Econômico de América Latina, de 1949, marca o nascimento da economia política da CEPAL. Todo seu arcabouço está assentado na idéia de desenvolvimento desigual da economia mundial. A possibilidade de um desenvolvimento para dentro (1914-1945). Mas a industrialização latino-americana é problemática porque é periférica. Descompasso técnico, baixa poupança, demanda reduzida, tendência ao desemprego estrutural.
     Toda a problemática: independência econômica da nação; a industrialização nacional, a partir de uma “situação periférica”. Sai demanda externa, entra investimento. A esperança de que, via industrialização, a construção das bases econômicas da nação liquide a pobreza. Tudo se reduz, no limite, a ausência de uma indústria de bens de capital.
     Problemas: não se leva em conta as contradições (o nacional abafa o social).
     Da economia política da cepal surgem: a teoria estruturalista da inflação; a teoria dos obstáculos estruturais/reformas de base. E quando nada deu certo (ou não industrializou, ou não superou a pobreza), surgem as “Teorias da Dependência”.
     Filiação cepalina da “dependência” (André Gunder Frank, Capitalismo e subdesenvolvimento na América Latina, 1967; FHC e Enzo Faletto, Dependência e desenvolvimento na América Latina -ensaio de interpretação sociológica). Duas implicações: desenvolvimento latino-americano era capitalista; e específico, porque realizado numa situação periférina nacional. Mas João Manuel acha isso insuficiente.
     O capitalismo tardio é uma crítica das reflexões de Raul Prebisch, Aníbal Pinto, Celso Furtado, FHC, Maria da Conceição Tavares, Carlos Lessa. Todos estes discutiam a especificidade do capitalismo periférico, mais precisamente, com as peculiaridades da industrialização capitalista, no contexto latino-americano.
     João Manuel acha que se deve pensar a história latino-americana como a formação e o desenvolvimento de um certo capitalismo. E para isso é preciso recusar o formalismo contido no paradigma do pensamento cepalino. Há duas e não apenas uma economia primário-exportadora: a apoiada no trabalho escravo e a organizada com trabalho assalariado.
     A colonização moderna integra um processo mais amplo, de constituição do modo capitalista de produção, como instrumento de acumulação primitiva de capital. Produzindo excedentes - comércio - lucro; mercados coloniais para a produção metropolitana; apropriação quase integral dos lucros pela metrópole, processo que exige trabalho escravo (devido ao fundo de terras disponíveis).
     A passagem ao capitalismo industrial propõe e estimula a liquidação da economia colonial. Só o trabalho assalariado poderia significar mercados os mais amplos possíveis e, simultaneamente, produção mercantil complementar em massa. Necessidade de eliminar, submeter, o capital comercial ao capital industrial.
     Na América Latina, entre, grosso modo, 1880 e 1900, tanto a extraodinária ativação da exportação de capitais, quanto, em alguns casos, a imigração em massa, foram cruciais ao nascimento das economias exportadoras capitalistas. Não se pode, porém, pensar nem em importação nem em transplante do capitalismo, uma vez que aquele movimento não se reduz ao movimento das economias industriais; ao contrário, há que partir da dinâmica das economias latino-americanas e, então, demonstrar de que modo as exportações de capitais e a imigração se engancham nela e a transformam de dentro.
     Queda do exclusivo, formação do Estado Nacional, crise da economia colonial no Brasil. Mas da crise, surge a revitalização do caráter mercantil da economia e o revigoramento da escravidão, dentro dos quadros de uma economia controlada nacionalmente.
     Capital mercantil....economia mercantil-escravista cafeeira nacional. Porque latifúndio, porque escravista.
     De 1810 a 1850, constituição e consolidação do consumo de café nos mercados centrais. Papel ativo da oferta. Nos últimos anos dos 60, crise da economia mercantil escravista cafeeira. O fantasma da regressão. O problema do mercado de trabalho.
     Soluções surgem com: introdução das estradas de ferro/a maquinização do beneficiamento. Aspecto contraditório, porque repõe a acumulação e com isso a falta de braços.
     Soluções: a imigração. Resultado: a economia exportadora capitalista no Brasil.
     A economia cafeeira cria as condições básicas à indústria: capital monetário; transforma a força de trabalho em mercadoria; cria mercado interno.
     Mas quais as questões; 1)de que modo uma classe social pode dispor de capital monetário capaz de transformar-se em capital industrial? 2)porque ela decidiu investir na indústria; 3)como foi possível transformar o capital monetário em força de trabalho e meios de produção industriais?
     A burguesia cafeeira como matriz social da burguesia industrial; e isso num momento de auge exportador!!!
     O complexo exportador cafeeiro, ao acumular, gerou o capital-dinheiro que se transformou em capital industrial e criou as condições necessárias a essa transformação: uma oferta abundante no mercado de trabalho e uma capacidade para importar alimentos, meios de produção e bens de consumo e capitais, o que só foi possível porque se estava atravessando um auge exportador.
     Por outro lado, o capital cafeeiro impõe limites estreitos à acumulação industrial.
     O assunto é super interessante (107/108) mas vale a pena destacar que a posição subordinada da economia brasileira na economia mundial capitalista está duplamente determinada: pelo lado da realização do capital cafeeiro e pelo lado da acumulação do capital industrial.
     1888/1933: nascimento e consolidação do capital industrial; em 1933 se inicia uma nova fase do período de transição, porque a acumulação se move de acordo com um novo padrão. Nesta fase, que se estende até 1955, há um processo de industrialização restringida (não se implanta de golpe o núcleo fundamental da indústria de bens de produção/de um lado as dificuldades do período, de outro melhores e mais seguras oportunidades, os limites à ação do Estado).
     1956/1961, se delineia um novo padrão de acumulação, processo de insutrialização pesada ANTES de qualquer expansão previsível de seus mercados!! Estado e grande empresa oligopolista internacional comandaram o processo de industrialização pesada. Uma profunda solidariedade ao nível da acumulação, entre Estado, empresa internacional e empresa nacional, o que não elimina fricções secundárias. A expansão desembocou numa crise (1962/1967).
