sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A média certa

Texto publicado em 5 de setembro de 2007.

O 3º Congresso do PT deixou muito claro em que termos aprovou, praticamente por unanimidade, o apoio ao Plebiscito da Vale. A saber: o PT apóia a realização do plebiscito, mas não se manifestou sobre o mérito da questão.

A questão em tela está na cédula do Plebiscito, dividida em duas partes. A primeira é uma explicação: “em 1997, a Companhia Vale do Rio Doce, patrimônio construído pelo povo brasileiro, foi fraudulentamente privatizada, ação que o governo e o poder judiciário podem anular”. A segunda é a pergunta: “a Vale deve continuar nas mãos do capital privado?”

Dentro do PT, ninguém parece ter dúvidas acerca do caráter fraudulento da privatização. Mesmo assim, há quem considere, como o governador Jaques Wagner, que se trata de um “processo concluso”. Concluso efetivamente está, mas pode ser reaberto por fatos novos, por exemplo um pronunciamento da Justiça acerca do caráter fraudulento da privatização.

Caso a Justiça chegue a esta conclusão, a reversão da privatização entrará em pauta. Mas isso é considerado um risco por companheiros como o prefeito Fernando Pimentel, para quem “uma reestatização seria uma quebra de contrato e, portanto, muito ruim para a economia do país”. Pimentel acredita, também, que “a Vale é uma empresa estratégica para o país”.

Exatamente por ser estratégica para o país, a situação da Vale do Rio Doce merece ser analisada com atenção redobrada, sem preconceitos. Os neoliberais, por exemplo, não consideraram o monopólio estatal como um fato consumado. A esquerda tampouco deve considerar o monopólio privado como cláusula pétrea.

Ademais e paradoxalmente, a Vale não é propriamente uma empresa privada. Seu controle é privado, mas os recursos que a sustentam são em grande medida públicos. É também por isso que, em grandes setores da sociedade brasileira, considera-se natural que uma empresa estratégica para o país, construída com recursos públicos, privatizada de maneira fraudulenta, pode voltar a ser totalmente controlada por interesses públicos.

Nem toda quebra de contrato é ruim para a economia do país. Se, por hipótese, o governo FHC tivesse conseguido privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, como procederíamos? Daríamos a situação por “conclusa” ou buscaríamos os meios jurídicos, institucionais e políticos necessários para uma reversão?

No caso da Vale, se a própria Justiça considerar que a privatização foi fraudulenta, tornar-se-á obrigatório reverter um ato criminoso, denunciando um contrato ruim.

Nestas condições, o raciocínio segundo o qual a reestatização causaria danos para a economia do país equivale a dizer que o crime compensa. De mais a mais, há várias maneiras de recuperar o controle público, sem que isto implique em prejuízos para os investimentos feitos.

O que preocupa alguns investidores não são exatamente os prejuízos resultantes de uma retomada do controle público, mas sim os lucros futuros. É por isto, aliás, que a Vale está investindo pesadamente em publicidade, nestas semanas que antecedem ao Plebiscito. É por isto, também, que a Vale investiu nas campanhas eleitorais, inclusive de candidatos do PT. É por isto, finalmente, que a direção da Vale busca manter boas relações com vários governos, a começar do governo federal. Isto para não falar nas gestões da empresa junto à Igreja Católica.

Do ponto de vista da Vale, o plebiscito certamente não ajuda. Mas do ponto de vista da educação política e da mobilização popular, o plebiscito contribui e muito. Por um lado, coloca em debate um tema de interesse nacional. Por outro lado, consolida uma opinião acerca dos prejuízos causados pelas privatizações. Finalmente, constitui um meio legítimo de pressão, um contrapeso contra a eficiente pressão que a Vale e os privatistas fazem sobre a Justiça e sobre outras instituições brasileiras.

As críticas contra o Plebiscito mostram que muita gente fala de democracia, participação, mobilização popular, modernidade e republicanismo, mas só da boca para fora. Ou melhor: da porta da empresa para fora. Basta utilizar a democracia e a participação para questionar os interesses do Capital, que o discurso muda e começam os ataques contra os “anacrônicos” e “irresponsáveis” que ousam promover consultas sobre assuntos tão “delicados”.

Há até mesmo os que acham que, apoiando o Plebiscito, o PT estaria apenas “fazendo média” com os movimentos sociais. Mesmo que isto fosse verdade, convenhamos: melhor fazer média com os amigos do que com os inimigos.


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