sábado, 10 de dezembro de 2011

Chico de Oliveira, um intelectual que perdeu capacidade analítica (3/8/2008)

Mesmo com o desconto de praxe (pois entrevistas são direcionadas e editadas), é muito difícil entender a entrevista dada por Chico de Oliveira ao Jornal do Commercio de Pernambuco, no dia 3 de agosto. Basta dizer que o Jornal, sabidamente, colocou como título e atribuiu ao afamado sociólogo a seguinte frase: "a esquerda não chegará nunca ao poder".

Parte da entrevista trata das eleições de 2008 e de seu vínculo com as eleições de 2010. Não conheço ninguém que aponte uma relação automática entre elas. Mas também não conheço quem negue alguma relação, mesmo que indireta. Entre os dois extremos, há espaço para todo tipo de cálculo e previsão.

Para Chico de Oliveira, por exemplo, 2008 não serve nem mesmo como “termômetro”. Ele parece tão preocupado em minimizar a influência de 2008 na sucessão de Lula, que chega ao ponto de minimizar a influência de Lula nas eleições de 2008.

Sobre a eleição de São Paulo capital, ele diz que Marta Suplicy “está muito bem. Surpreendentemente, porque ela teve uma erosão de credibilidade muito forte, mas se ela se associar muito a Lula, a candidatura pode naufragar”.

Respondendo sobre a candidatura de João Costa, em Recife, ele diz que “nas cidades mais ricas, essa associação não tem causalidade positiva nenhuma, digamos. Pré-eleitoralmente, pode até se revelar a tempo, mas será uma surpresa. Ela não reforça a candidatura”.

Frente a esta análise tão surpreendente, o Jornal do Commercio pergunta então por qual motivo há “uma estratégia dos candidatos de oposição ao PT de não bater em Lula temendo uma queda?”

Chico responde que “anti-Lula não é bom em nenhum lugar. Mesmo em eleitorados que são majoritariamente anti-Lula, não é bom bater, porque a avaliação do governo dele não é ruim, você perde votos em vez de ganhar. Mas os candidatos que fazem estratégia de criticar o governo, mas não Lula. É melhor criticar só a administração porque a popularidade do Lula está desassociada de seu governo em muitas partes do País, como no Nordeste”.

Adorável, a recomendação de “criticar só a administração”, mas simplesmente não é verdade que a popularidade de Lula esteja “desassociada de seu governo em muitas partes do País, como no Nordeste”.

Talvez Chico de Oliveira não esteja familiarizado com as pesquisas mais recentes, de 2006 para cá. Mas o mais provável é que ele não consiga mesmo é entender por qual motivo a maior parte da população trabalhadora brasileira apóia Lula.

Vejamos o que ele diz a respeito: “a avaliação positiva tem vários fatores, como o relativo êxito econômico. O principal, é que é relativo, porque não é nenhuma maravilha um crescimento que, para as condições brasileiras, é medíocre. Ele não tem muito do que se vangloriar. Em segundo lugar, dizem, que o Bolsa Família exerce um fator positivo na avaliação, mas não em todas as regiões. exerce, sobretudo, nos Estados mais pobres, como os do Nordeste. Em São Paulo, por exemplo, o programa não tem maior relevância”.

Ou seja, tem a economia e a Bolsa Família, mas tudo é relativo. E assim, salvos pela dialética, ficamos sem saber qual é mesmo a causa da alta popularidade de Lula.

O mais espantoso é a afinidade eletiva entre as respostas de Chico de Oliveira e as explicações da intelectualidade tucana. Afinidade que produz raciocínios como a resposta que ele dá para a seguinte questão: “ninguém quer mais ser oposição nesse País? Todos querem se beneficiar com alguma fatia do governo Lula?”

Chico de Oliveira responde que isto é uma “tradição brasileira”. E arremata: “os dois partidos que surgiram tentando modificar essa cultura política, o PT e o PSDB, se aliaram aos demais”.

Assim, o sociólogo avaliza a propaganda enganosa segundo a qual o PSDB surgiu para mudar a “cultura política”. Na mesma linha vai sua explicação para a “velha cultura política patrimonialista”: o peso muito grande do Estado brasileiro, que estaria no fato da “caneta de um presidente no Brasil pode mexer em 20 mil postos do Estado. Na França, o presidente mexe em 300, assim como na Inglaterra, Canadá e Estados Unidos”.

Não é maravilhoso?! Dá volta, dá volta, e Chico de Oliveira cai na tese defendida por seu velho colega de Cebrap. O problema é o Estado....