     Isto posto, João Manuel passa a analisar o primeiro período (nascimento e consolidação do capital industrial): o movimento da economia brasileira entre 1888 e 1932 é imprimido, em última instância, pela acumulação cafeeira.
     Ciclos do café: 1886/1918 (dez anos de expansão e vinte de depressão) e 1919/1945?(expansão até 1929 e depressão até o boom cafeeiro do pós segunda guerra).
      Primeiro ciclo: números: 1886/7 a 1890/91, 5,2 milhões de sacas; 1896/7 e 1902/3, 11,4 milhões de sacas.
     Fluxo imigratório 1888/1900: 1.400.000 pessoas, das quais 890.000 se fixaram em São Paulo. (vincular com desempenho das economias européias, argentina e norte-americana).
     Condições de realização extremamente favoráveis (internas e externas, explicar dinâmica, tabela na pp 127).
     O capital cafeeiro é ao mesmo tempo agrário, industrial, mercantil, convém pensar num complexo exportador cafeeiro integrado por um núcleo produtivo, que inclui as atividades de beneficiamento, e por um segmento urbano, que acolhe os serviços de transprte, atividades comerciais, financeiras. A acumulação cafeeira é, em grande medida, acumulação urbana.
     Longa descrição das ações do Estado diante da crise (136 etc). Importante estudar devido as semelhanças entre aquela época e hoje. Política de valorização: a burguesia cafeeira decidira utilizar o elevado poder de monopólio de que dispunha como classe, pois controlava 75% da produção mundial, para manipular os preços internacionais (políticas de valorização, acordo de Taubaté).
     O pulo do gato: os lucros gerados entre 1889 e 1894 não encontravam plena aplicação na economia cafeeira; a produção industrial interna era a única apliação rentável para os lucros comerciais excedentes. Havia um vazamento de capital monetário do complexo exportador cafeeiro porque a acumulação financiera sobrepassava as possibilidades de acumulação produtiva. Bastava, portanto, que os projetos industriais assegurassem uma rentatibilidade positiva para que se transformasse em decisões de investir. Mas é conveniente lembrar das condições favoráveis de financiamento (Encilhamento).
     Levar em conta, também, a força de trabalho excedente; mas na ausência de uma indústria de bens de produção, a transformação do capital-dinheiro em capital produtivo estava atrelada à geração de divisas por parte da economia cafeeira. E aí convém lembrar que no período 1890/4 o crescimento das exportações foi sensível (café, borracha, cacau).
     Em síntese: o próprio complexo exportador cafeeiro engendrou o capital dinheiro disponível para transformação em capital industrial e criou as condições a ela necessárias: parcela da força de trabalho disponível ao capital industrial e uma capacidade para importar capaz de garantir a compra de meios de produção e de alimentos e bens manufaturados de consumo, indispensáveis à reprodução da força de trabalho industrial.
     Levar em conta: protecionismo (“natural” e tarifário); desvalorizações cambiais, queda de salários.
     Porque apenas uma determinada grande indústria, a de bens de consumo assalariado, especialmente a têxtil? Problemas de escala e tecnologia, não de demanda e custo relativo de importação.
     No segundo ciclo (1919) do café. O desenvolvimento industrial nos anos 20 está marcado, em primeiro lugar, por uma profunda modernização da indústria de bens de consumo assalariado; diferenciação da estrutura industrial (pequena indústria do aço e de cimento).
     Crise a partir de outubro de 1929 não é mero reflexo. Tem relação com a política de proteção (segundo o próprio Delfim Neto). A grande Depressão antecipou e aprofundou uma crise que seria inevitável. Queda de 60% dos preços do café, entre 1929 e 1933. Mas a depressão não se transformou em catástrofe (queda de 4% do PIB entre 1928 e 1931; em 1932 PIB já estava de novo ao nível de 1928).
     Política de fato keynesiana em 1930 e 1932: superavit na balança comercial; despesas com a revolução de 30 e com a guerra paulista; auxílio aos estados vitimados pela seca de 30/33.
     João Manuel conclui seu trabalho propondo uma periodização (economia colonial - economia mercantil escravista nacional - economia exportadora capitalista - retardatária em suas três fases: nascimento e consolidação da grande indústria, industrialização restringida e industrialização pesada), que aponta a direção do movimento da economia, está complexamente determinada.
     Quer dizer, está determinada em primeira instância por “fatores” internos e, em última instância, por “fatores” externos.
     Nem a história aparece como singularidade irredutível, nem como a realização monótona de etapas de desenvolvimento pré-fixadas, nem muito menos há ausência de história, a que nos teria condenado nossa condição subdesenvolvida e periférica, como se nosso destino estivesse traçado desde o descobrimento. A história brasileira e latino-americana é a história do capitalismo e, simultaneamente, a história de nosso capitalismo.
     A economia colonial não foi constituída no movimento de seu nascimento? A passagem da economia colonial à economia exportadora capitalista não é incompreensível sem tomarmos em conta tanto a emergência do capitalismo industrial quanto a transição do capitalismo competitivo ao monopolista? Por acaso a industrialização retardatária pode ser entendida sem se levar em consideração a dinâmica do capitalismo maduro?
     É a história de um determinado capitalismo, do capitalismo tardio: sua especificidade não advém de surgir das entranhas da economia colonial, criatura, por sua vez, do capital mercantil? Suas peculiaridades não provém de que o capitalismo nasce desacompanhado de forças produtivas capitalistas? Sua originalidade não reside em que a grande indústria pode surgir e se consolidar sem que surja, concomitantemente, um departamento de bens de produção? Em que, mesmo quando espoca, a industrialização pode se manter restringida? Em que, mesmo quando se completa, a dinâmica da acumulação atrela-se às injunções do Estado e da grande empresa oligopólica estrangeira, sem nunca comportar-se na plenitude?
     A história do capitalismo é também a nossa história. O capitalismo não pode formar-se sem o apoio da acumulação colonial; o capitalismo industrial valeu-se da periferia para rebaixar o custo de reprodução tanto da força de trabalho quanto dos elementos conponentes do capital constante; ademais, dele se serviu quer como mercado para sua produção industrial, quer como campo de exportação de capital financeiro e, mais adiante, capital produtivo.

     Até a grande crise de 1929-1932, portanto, a maior parte dos investimentos industriais feitos por empresários brasileiros tinha sua origem no capital cafeeiro. Os bancos eram dominados pelo capital financeiro internacional.

     Outros que investem na indústria: importadores, comerciantes, imigrantes ricos, firmas estrangeiras (linhas de coser = Machine Cottons Ltd; sapatos = São Paulo Alpargatas Company; carnes = Swift). Até 1929, Inglaterra era hegemônica:  investia mais no Brasil, até 1911, do que investira em todos os países, exceto Índia e colônias inglesas. Entre 365 sociedades estrangeiras estabelecidas no Brasil (entre 1929-1932), 44% eram inglesas, 23% norte-americanas, 15% francesas e 4% alemãs. Finalmente, lembramos a presença de empresas estrangeiras na prestação de serviços de infra-estrutura urbana.

     Vejamos um esboço da estrutura produtiva da indústria em 1919: 30,7% do valor bruto da produção provinha das indústrias alimentícias; 29,3% da têxtil; 6,3% de bebidas e cigarros; 4,7% da metalurgia e indústrias mecânicas juntas; 2,0% das indústrias químicas. Só BENS DE CONSUMO, com exceção de poucas máquinas de beneficiamento do café, ferramentas e equipamentos. Verifica-se, ainda,.clara dependência tecnológica industrial.

     Um exemplo das gritantes contradições daí oriundas: quando os trilhos da ferrovia D.Pedro II chegam a zona metalúrgica mineira, no último quartel do século XIX, as fábricas quebram frente a concorrência estrangeira. De novo, o papel do trabalho escravo + o latifúndio, a inexistência de um setor de produção de máquinas-ferramente, a inexistência de produção alfandegária.
    