Isto tudo lembrar uma entrevista de 1994, em que Francisco Weffort pontificou acerca do papel das classes e da luta de classes, construindo uma espécie de “ponte teórica” para sua travessia do petismo ao tucanato.

Compare-se o que Weffort disse, então, com o que diz Chico de Oliveira nesta entrevista ao Jornal do Commercio: não haverá aproximação entre o PT e o PSDB, “porque cada partido tem seu eleitorado, aos quais ele dirige especialmente a sua fala. Não são mais interesses de classe, uma velha divisão de interesses que a esquerda sempre pensou que fosse o ponto de equilíbrio da política e que, na verdade, foi o marxismo que inventou. Isso de que a política tem a ver com o interesse de classe. A esquerda sempre orientou sua ação por aí, mas não é bem assim. São particularidades da política que têm outras conotações”.

Certamente a relação entre classes sociais, seus interesses e as posições assumidas por partidos políticos é algo muito complexo. Mas dizer que constitui uma invenção do marxismo é, digamos assim, uma forçada de barra quase tão grande quando a teoria do ornitorrinco.

Ao mesmo tempo, Chico de Oliveira (seguindo a toada de parte da intelectualidade tucana e dos editores dos grandes jornalões) acha que “PT e PSDB criaram eleitorados aos quais a mensagem deles é mais receptiva, embora se você examinar desse ponto de vista, os interesses de classe que eles defendem são muito parecidos”.

Ou seja: PT e PSDB brigam porque são parecidos, algo comum de se ouvir nas cercanias do Instituto FHC.

A proximidade de Chico de Oliveira com o modo tucano de pensar vai além. Ele chega a dizer, diretamente, que as “tendências indicam” que o próximo presidente será um tucano e que terá “muitas dificuldades” para “desaparelhar a máquina administrativa federal”.

O discurso de que o PT e o PSDB são parecidos é comum também no PSOL. Chico de Oliveira, por exemplo, fala que não é equivocado dizer que “governo Lula está voltado para os juros altos dos empresários, bolsa para os pobres e mensalão para os corruptos”. Mas, segundo ele, está característica seria compartilhada pelo governo FHC e do PSDB.

Vejamos como Chico de Oliveira esclarece sua relação com o partido de Heloísa Helena: “participei da fundação do PSOL por uma questão [de] estratégia, não por uma questão eleitoral e pragmática. Participei para que a crítica de esquerda não desaparecesse, e entendo ser essa a função. Só que o pessoal que compõe o PSOL não entende assim, tem projeto de poder político. Eu não tenho. Não tenho porque acho que esse ciclo da ascensão da esquerda no Brasil para funções de governo está encerrado. Não vai reaparecer nas mesmas formas. Não que o ciclo da esquerda esteja encerrado”.

Chico de Oliveira poderia ter transformado esta reflexão em algo útil. Mas o niilismo é mais forte e ele arranca com o seguinte raciocínio: “a esquerda não chegará nunca ao poder. Não chegará pelo menos nos próximos 30 anos, numa avaliação muito vaga. As bases com as quais a esquerda se ergueu durante o século 20, sobretudo a esquerda brasileira, que se reergueu a partir da experiência da ditadura militar - com o movimento de redemocratização forte e com os sindicatos praticamente liberados para ações - essas bases sociais não existem mais”.

Descobrimos assim que a duração do nunca mais: 30 anos. Descobrimos, também, que o sindicalismo “não era de esquerda, foi puxado para a esquerda” pelo “antigo MDB” e pela “esquerda desvalorizada pelo reformismo”.

Se é assim que Chico de Oliveira qualifica a aparição da classe trabalhadora, no seu momento de auge combativo, não admira que ele tenha dificuldade de lidar com a classe trabalhadora numa fase de moderação como a que estamos vivendo. Logo ele, que diz com satisfação ser “reformista desde criancinha”.

Chico é direto: o PT “foi de esquerda, as forças que formaram o partido na década de 80 eram de esquerda, os sindicalistas, fora um ou outro, nunca foram de esquerda”.

Quase no fim da entrevista, Jornal pergunta se tem “algum candidato hoje, não sendo do PSTU ou do PSOL, com condições de se declarar de esquerda? Ou é um grande descaramento?”

Chico de Oliveira responde que “não tem e não comove. Não seria descaramento, mas comove só algumas parcelas românticas do eleitorado. Qual é a mensagem de esquerda diferente hoje? Até a direita é a favor da questão social no Brasil”.

A entrevista como um todo mostra que, se é certo que no campo que apóia o governo Lula, há intelectuais que perderam a capacidade crítica, também é certo que no campo que critica o governo Lula, há intelectuais que perderam a capacidade analítica.

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