4.Industrialização e urbanização

     Não se pode estabelecer uma relação causal mecânica entre urbanização e industrialização na história do Brasil. As cidades que iram converter-se nos principais centros industriais do país possuiam um incipiente grau de urbanização, via de regra, e isto anteriormente ao surgimento das primeiras fábricas.

     São Paulo iniciara um desenvolvimento urbano a partir de 1870, em grande parte ligado ao movimento do capital comercial e financeiro da economia cafeeira.

     De qualquer modo, o espaço urbano surge como uma das condições favoráveis à formação e desenvolvimento do capital industrial. Infraestrutura necessária à circulação e distribuição das mercadorias e do capital a ser investido na produção; sistema comercial, financeiro, viário e de transportes; energia elétrica; mercado de consumo concentrado; mercado de trabalho livre assalariado.

     Se as cidades preexistiram às indústrias, a partir do momento em que o capital financeiro chegou a dominar todas as atividades econômicas, ele passou também a determinar toda a expansão urbana. Isso ficou mais claro no Brasil após 1930.

     A expansão acelerada de São Paulo esteve subordinada ao capital comercial cafeeiro, após 1870; porém, na última década do século passado, os condicionamentos que o capital industrial nascente provocava sobre o crescimento e a fisionomia da cidade já podiam ser notados.

     População paulista: 23.243 em 1872
                   44.030 em 1886 (daqui até 1893, 300%)
                   64.934 em 1890
                   192.409 em 1893

     Melhorias urbanas desse período: iluminação pública a gás/saída do querosene (1872), serviço municipal de água e esgoto (1877), nova penitenciária (1877), novo matadouro e mercado central (1887 e 1890), serviços de bonde com tração animal (1872), sistemas de loteamento, arruamento e construções (código de 1886), sistema ferroviário (1867), calçamento de parelelepípido de granito (1873).

     Convém lembrar que havia em SP uma concentração de casas bancárias/mercado de capitais; e um mercado de força de trabalho (em 1888, o Visconde de Parnaíba cria, na várzea do Tamanduateí, a Hospedaria dos Imigrantes).

     A indústria paulista iria superar o predomínio do Rio somente na segunda década do século XX. Alguns desdobramentos urbanos da presença industrial podem ser estudados:
·         padrões típicos de arquiquetura industrial (colonial brasileira; britânica manchesteriana/variante alemã);
·         presença de operários no conjunto da população (em 1919, 275 mil operários);
·         constituição de bairros operários; concentração geográfica dos bairros e vilas proletárias; nascimento de bairros fabris e operários ou de vilas proletárias contiguas a grandes complexos industriais;
·         . os casos específicos da Lapa, Água Branca, Casa Verde, Bom Retiro, Bexiga, Barra Funda, Cambuci, Ipiranga,.Vila Prudente, Brás, Móoca, Belenzinho, Pari;
·         a relação, em São Paulo, da formação dos primeiros bairros operários/localização das antigas fábricas/traçado das ferrovias (SP-Railway e, depois, Sorocabana e Central do Brasil)/curso dos rios Tamanduateí e Tietê;.
·         a divisão geográfica da cidade (nas baixadas, os bairros industriais descreveram um semicírculo em volta da colina central da cidade, na qual se instalaram o centro comercial e os bairros burgueses (Higienópolis e Jardins);
·         o processo ocorrido numa segunda fase da evolução urbana de SP, posterior a 1930, quando houve uma crescente expulsão dos contingentes de trabalhadores para áreas periféricas: subúrbios industriais como Osasco e região; Pirituba, Perus, Cajamar e Caieiras; São Miguel Paulista, Ermelindo Matarazzo, Mauá e ABCD.
·         as condições de moradia: barracos de pau a pique, cortiços (lembrar de Aluizio Azevedo), a presença menos comum de vilas operárias.

5.Bibliografia

Arrighi, Giovanni. O longo século XX. Rio de Janeiro : Contraponto ; São Paulo : Editora Unesp, 1996.
Mello, João Manuel Cardoso de. O capitalismo tardio. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.
Dean, W. A industrialização de São Paulo. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1971.
Delfim Netto, Antonio. O problema do café do Brasil. São Paulo, 1966.
Furtado, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo, Editora Nacional, 1971.
Silva, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo, Alfa-Ômega, 1976.
Hardman, Francisco Foot/Leonardi, Victor. História da Indústria e do trabalho no Brasil: das origens aos anos vinte. São Paulo: Global Editora, 1982.
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